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Da Série C a campeão no São Paulo e ídolo na Coreia do Sul: a carreira de Edgar

Edgar celebra gol no Campeonato Sul-Coreano Divulgação/Daegu FC

Dia 8 de dezembro de 2018. Batiam os 43 minutos do segundo tempo quando Edgar botou a bola debaixo do braço e resolveu: “Vamos acabar esse jogo”. O atacante brasileiro recebeu lançamento, dominou de cabeça, já colocando na frente, deixando o zagueiro na saudade e invadindo a área. Para finalizar, uma cavadinha por cima do goleiro. Um verdadeiro golaço! Gol da confirmação do título, o primeiro daquele jovem time chamado Daegu FC, da quarta maior cidade da Coreia do Sul de mesmo nome que o clube.

                 

Não fazia nem um ano que Edgar havia chegado no futebol sul-coreano. Na verdade, apenas cinco meses. O Daegu, time que acabara de subir da segunda divisão pela primeira vez em sua história, estava lutando para não cair. Só o feito de deixar a equipe na elite já seria suficiente para considerar um bom primeiro ano. Afinal, este era o objetivo quando Edgar foi contratado. Mas o time ainda estava na Copa da Coreia. O gol narrado acima foi no jogo da volta da decisão da Copa, onde o Daegu venceu os dois jogos contra o poderoso Ulsan e conquistou sua primeira taça em 17 anos de clube. Edgar marcou no primeiro jogo, vitória por 2 a 1, e fez o terceiro para fechar o caixão e selar o título na volta. A importância foi tamanha que Daegu, cidade que costumeiramente tem o beisebol como esporte número um, passou a enxergar o futebol “com outros olhos”, como conta o divertido atacante em conversa com o Esporte News Mundo.

Gol de Edgar no jogo de ida da decisão contra o Ulsan

– Nossa, foi uma sensação muito legal (marcar gols nas finais). Quando eu cheguei no Daegu, vindo do Buriram, a equipe estava mal no Campeonato, e a deixamos numa situação confortável, no meio da tabela. Conseguimos ter o foco maior para alcançar algo legal na Copa da Coreia. As coisas foram ocorrendo bem e conseguimos chegar à final, contra o Ulsan Hyundai, que é uma das grandes potências do futebol sul-coreano. O Daegu é novo, há poucos anos somente jogava a segunda divisão, então foi um feito inédito. O primeiro título de expressão do clube.  Acabou que aqui na cidade passaram a olhar o Daegu FC com outros olhos. O esporte número 1 aqui na Coreia é o beisebol. A equipe de beisebol da cidade é o Daegu Samsung Lions, que é muito famosa. Mas depois desse título nosso estádio está sempre cheio, jogos com todo mundo apoiando, nós despertamos mais o interesse no futebol aqui na cidade, foi muito legal. As pessoas param para falar comigo e minha família, sempre lembram dessa final. Eu e os jogadores que conseguimos esse título ficaremos marcados na história do clube. Uma das melhores sensações que eu tive no futebol.

Gol no jogo da volta: zagueiro fica para trás e cavadinha no goleiro

Hoje, aos 33 anos, Edgar está estabelecido no futebol asiático como ídolo de um clube novo, mas que já ganhou o respeito e atenção de muita gente no país. Ele é um dos responsáveis por subir o Daegu na prateleira dos times da Coreia. Mas essa história começa lá atrás. Voltemos 14 anos no tempo. Revelado pelo Joinville, Edgar nem imaginava o que estava reservado para sua carreira no futebol. O primeiro passo desse jovem alto de tranças, agora sem as trancinhas e pai de dois filhos, após estourar na Série C foi jogar e ganhar o Campeonato Brasileiro pelo São Paulo. O jogador conta como foi o choque de realidade ao sair da 3ª divisão direto para um dos principais clubes do país e ganhar espaço na Seleção Brasileira Sub-20.

