Especial

Lille: Os projetos e segredos da equipe que derrotou o PSG na Ligue 1

Lille: Campeão francês
Divulgação / Lille

Em uma temporada marcada por campeões atípicos, o Lille superou a hegemonia do Paris Saint-Germain e foi campeão da Ligue 1 na temporada 2020-21.

                 

O Lille foi fundado como resultado de uma fusão entre Olympique Lillois e SC Fives. Ambos os clubes foram membros fundadores da Divisão 1 francesa e Lillois foi o campeão inaugural da liga.

Sob o emblema de Lille, o clube conquistou quatro títulos da liga (em 1946, 1954 e 2011 e 2021) e seis títulos da Coupe de France. O período de maior sucesso de Lille foi a década de 1946 a 1956, quando a equipe foi liderada pelos gerentes George Berry e André Cheuva.

Algumas pessoas mais jovens podem considerar o título da atual temporada uma surpresa inimaginável, mas o caminho do sucesso estava sendo traçado à muito tempo na década passada, através de um trabalho de gestão alinhando os ganhos financeiros com as vendas e a mentalidade competitiva.

Neste especial do Esporte News Mundo, você terá informações sobre o projeto do Lille que levou ao título na atual temporada e o caminho tático explorado pela equipe comandada por Christophe Galtier e liderada por jogadores como José Fonte, Burak Yilmaz, Sven Botman, Benjamin André e Isnard Mandava.

LILLE: DE CLUBE VENCEDOR À CLUBE VENDEDOR APÓS O TÍTULO DE 2011

Eden Hazard nos tempos de Lille (Reprodução/Youtube)

Em uma Liga dominada pelo PSG na última década, o sucesso doméstico do Lille acabou sendo limitado para todas as demais equipes da liga, mas poucos lembram que o Lille começou a década vencendo a Ligue 1 e Coupe de France em 2011, liderada por Eden Hazard e sob comando técnico de Rudi Garcia. Este foi o primeiro troféu importante no clube em 56 anos, desde o último triunfo na liga.

Porém, o caminho de títulos acabou sendo prejudicado quando a filosofia do Lille foi modificada. Ao invés de trabalhar para conquistar títulos, a instituição ficou mais interessada em produzir e desenvolver jovens jogadores e vendê-los a clubes maiores com bons lucros, tendo como objetivo esportivo chegar às competições europeias para atrair maior vitrine aos jogadores.

Os jogadores que deixaram o clube no início de 2010 são nomes reconhecidos do futebol mundial e que fizeram sucesso pela Europa como Hazard, Lucas Digne, Lichtsteiner, Gervinho e Aubameyang (via empréstimo), não permitindo mais que o Lille tivesse condições de lutar pelo título francês.

Apesar disso, o início do projeto acabou sendo bem sucedido. Em 2012, o Lille manteve sua relevância no cenário europeu com outra qualificação para a competição de clubes mais prestigiada da Europa, a Liga dos Campeões em 2012–13. Porém, na temporada seguinte, o clube acabou falhando em seu objetivo e o técnico Rudi Garcia saiu para se juntar à Roma, possibilitando a chegada do ex-técnico do Montpellier, René Girard.

DECAÍDA DO LILLE QUASE RESULTOU EM REBAIXAMENTO

Após dois anos no comando do clube, Girard deixou o cargo de técnico por mútuo consentimento, sendo acompanhado pelos assistentes Gerard Bernadet e Nicolas Girard na saída. Em maio de 2015, o técnico da seleção da Costa do Marfim, Hervé Renard, foi nomeado o novo técnico. Em 11 de novembro de 2015, Renard foi rescindido como gerente e foi substituído por Frederic Antonetti.

Depois que o Lille conseguiu ficar na metade superior da tabela da liga pelos primeiros 5 anos da década, na temporada 2016-17 sob o comando de Frederic Antonetti, o Lille caiu para o fundo da tabela, o que levou à demissão de Antonetti no meio da temporada. Sob o comando do técnico interino Patrick Collet, a equipe conseguiu evitar o rebaixamento e terminou em 11º lugar.

Na temporada seguinte, Marcelo Bielsa foi nomeado o novo técnico e, ao chegar, transformou totalmente a equipe, rescindindo contratos com muitos dos veteranos, incluindo Rio Mavuba, Eder e Vincent Enyeama. A ideia de Bielsa era substituir esses jogadores por talentos mais jovens, como Pepe e Kevin Malcuit.

