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Consagrado na Ásia, técnico Wagner Lopes fala com exclusividade ao ENM: ‘O Zico foi um divisor de águas no Japão’

Imagem: Reprodução/EPTV

O técnico Wagner Lopes conversou com exclusividade com o Esporte News Mundo em entrevista na qual falou sobre sua passagem pelo Japão, o desenvolvimento do futebol na Ásia e a presença de técnicos estrangeiros no Brasil.

                 

Lopes tem uma longa história no oriente, tanto como jogador, quanto como técnico. Chegou ao Japão em 1987 para jogar no Nissan Motors (hoje, Yokohama Marinos) e passou 15 anos por lá, atuando por times, como Kashiwa Reysol e Nagoya Grampus.

Depois de se aposentar, treinou times no Brasil, como Paraná, Atlético-GO, Goiás e, em seu último trabalho, o Botafogo-SP. Mesmo assim, não deixou o Japão de lado. Em 2017 ainda dirigiu o Albirex Niigata.

A ligação com o país é tão grande, que, em 1997, se naturalizou japonês e jogou a Copa do Mundo de 1998 pela seleção dos samurais azuis.

“O mau profissional, no Japão, dificilmente fica. A minha ida para lá tão jovem, aos 18 anos, fez com que eu melhorasse muito, não só como atleta, mas também como ser humano, como pai, como marido”

— Sobre as mudanças que a vida no Japão provocou ainda no tempo de atleta

Confira a entrevista completa com o treinador:

Esporte News Mundo: Atualmente está procurando um clube para trabalhar?

Wagner Lopes: Exatamente. Eu saí do Botafogo-SP no final de fevereiro e, desde então, tive várias sondagens, algumas quase deram certo, mas, infelizmente, nada se acertou.

ENM: Hoje, você tem pretensão de trabalhar no mercado brasileiro ou segue voltado para trabalhos na Ásia?

WL: A ideia inicial é, por enquanto, permanecer no Brasil.

ENM: Como você analisa a concorrência de treinadores no mercado interno?

WL: Nós temos excelentes treinadores no mercado. O número de clubes não consegue absorver tanta qualidade, mas eu discordo da maioria, que muitas vezes critica o treinador. Eu acho que nós temos grandes nomes, ótimos gestores, pessoas altamente capazes não só na parte tática e técnica, mas também na evolução do jogo. Eu vejo o Brasil com muita qualidade, sim. Às vezes, o julgamento é feito de uma forma muito rasa. É preciso aprofundar um pouco mais para falar dos treinadores brasileiros. Afinal de contas, nós somos o único país com cinco títulos de Copa do Mundo.

ENM: O que acha dessa dança das cadeiras de treinadores no Brasil?

WL: Eu acho um erro administrativo grave. Quando um treinador é mandado embora, você está penalizando o clube, e não estão punindo os responsáveis. Não é só o treinador o culpado pelos resultados ruins. Na minha visão, tem que ser analisado todo um contexto: condições de trabalho, fase dos atletas, se os treinadores têm conceito, tem metodologias, filosofia de jogo compatível com o que o clube espera. Mas o resultado não pode ser mais importante que os processos de desenvolvimento. É preciso avaliar se o treinador é dedicado, se ele treina o que pede durante os jogos, se a organização do trabalho tem a ver com o que o clube espera, se existe uma sincronia entre o que foi apresentado e o que foi contratado. É muito ruim quando o clube muda de treinador no meio do caminho porque penaliza o grupo, o próprio clube, tem que indenizar o treinador, os jogadores terão que se adaptar com treinos novos, uma personalidade nova, o convívio é prejudicado, não tem muito tempo de trabalho. Todos nós sabemos que o processo de desenvolvimento de jogo, ou até mesmo numa programação para desenvolvimento de talentos, precisa de tempo e o treinador precisa de pelo menos um ano para conhecer o grupo todo, saber quando um atleta joga bem ou mal. Os dirigentes no Brasil teriam que ser formados, ter curso, como os treinadores tem. O espetáculo ficaria muito melhor.