Edgar, à época, no Joinville. De pé, quarto da esquerda para a direita

– Eu comecei no Joinville, me profissionalizei lá. Estava jogando a Série C, muito bem na época. O São Paulo precisava de mais um atacante para compor o elenco e surgiu essa oportunidade, então eu aproveitei com unhas e dentes. Fiz parte do grupo campeão brasileiro de 2006. Infelizmente não tive muitas oportunidades para jogar porque era um elenco fantástico, tinham grandes jogadores. Mas foi um aprendizado muito legal! Saí de uma realidade totalmente diferente. Estava na Série C e fui para um dos melhores clubes do Brasil, lutando para ser campeão brasileiro. Então foi muito bom estar com atletas de nível de Seleção Brasileira e isso abriu totalmente o mercado do futebol pra mim. Depois tive até a oportunidade de ir para a Seleção Sub-20, então só tenho a agradecer ao São Paulo por ter acreditado no meu trabalho e realizado meu sonho de criança de jogar num clube grande.

Depois, veio a Europa. Mesmo tendo atuado pouco no Brasil, Edgar chamou a atenção de olheiros de Portugal e se transferiu para o Porto, onde encontrou algo parecido do que viu no São Paulo e também não teve muitas chances. Depois de viver momentos para se esquecer na Sérvia, encontrou no Vasco um lugar seguro.

Jornal O Jogo, de Portugal, noticia “chapéu” de Porto no Benfica – Divulgação/O Jogo

– Quando fui para o Porto foi a mesma situação do São Paulo. Encontrei um time multicampeão, jogadores de alto nível e várias nacionalidades, todos de seleção. Então também foi difícil pegar um espaço na equipe. No meu segundo ano, fui emprestado. Eu não queria, pois queria mostrar o meu valor no Porto. Fomos jogar um torneio de pré-temporada na Itália e eu joguei muito bem contra o Estrela Vermelha, da Sérvia. Eles se interessaram por mim, e fui por empréstimo. Tive a oportunidade jogar a Liga Europa, que foi um atrativo para eu aceitar. Só que as coisas não estavam muito bem, problemas internos do clube e do presidente. Os jogadores não estavam recebendo salário, estava uma situação muito complicada na Sérvia, não me sentia seguro. Pedi para voltar ao Porto, e nisso apareceu o Vasco, em 2009. Infelizmente nesta transição, cheguei um pouco depois de todos os jogadores. Cheguei quase no início do Campeonato Carioca, todos os jogadores com a pré-temporada feita, e então foi um pouco mais difícil para eu entrar no ritmo deles, vindo de outro Campeonato, tinha que me adaptar novamente. Ainda tive oportunidade de jogar alguns jogos no Carioca, Copa do Brasil e Série B (marcou dois gols), mas com a chegada do Aloisio, um veterano, um cara que dispensa comentários no Brasil, todos conhecem, eu tive a oportunidade de jogar com ele no São Paulo, infelizmente bloqueou um pouco o espaço de mais um centroavante (risos). Eu acabei sendo emprestado para o Nacional (POR). Mas eu tenho um carinho muito especial pelo Vasco, que é o clube que abriu as portas novamente para mim no Brasil.

E foi no Nacional que, finalmente, Edgar pode ter uma sequência boa de jogos e conseguiu engrenar de vez sua carreira. Fez 13 gols em 33 jogos pela equipe portuguesa e foi contratado pelo Vitória de Guimarães, do mesmo país. Lá, marcou mais 26 gols em duas temporadas. Depois desse período é que entrou a Ásia na vida dele. O Shabab Dubai, dos Emirados Árabes, o contratou. Ficou por lá três temporadas: marcou 40 gols e foi para o rival Al-Wasl, onde fez 11 gols em 20 jogos. Teve a oportunidade de voltar para a Europa, mas não encantou na Turquia e voltou a encontrar problemas de adaptação. Ainda passou por Catar e Tailândia antes de chegar ao Daegu. No país tailandês, jogou no Buriram United, que tem o técnico Alexandre Gama como ídolo. À época, Gama deixou o clube para assumir o rival Chiangrai. A estreia de Edgar pelo Buriram? Exatamente numa final de Supercopa contra o novo clube do renomado treinador brasileiro.