Esta decisão, no entanto, gerou polêmica e os resultados não foram agradáveis, pois o Lille tinha um grande problema de marcação de gols. Com a equipe lutando contra o rebaixamento, Bielsa também acabou tendo seu trabalho interrompido e foi demitido em dezembro de 2017, vendo Christophe Galtier assumir em seu lugar.

CRHISTOPHE GALTIER E O COMEÇO DA RETOMADA

Divulgação/Lille

2017-18 foi decisivo para o futuro do Lille, e o técnico Christophe Gaiter chegou no momento certo para evitar o rebaixamento na última rodada ao vencer o Toulouse por 3 a 2 nos segundos finais da temporada. Esta vitória heroica credenciou o técnico para continuar na temporada seguinte, e a partir de então, tudo mudou.

Com a permanência do técnico, o Lille conseguiu atuações totalmente opostas ao futebol de Bielsa, com muito mais agressividade. Nicolas Pepe, uma jovem estrela que surgia para o futebol mundial antes de aparecer no Arsenal para jogar a Premier League, dominou o ataque junto com os recém-contratados Bamba e Ikone, resultando no melhor resultado obtido na liga francesa desde 2011 com o vice-campeonato, ficando em apenas atrás do PSG, que foi vencido pelo Lille por 5 a 1 no segundo turno.

O desempenho destacado dos jovens jogadores dos clubes, Pepe, El Ghazi, Thiago Mendes e Rafael Leão, levou-os a serem vendidos por mais de €150 milhões (mais de R$950 milhões), gerando um enorme lucro para o clube.

O Lille usou uma parte considerável do dinheiro adquirido com essas transferências para trazer outro conjunto de jovens promissores, incluindo Renato Sanches e Victor Osimhen. O último dos dois foi vendido ao Napoli por €60 milhões, tornando-se o recorde de transferência da história do clube italiano.

LUIS CAMPOS: O DIRETOR BEM SUCEDIDO QUE CONSEGUE VENDER BEM SEUS JOGADORES

A metodologia de scouting de Luís Campos e as atuais joias do Lille -  Footure - Futebol e Cultura
Divulgação/Lille

Todo esse planejamento que acabou sendo bem sucedido foi promovido por Luis Campos, diretor de futebol do Lille, por ter conseguido manter a equipe competitiva na liga francesa, ao mesmo tempo, lucrar com as transferências para os maiores clubes da Europa.

O nome de Luis Campos não é segredo, ele deixou o Mônaco no momento em que as maiores estelas do clube responsável por rivalizar com o PSG foram vendidos e não houveram peças de reposição na temporada 2019-20, transformando um possível candidato ao título à candidato ao rebaixamento.

Felizmente para o PSG, a saída de Pepe não foi muito sentida. Nove de seus gols vieram de pênalti e ele teve um desempenho praticamente nivelado com o número de gols esperados sem penalidade. Basicamente, o que Campo fez foi conseguir que um clube da Premier League (Arsenal) pagasse uma taxa incrivelmente alta por um jogador de 13 gols, 10 assistências em mais de 3.000 minutos em uma liga que é apontada como apenas a quinta melhor do mundo

Algo semelhante aconteceu com o jovem Rafael Leão. Mudando-se para Lille por transferência gratuita depois de praticamente não jogar no Sporting-POR quando adolescente, Leão jogou 1300 minutos na liga francesa, superou seus “gols esperados” por três e, um ano depois, foi vendido ao Milan por £23 milhões (mais de R$170 milhões).

Em uma era clubes multimilionários no mundo do futebol, o Lille busca imitar times como o Sevilla na Espanha, o RB Leipzig na Alemanha ou o Ajax na Holanda como clubes que desenvolvem seus melhores jogadores para que sejam vendidos por um preço significativo aos clubes da elite.

Esta autoconsciência como organização, aliada ao brilhantismo de Luis Campos, demonstrou ser otimista desde a temporada 2018-19 e acabou sendo consolidada com o título da Ligue 1 em 2020-21.

