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Noite de gênios: há dez anos, Santos e Flamengo faziam história na Vila Belmiro

Ronaldinho comanda o Flamengo em jogo histórico contra o Santos
Foto: Zuma via Imago Images

Dia 27 de julho de 2011: há exatos dez anos, Santos e Flamengo jogavam na Vila Belmiro, em um dos jogos que acabaria como um dos mais históricos do Campeonato Brasileiro. De um lado, o menino Neymar, que acabava de ser campeão da Libertadores e mostrava suas credenciais para o mundo. Do outro, o bruxo e gênio da bola, Ronaldinho Gaúcho. Nenhum dos dois sabia, mas o que fariam naquela noite de inverno permaneceria para sempre na memória de todos os apaixonados por futebol.

Os Meninos da Vila, comandados por Muricy Ramalho, vinham da conquista da Libertadores, um mês antes, sobre o Peñarol. Era a consolidação da era Neymar no Santos, que tinha ainda nomes como Ganso, Borges e Elano. Era o time a ser batido no Brasil, que encantava a todos quando entrava em campo com sede de vitória.

Do lado Rubro-Negro, o contraste de alguém que já não precisava provar nada ao mundo da bola. Ronaldinho Gaúcho, mundialmente aclamado, voltava ao futebol brasileiro depois de uma década fazendo história na Europa. O “Bonde do Mengão sem freio”, como era conhecido, tinha conquistado de forma invicta o Campeonato Carioca, antes de cair para o Ceará nas quartas de final da Copa do Brasil. Além do bruxo, o Flamengo de Wanderlei Luxemburgo tinha ainda nomes como Thiago Neves, Deivid, Felipe e Renato Abreu.

Se de um lado Neymar já colecionava grandes atuações pelo Santos, do outro, Ronaldinho ainda estava “devendo” uma atuação de gala aos torcedores rubro-negros. Apesar do título estadual, a equipe de Luxa ainda não tinha alcançado todo o seu potencial. Mas nada como um confronto com o time a ser batido para encorajar e empolgar o camisa 10, como lembra o ex atacante Deivid:

“Aquela partida a gente sabia que era especial até pelo momento do Neymar no Brasil. Do nosso lado, o Ronaldinho pela sua volta ao futebol brasileiro e por tudo que ele representava”.

O tabuleiro estava pronto e as peças começaram a se movimentar às 21h50. Começava então o monólogo de Neymar, que aos cinco minutos já entortava Léo Moura e Luiz Antônio e tocava para Elano. Com dois toques na bola, o camisa 7 deixou Borges cara a cara com Felipe, e o atacante não desperdiçou. Era apenas o primeiro grito de gol que sairia naquela noite.

Dez minutos depois, Ganso deu linda enfiada para Neymar, que, também cara a cara com Felipe, tentou marcar. O goleiro Rubro-Negro defendeu e na sobra, o primeiro toque de gênio da noite: Neymar, caído e de costas, deu simplesmente um passe de bicicleta para Borges, sozinho, empurrar para a rede e fazer seu segundo gol no jogo.

Era um verdadeiro pesadelo para o Flamengo. Até então, somente Ronaldinho tinha finalizado uma vez, enquanto o resto da equipe parecia atônito e sem reação ao que fazia o Santos.

Cinco minutos depois do segundo gol, o primeiro lance que levaria os flamenguistas à loucura, mas não por comemoração. Luiz Antônio cruzou rasteiro pela direita, o goleiro Rafael falhou e a bola sobrou para Deivid, dentro da pequena área. O atacante tocou com a perna esquerda, mas logo em seguida, ao movimentar sua perna de apoio, tocou novamente na bola e ela saiu, para desespero de Luxa e a torcida rubro-negra. Ao lembrar do lance, o camisa 9 disse que foi pego de surpresa:

“O gol que eu perdi, não esperava o Rafael, goleiro do Santos, falhar naquela bola. Quando eu vi ela passando já estava muito em cima, tentei parar a bola com a sola do pé, mas acabou batendo na minha perna e saindo”. Era a primeira participação crucial do atacante no jogo, que ainda tinha muito para acontecer.

Após a chance desperdiçada pelo Flamengo, os deuses do futebol entraram em ação. Em uma mistura de “quem não faz leva” e da genialidade de Neymar, saiu o lance mais bonito de todo o ano de 2011 no futebol: aos 25 minutos, todos os torcedores deveriam sair do estádio e pagar novamente o ingresso, pois o que fez Neymar era digno de aplausos e mais aplausos.

O camisa 11 recebeu de costas para a marcação ainda no meio campo, limpou Willians e Léo Moura, tabelou com Borges e, com um dos dribles mais desconcertantes dos últimos anos, tirou Ronaldo Angelim para ficar frente a frente com Felipe. Com um toque sutil, Neymar fez o terceiro do Santos, explodindo de vez a Vila Belmiro.