– Alexandre Gama é um técnico muito respeitado em toda a Tailândia. Muito mesmo. Ele ganhou muitos títulos com o Buriram, infelizmente não tive a oportunidade de trabalhar com ele. Ele tinha saído um ano antes para o Chiangrai. Jogamos uma final de Supercopa logo na minha estreia pelo Buriram e perdemos para o time dele, nos pênaltis, infelizmente (risos). Mas ele é muito renomado na Tailândia, no sudeste asiático, tem muita experiência por lá e sempre fez bons trabalhos. Não pude conhecê-lo, só quando jogamos contra, mas no Buriram falavam muito bem do Gama.

Edgar celebra gol no Campeonato Sul-Coreano Divulgação/Daegu FC

Após todo esse caminho, Edgar encontrou o Daegu e foi amor à primeira vista. Foi lá que sua carreira cresceu de patamar, se tornando uma pessoa muito querida para várias gerações de sul-coreanos. Ficou sabendo que a cidade era segura, limpa e tinha bons colégios para seus filhos, então resolveu ir. Além de ajudar a equipe a se livrar do rebaixamento, conquistar a Copa da Coreia e levar o time para a Champions League da Ásia de maneira inédita, na última temporada, ajudou o Daegu a ficar na quinta posição do Campeonato Sul-Coreano, melhor colocação na história do clube. Daegu é Edgar e Edgar é Daegu. Entre tantos momentos marcantes nestes dois anos e meio, um é bem recente.

#Edgarsaurus – Seu personagem foi eleito pela torcida para ser o tema de um jogo em casa

Nesta temporada de 2020, o Campeonato Sul-Coreano começou dois meses depois do planejado por conta do Coronavirus. Daegu se tornou epicentro da doença no mundo por alguns dias e assustou muita gente. A volta do futebol no país, com muitas recomendações e sem torcida no estádio, gerou uma sensação diferente em Edgar. Ele se tornou o primeiro jogador a marcar pelo Daegu na Forest Arena (estádio do clube) numa Coreia do Sul pós-pandemia. Ele descreve como foi a sensação:

– Temos algumas recomendações do que devemos fazer dentro do campo. Quando começamos o jogo, não pensamos muito nisso. É jogar como se não houvesse a situação do vírus. Infelizmente, não começamos tão bem o Campeonato (dois empates e uma derrota), mas pude fazer um gol (no empate por 1 a 1 contra o Pohang). Foi um pouco estranho sim, já de não ter torcida é um pouco chato, diferente. E você não poder compartilhar sua alegria com seus companheiros, não poder abraçá-los, e todo mundo ali feliz por ter feito um gol, é um pouco estranho. Vai ficar marcado porque foi um momento bem diferente, depois desse tempo que vivemos aqui só treinando, esperando a pandemia passar, então foi um pouco diferente e vai ficar marcado na minha mente meu primeiro gol após Coronavírus. Esperamos que isso passe o mais rápido possível no Brasil. Aqui já está um pouco melhor,  estamos podendo sair um pouco de casa, mas ainda temos que ter precaução.

Edgar, com a 19, pela Seleção Sub-20

Uma carreira digna de um brasileiro que persiste e corre atrás de seus sonhos. O Edgar de hoje, campeão, de mais de 130 gols na carreira, ídolo de jovens e adultos num belo país como a Coreia do Sul, agradece ao pequeno Edgar, de São Carlos (SP), por ter seguido a voz do coração e feito a vida no mundo mágico do futebol. Que sirva de exemplo para os futuros boleiros do Brasil.

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