O ELENCO VITORIOSO

NOMEPOSIDADEALTPNACJSUBGA
Orestis KarnezisG351.88m78kgGrécia0
Mike MaignanG251.91m87kgFrança37
Lucas ChevalierG191.88m78kgFrança0
José BicaA17Portugal0000
Aguibou CamaraA201.68 mGuinea
Jonathan BambaA251.75 m72 kgFrança37369
Jonathan DavidA211.78 mCanadá368122
Luiz AraújoA241.75 m68 kgBrasil271042
Burak YilmazA351.88 m77 kgTurquia275155
Isaac LihadjiA191.75 mFrança151401
Timothy WeahA211.83 m66 kgEstados Unidos282130
Rocco AsconeM17França0000
Mustafa KapiM18Turquia
XekaM261.85 m78 kgPortugal322112
Jonathan IkonéM231.75 m67 kgFrança361045
Yusuf YaziciM241.83 m73 kgTurquia312275
Eugenio PizzutoM191.78 m68 kgMéxico0000
Renato SanchesM231.75 m68 kgPortugal22912
Benjamin AndréM301.8 m76 kgFrança34001
Boubakary SoumareM221.88 m68 kgFrança311101
Ismail BouleghchaD18França0000
Nassim InnocenD19França0000
Zeki ÇelikD241.8 m78 kgTurquia28132
Tiago DjalóD211.91 mPortugal16900
Sven BotmanD211.93 m81 kgHolanda36000
José FontD371.88 m81 kgPortugal36030
Jérémy PiedD321.73 m68 kgFrança6200
Reinildo MandavaD271.8 m73 kgMozambique28500
Domagoj BradaricD211.78 m68 kgCroácia261212

OS NÚMEROS DA CONQUISTA

Gols por jogo1.7
Conversão de gols17%
Pênaltis convertidos5/5
Gols de falta2/22
Gols dentro da área50/268
Gols fora da área12/218
Gols com pé esquerdo22
Gols com pé direito36
Gols de cabeça4
Grandes chances/jogo1.7
Grandes chances perdidas/jogo0.8
Finalizações/jogo9.7
Chutes no alvo/jogo4.8
Chutes para fora/jogo4.9
Escanteios4.8
Gols gerados em contra-ataque21
Posse de bola/média53.9%
Passes certos/jogo443 (83.5%)
Aproveitamento campo de defesa91.0%
Aproveitamento campo de ataque74.5%
Clean sheets21
Gols concedidos/jogo0.6
Faltas/jogo12.8
Números: SofaScore

O CAMINHO DO GOL: LILLE SOB OLHAR TÁTICO

O Lille iniciou a temporada com diversos desfalques de jogadores que assinaram com diversos clubes europeus como os já citados Pepé, Osimhen, Rafael Leão, Gabriel Paulista, Thiago Mendes, Bissouma, dentre outros. Porém, houve uma precisão de Luis Campos para trazer nomes altamente qualificados e promissores.

Renato Sanches, Benjamin Andre, Yusuf Yazici, Jonathan David, Burak Yilmaz, Domagoj Bradaric, Timothy Weah, Sven Botman, Jose Fonte, Jonathan Bamba, Jonathan Ikone e Zeki Celik serviram como base para a construção de um Lille renovado e ainda mais forte, suficiente para conquistar o título francês.

Embora muitos pensassem que estes jogadores manteriam o ímpeto competitivo do Lille, poucos previram que a equipe tiraria a liderança do PSG na reta final do campeonato até chegar à glória. Sob a orientação taticamente meticulosa de Galtier, o Lille foi um dos times mais difíceis de enfrentar devido à sua ameaça ofensiva multifacetada e solidez na defesa.

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Exemplo de pressão para cima do Dijon (Fonte: Wyscout)

A saída defensiva é uma das marcas principais, pois foram extremamente bem organizados e treinados para permanecer compactos horizontalmente e verticalmente para sufocar os oponentes. Fazendo um bom trabalho de restringir os adversários e limitar a quantidade de chances de qualidade que eles enfrentam, a aptidão do Lille a esse respeito é destacada pelo fato de possuir o melhor histórico defensivo da Ligue 1 (sofreu apenas 16 gols em 26 jogos).

Habitualmente defendendo em uma forma de base 4-4-2 que muitas vezes pode se assemelhar a um 4-2-2-2, a equipe foi eficiente em pressionar mais profundamente em um bloco compacto médio ou profundo. Permanecendo disciplinados, coordenados em sua mecânica e concentrados, os jogadores souberam exatamente quando dar um passo para fora, mudar, recuar ou manter a posição dependendo da situação, criando o repertório necessário.

Em situações de pressão em bloco alto no campo ofensivo, foi impressionante como o Lille se armou para combater seus adversários. Com a oposição desfrutando regularmente de uma superioridade numérica de 3v2 contra sua primeira linha de pressão, eles lidaram com tais situações sem problemas.

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Lille fecha as faixas de ultrapassagem na lateral (WhyScout)

Assim que o goleiro aciona para o zagueiro, o atacante próximo à bola normalmente pressiona em um ângulo, na esperança de usar sua sombra para bloquear a pista de passe para o meio-campista atrás dele e impedir o portador da bola de passar de volta para o goleiro.

O atacante mais distante da bola geralmente passa para o meio-campista ou zagueiro central (se for um zagueiro), com a ideia de guiar seus adversários para longe, onde eles podem usar a linha lateral como um defensor extra.