Último a tentar parar a genialidade do camisa 11 santista, Felipe disse que era simplesmente impossível ter evitado aquele gol:

“O meu ponto de vista é que os marcadores tentaram de tudo para evitar aquele fantástico lance e naquele momento era quase impossível parar um gênio. Achei que tudo caminhava para uma goleada histórica, até porque o time ainda não tinha dado um chute a gol , nosso time estava de bicicleta e Neymar estava de moto.”

Não havia nem 30 minutos de jogo e o placar já estava em 3 a 0 para o Santos, com um Flamengo atônito, sem qualquer reação.

“O Luxa estava pedindo para não ter pressa para repor a bola. Em um lance fui sair rápido e ele falou: ‘sem pressa c****** já está 3’ (risos)”, lembra Felipe.

Alguma coisa precisava ser feita, e foi aí que entrou em ação o trio experiente do Rubro-Negro, como lembra Deivid:

“Quando tomamos o terceiro gol, chamei o Ronaldinho e falei:  se a gente não jogar, vamos passar vergonha. Chamamos o Thiago Neves e o Renato Abreu e falamos: vamos provisionar assim no campo… foi aonde deu certo”.

Não demorou muito. Na verdade, exatos três minutos depois do Puskas de Neymar, foi a vez de Ronaldinho aparecer para jogar. Depois de nova falha do goleiro Rafael, dessa vez o bruxo não perdoou e diminuiu para o Flamengo.

O jogo então ficou equilibrado, com o Rubro-Negro ficando mais com a bola no pé, algo que não havia acontecido nos primeiros 25 minutos. Esse maior controle deu resultado aos 31 minutos, quando Léo Moura recebeu na direita e cruzou na cabeça de Thiago Neves. O camisa 7 subiu sozinho e cabeceou no chão, como manda o manual, colocando o Flamengo de volta na partida. Cinco gols em 30 minutos de jogo. A última vez que isso aconteceu… Bom, melhor deixarmos isso para lá… 

Porém, a empolgação rubro-negra não durou muito. Pouco tempo após o gol de Thiago Neves, Neymar recebeu na ponta esquerda e engatou a quinta marcha para cima de Willians. O volante nada pôde fazer além de empurrar o atacante dentro da área, cometendo pênalti. A empolgação voltava para o lado santista, enquanto que o desespero se encaminhava para o lado flamenguista.

Na cobrança, Elano. O camisa 8, como lembra Felipe, havia perdido há pouco tempo um pênalti jogando pela Seleção Brasileira, na Copa América. Imaginando que o meia estava com pouca confiança, Felipe ficou no meio do gol e, ao perceber que o que vinha em sua direção era uma cavadinha, defendeu e saiu fazendo embaixadinhas com a bola. Porém, o goleiro jura que o que fez não foi provocação…

“Não foi provocação, eu acho (risos). O que eu imaginei na hora é que quando ele pegou a bola, não estava bem na partida, e há poucos dias ele tinha perdido pênalti na Copa América. Imaginei que ele fosse jogar a bola no meio mais pancada e não cavada”.

Após o pênalti perdido, mais uma mudança na balança de empolgação da partida. Mudança essa que ficou ainda mais nítida após o impensável acontecer: tendo estado três gols atrás no marcador, o Flamengo foi buscar o empate, justamente na cabeça de Deivid, que até então era vilão para a torcida rubro-negra: Ronaldinho cobrou escanteio e, com uma casquinha sutil, o camisa 9 mandou para o fundo da rede.

Relembre o momento do pênalti perdido por Elano, contra o goleiro Felipe – Imagens: TV Globo

Na hora de comemorar, Deivid levantou os braços e se conteve, pela sua história como jogador do Santos.

“Todos os jogos sempre tiveram uma importância muito grande para mim. Claro, pela minha história dentro do Santos acaba sendo um jogo especial. Aquele gol que fiz ele é muito difícil porque você tem que tocar de leve na bola”, explicou Deivid.

Depois do empate, o árbitro finalmente deu por encerrado o primeiro tempo. Se o jogo acabasse ali, certamente ainda seria um dos mais memoráveis da história do Brasileirão. Porém, o que tinha acontecido era só a primeira parte do capítulo mais marcante do confronto entre as duas equipes.

No vestiário do Flamengo, euforia total. Mesmo tendo sofrido três gols, a equipe correu atrás e estava de volta na partida. Deivid lembra bem do clima antes da volta para o segundo tempo:

“Quando voltamos para o intervalo com empate, sentamos no chão e falamos: não perdemos mais o jogo, deixaram a gente chegar”.

Para o segundo tempo, Luxa precisava arrumar um jeito de parar Neymar. Sua solução foi tirar Welinton, já amarelado, e colocar David Braz. E logo com cinco minutos ficou claro que nem David Braz nem ninguém poderia fazer algo com o atacante santista.

Depois de receber grande passe, Neymar chegou na frente do zagueiro rubro-negro e só encobriu Felipe para colocar o Santos de novo em vantagem na Vila: 4 a 3.