ENM: A presença de treinadores estrangeiros no Brasil ajuda ou atrapalha?

WL: Ajuda muito. Eu sou muito a favor da globalização. Por ter vivido por 17 anos no Japão, eu sou a favor de abrir o mercado, de ter regras que sirvam para todos, mas sou contra ter reserva de mercado, sou contra qualquer tipo de discriminação. Treinadores do mundo todo têm que ser bem-vindos, assim como nós somos na maioria dos países. Eu vejo com bons olhos a troca de informações, compartilhar conhecimento, maneiras de treinamento. Nesse aspecto eu tive muita sorte. Jogando por 17 temporadas no Japão eu tive a oportunidade de trabalhar com todo tipo de treinador. Eu procurei pegar um pouquinho de cada um para fazer minha própria metodologia, meu próprio modelo de jogo. A vinda de novos profissionais para o mercado brasileiro vai acirrar a disputa, fazer com que todo mundo trabalhe no limite para que consiga bons resultados.

Wagner Lopes durante passagem como treinador do Criciúma, em 2014. (Foto:Lucas Uebel/Getty Images)

ENM: Como você vê o desenvolvimento do futebol na Ásia, mais especificamente, no Japão?

WL: O futebol, não só japonês, mas o coreano, o chinês, o tailandês, indonésio, vem investindo muito na contratação de brasileiros. Falando da seleção japonesa, eu não tenho dúvida nenhuma ao afirmar que o Japão é o país que mais desenvolveu talentos nos últimos dez anos. Prova disso é que antigamente não tinha nenhum jogador nos grandes centros e, hoje, na Bundesliga, eu contei 17 atletas de lá. Tem atleta na Inglaterra, na Itália, em alto nível em outros grandes centros, grandes clubes e que podem chamar a atenção dos gigantes europeus. O japonês sempre teve uma obediência tática muito aflorada, então o treinador passa a missão para o atleta, mas na função da posição, ele vai dar a vida para cumprir o que o treinador pediu. E tecnicamente, o japonês é muito dedicado. Se você passa um exercício que o cara não consegue fazer, pode acabar o treino, ele fica mais duas ou três horas tentando porque, se ele não conseguir fazer o exercício satisfatoriamente, ele não vai desistir do que foi pedido. Eles são muito determinados, disciplinados. Eu não tenho dúvidas em afirmar que a escola brasileira tem uma influência muito grande na japonesa e isso ajudou muito na evolução técnica e tática dos japoneses.

ENM: Quais as diferenças na questão cultural e profissional entre Japão e Brasil?

WL: Nós poderíamos ficar aqui o dia inteiro falando das diferenças. O japonês tem muita coisa bacana para ensinar e o brasileiro tem o lado alegre, é muito descontraído, carinhoso. Já o japonês é mais distante, mais frio, não tem o costume de abraçar e beijar do brasileiro. Mas em contrapartida, o japonês é muito organizado, faz planejamentos com um ano de antecedência para poder executar tudo. No futebol japonês há uma cota orçamentária para o ano. O dinheiro é depositado no banco e os patrocinadores sabem que esse dinheiro vai ser usado durante o ano e esse valor não é mudado. Existe um planejamento financeiro, uma prospecção de gastos. Quando você faz um contrato com um clube, sabe que vai receber, tem todas as garantias. As prefeituras das cidades dos clubes se envolvem bastante também. Os clubes, em contrapartida, fazem contratos com instituições de caridade. Existe uma cadeia de cooperação que envolve a comunidade também. Tem muita coisa bacana, que gostaria que viesse para o Brasil. Que a cidade, mesmo que pequena, abraçasse o clube e vice-versa. Na formação de seres humanos, nas escolas, nos hospitais. O atleta profissional tem uma grande responsabilidade perante a sociedade e no Japão isso é muito aceito e cobrado. São muitas coisas boas que o Japão tem e que no Brasil é até difícil de comentar e de as pessoas entenderem. Não só aqui, mas o clube empresa, com a responsabilidade das pessoas que os administram tenham condições de fazer um bom trabalho.