O ponta que está perto da bola geralmente fica de fora do zagueiro próximo, antes de pressionar assim que o passe for atingido em sua direção. Os jogadores também adaptavam a pressão na esperança de bloquear as vias centrais para minimizar as opções do adversário.

Quando confortável em seu meio-campo, o Lille controla áreas centrais perigosas de forma eficaz, com seu espaçamento e ajustes frequentes que lhes permitem bloquear faixas de passagem e minimizar o espaço entre suas linhas. Desta forma, não há problema jogar sem a bola pois a forma defensiva bem executada consegue manter a equipe competitiva dentro do jogo.

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Momento em que o Lille explorou o espaço entre as linhas para continuar a ação ofensiva (WhyScout)

Extremamente sólido, o ótimo Maignan no gol foi habilmente apoiado pela brilhante parceria central defensiva de Botman e a experiência de Fonte, que formaram uma dupla formidável. Eles também sempre estiveram com boas referências nas áreas laterais, já que Celik é o lateral direito titular, enquanto Bradaric e Reinildo dividem as funções de lateral-esquerdo.

Enquanto isso nas fases ofensivas, o Lille foi igualmente eficaz com Galtier tendo bastante profundidade nos ataques que lhe dão uma infinidade de combinações diferentes para escolher dependendo da oposição e assim eles podem girar para lidar com seus demandas domésticas e da Liga Europa. São nomes como David, Bamba, Ikone, Yazici, Yilmaz, Luiz Araujo e Weah para escolher, garantindo uma incrível variação.

A formação padrão utilizado na temporada foi o 4-4-2, mas foram diversas variações dentro das fases ofensivas que transformavam a equipe em 4-2-4, 4-2-3-1, 4-2-2 e até mesmo um 4-2-2-2-, criando uma plataforma segura onde a equipe conseguia se adaptar ofensivamente de acordo com as ações adversárias.

Com os alas instruídos a desviar para dentro do campo para operar nos espaços pelo meio, isso não só abre grandes espaços para os zagueiros entrarem, mas também significa que eles podem se combinar de forma complexa com seus companheiros de ataque para destravar rapidamente a retaguarda adversária.

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O contra-ataque do Lille em situação 3v2 (WhyScout)

Desfrutando de uma forte presença entre as linhas, os atacantes mais técnicos tiveram vantagem, pois eles se sentem confortáveis ​​em receber sob pressão de costas para o gol.

Quando a bola passa em jogada bem trabalhada nos pés, os zagueiros dão amplitude aos seus planos, enquanto os meio-campistas e laterais recuados oferecem opções cruciais para contornar a pressão com objetivo de atrair seus adversários e construir a jogada.

Quando um meia central larga a bola, o outro meia frequentemente será posicionado em uma linha diferente ou será empurrado para outra linha buscando dar-lhes outra saída para mover-se através dos terços do campo. Em situações em que um meio-campista faz uma verificação profunda, o Lille acaba jogando no 3-1-4-2 se desenvolve, o que dá a eles uma rápida circulação na linha de defesa permitindo que os zagueiros façam passes longos, atraindo os marcadores.

Outra alternativa apresentada na temporada foi o 3-2-4-1 com a mesma estratégia, mantendo o pivô duplo e atacando nesta formação quando um zagueiro se afasta para formar uma linha de três zagueiros na primeira linha.

E O FUTURO DO LILLE?

Apesar de ter implementado o projeto que levou o Lille ao título francês, Luis Campos acabou se desligando do clube durante a temporada. Além disso, o empresário proprietário Geard Lopez, sob pressão financeira provocada pelo auge do coronavírus e a interrupção da temporada 2020-21, vendeu o clube para uma subsidiária do fundo Merlyn Partners.

O Lille está sob a direção de Olivier Letang, ex-diretor esportivo do PSG. Entretanto, a saída dos homens de confiança provavelmente farão com que Galtier acabe deixando a equipe na intertemporada, levando à saída de diversos jogadores chave.

Como certezas temos confirmadas até aqui as saídas dos o goleiro Mike Maigman e o meia Boubakary Soumare. Considerando os impactos da pandemia, é provável que novos investimentos não estejam sendo muito cogitados pela atual diretoria.

Por isso, a festa que os torcedores do Lille fizeram nas ruas logo após o título da temporada 2020-21 da Ligue 1 ser confirmado pode acabar demorando anos para ser repetida. Neste momento, o recomendado é que o torcedor curta esse momento, chore muito de emoção e fique orgulhoso, sem pensar na próxima temporada.

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