Porém, ao invés de continuar atacando e buscando mais gols como fez no início do jogo, o Santos recuou e permitiu que o Flamengo jogasse, o que terminaria como um erro crasso de estratégia.

O jogo continuou, com a equipe de Luxemburgo com mais posse de bola, mas sem conseguir ameaçar. Isso até os 21 minutos, quando começou o monólogo de Ronaldinho Gaúcho.

Apesar de ter feito o primeiro gol do Flamengo, o camisa 10 estava meio apagado no jogo. Contudo, quando recebeu na entrada da área adversária, o bruxo fez o que quis com dois marcadores, antes de ser derrubado.

Na cobrança, R10 colocou à mostra sua marca registrada. Assim como já tinha feito quando atuava pelo Barcelona, Ronaldinho deu um toque sutil por baixo da barreira. Rafael ficou sem qualquer reação, e a bola entrou de mansinho, deixando a partida empatada mais uma vez.

Ao relembrar a cobrança do camisa 10, Deivid disse que não foi por acaso. O atacante afirmou que Ronaldinho treinou durante a semana esse tipo de cobrança. A bola, inclusive, por pouco não pegou no seu pé quando se afastava da barreira, o que teria evitado o gol magnífico do bruxo.

“Aquele gol de falta que o Ronaldinho fez, ele falou a semana toda pra eu cavar uma falta na entrada da área, porque o Edu Dracena e o Durval eram altos e que eles iriam pular e a bola iria por baixo. No treino, ele treinou junto com o goleiro reserva essa jogada, que era o Paulo Victor”.

A essa altura, o desespero que começou do lado rubro-negro já havia passado totalmente para o lado santista. Tendo recuado demais após fazer o quarto gol, o alvinegro não tinha mais força para ir em busca do quinto gol. Cabia agora à equipe de Muricy Ramalho tentar segurar o empate.

Luxemburgo percebeu o cansaço adversário e lançou o time para o ataque, colocando o argentino Bottinelli no lugar de Luiz Antônio. A pressão começou e só foi parar aos 35 minutos, no ato final da genialidade de Ronaldinho Gaúcho.

No contra-ataque puxado por Deivid, Thiago Neves recebeu, esperou o momento certo e rolou para o camisa 10, que só ajeitou o corpo e tirou do goleiro Rafael. Era o quinto e último gol rubro-negro e nono da partida.

A Vila, que nos primeiros 30 minutos foi dominada pelos gritos santistas, terminava a partida sob os cantos da torcida do Flamengo. Ao fim da partida, no entanto, aplausos de ambos os lados. Afinal, os quase 13 mil torcedores que foram ao estádio naquela quarta-feira não poderiam sair de lá com uma reação diferente.

No vestiário rubro-negro, Felipe e Deivid contam um pouco da festa que era celebrada pelos jogadores:

“Depois do jogo, o Ronaldinho falou: ‘Quem é Rei nunca perde a majestade’, porque a gente tava falando antes do jogo que o Neymar tava voando, aí ele brincou com essas palavras”, disse o atacante.

“O clima para grande maioria é que sem dúvidas tinha sido o melhor jogo da vida, um verdadeiro espetáculo”, lembrou Felipe, que disse que a festa continuou na chegada da equipe ao Rio de Janeiro, ainda no aeroporto: “outra coisa que chamou atenção foi a recepção da torcida no aeroporto, parecia que tínhamos sido campeões, aeroporto lotado”.

Um resultado como este, diante de um adversário deste calibre, deveria ter servido de combustível para uma arrancada ao título. Esse é o pensamento de muitos torcedores. Contudo, o Flamengo, de Ronaldinho, Deivid e Felipe, terminaria o Brasileirão apenas em quarto lugar. 

“Nós tínhamos uma equipe muito boa, só que no meio do caminho nos perdemos”, lembra Deivid. Para Felipe, o momento crítico foi a longa sequência sem vitórias, que fez a equipe se distanciar muito dos líderes: “Acho que o pior momento foi quando ficamos 10 jogos sem vencer, aí o Corinthians e Vasco distanciaram. Mesmo assim terminamos entre os quatro”.

Assim terminava um dos capítulos mais memoráveis da história do Campeonato Brasileiro. Ronaldinho não viria a ser campeão de novo com a camisa rubro-negra. Em 2012, ele saiu para o Atlético-MG, onde fez história ao ganhar a Libertadores. Felipe ainda está em atividade, atuando pelo Botafogo-PB. Deivid, por outro lado, pendurou as chuteiras em 2014, pelo Coritiba. Em seguida, retornou ao Flamengo, mas com a função de auxiliar técnico.

Do lado santista, Neymar e cia foram ao Mundial de Clubes enfrentar o Barcelona de Messi. No primeiro encontro entre os dois gênios, deu Messi, em um confortável 4 a 0 para a equipe espanhola. Dois anos depois, os dois se juntaram e fizeram história na Catalunha, ganhando vários títulos, entre eles a Champions League.

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