ENM: Como o Japão mudou sua perspectiva, se é que mudou, sobre futebol?

WL: Mudou, sim. Quando fui ao Japão, aprendi a dar meu melhor todos os dias, a fazer o melhor que sou capaz. Se não fizer o melhor, os japoneses mandam embora. O mau profissional, no Japão, dificilmente fica. A minha ida para lá tão jovem, aos 18 anos, fez com que eu melhorasse muito, não só como atleta, mas também como ser humano, como pai, como marido. A cultura japonesa tem uma necessidade muito grande do envolvimento com as pessoas próximas. Aquele que genuinamente se importa com quem está ao lado vai ser aceito na cultura japonesa, que vai ganhar dinheiro. Porque mesmo dentro do mundo frio dos negócios, lá eles dão muita importância para o coletivo, coisa que, no Brasil precisamos melhorar muito.

ENM: Como é a questão do japonês com o jogador brasileiro, que é uma questão que sempre tem força, o brasileiro acaba sendo idolatrado.

WL: Eu joguei em sete clubes diferentes por lá e cada um tem um tipo de relacionamento com a torcida. Em 2017, eu estive lá como treinador e deu para perceber que a torcida está muito mais próxima, por conta das redes sociais, que é um canal de comunicação importante. O clube sempre organiza eventos para estar próximo da torcida, permite a presença deles em treinamentos, nos vestiários, até convida para jantar com os jogadores na véspera de jogos importantes. No Japão eles tem a mensalidade anual. O torcedor paga isso mensalmente e tem direito a ver todos os jogos em casa.

“A história do Zico é magnífica em qualquer idioma, em qualquer país do mundo”

— Sobre a importância de um dos maiores nomes do futebol brasileiro no Japão

O Zico foi um divisor de águas no Japão. Ele é merecedor das estátuas que tem em Kashima. Não só pelo atleta que foi, mas pelo treinador e dirigente que é.  A história dele é magnífica em qualquer idioma, em qualquer país do mundo. A idolatria que o brasileiro tem pelo Flamengo do Zico da década de 80 é muito grande e no Kashima Antlers é a mesma coisa. Eu fico feliz de ter um brasileiro tão respeitado e amado no Japão, como ele. Que isso continue e que os brasileiros que fazem sucesso por lá, que são muitos, possam dar sequência nisso e que possamos ter muitos ídolos brasileiros no futebol japonês.

ENM: Na última Copa, o Japão foi bem e chegou a abrir 2 a 0 sobre a Bélgica nas oitavas. Quais suas expectativas para a seleção japonesa para 2022?

WL: Nesse jogo contra a Bélgica, eu acredito que o Japão cometeu um erro grave. Durante o jogo todo, nenhuma vez o Japão cruzou a bola na área nos escanteios. Eles sabiam que o goleiro [Courtois], com dois metros de altura, poderia pegar a bola e ligar o contra-ataque rapidamente, que era o forte da Bélgica naquele campeonato. No último lance, eu acho que o nível de concentração baixou e cruzaram uma bola alto no segundo poste. O goleiro pegou a bola, puxou o ataque e o Japão tomou o gol já nos acréscimos. O futebol tem muitos detalhes que a gente acaba esquecendo depois. Por que tomou o gol? Sabia que se cruzasse a bola o goleiro poderia sair. No último lance resolveu arriscar e isso custou, não só a desclassificação da Copa do Mundo, mas o emprego do [Akira] Nishino, com quem joguei junto no Kashiwa Reysol nos anos 90. Ele acabou não renovando o contrato por conta de um erro que já havia sido alertado pela imprensa. O Japão tinha que ter tomado cuidado porque não tinha grandes cabeceadores, então não adiantava cruzar, já que o goleiro pegaria todas. Então, um erro de concentração acabou custando a eliminação da seleção.

E eu espero que a seleção faça um grande campeonato [em 2022]. Não só passar da primeira fase, mas brigar por algo a mais. Vou estar na torcida para que o Japão faça uma grande Copa do Mundo. O time tem jogadores com juventude, mesclados com mais experientes, que querem escrever o nome na história.

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