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O que é jogo de posição, filosofia de jogo de Domènec Torrent que tem causado polêmica no Brasil?

A chegada de Domènec Torrent ao Flamengo levantou o debate sobre o jogo posicional no Brasil

Não é novidade e já foi até tendência no mundo do futebol, mas o jogo de posição nunca foi tão debatido no Brasil como atualmente. Desde a chegada de Domènec Torrent, discípulo de Guardiola, ao Flamengo, esse conceito passou a estar no centro dos debates e tem gerado polêmica em programas e transmissões esportivas. Mas, afinal, o que isso significa?  O Esporte News Mundo consultou o analista tático Bruno Pet para explicar como funciona o modelo de jogo aplicado pelo técnico espanhol no Rubro-Negro. 


ENM: O que é, resumidamente, o jogo de posição?

Bruno Pet:  O jogo de posição é uma filosofia, na verdade, não só um esquema ou algo do tipo. É um conceito antigo que vem do Rinus Michels, do futebol holandês, e passa para o Cruyff, que passa para o Guardiola e chega ao Domènec. De maneira geral, o jogo de posição trabalha com o espaço, como você lida com os espaços e os preenche dentro do campo. Você tem que ocupar esses espaços de forma racional e organizada, então é como se o seu time funcionasse com uma engrenagem. Nenhum jogador do time é mais importante do que a engrenagem como um todo. Por isso que tem essas subdivisões em espaços, zonas que têm que ser preenchidas pelos jogadores para o time funcionar como um organismo só, não com individualidades e cada um fazendo o que quiser dentro do campo. É uma questão de ocupar os espaços corretos, na hora certa e saber as movimentações necessários. De forma geral, é isso, mas nos detalhes é bem mais complexo. 

Qual é o objetivo?

— O objetivo, de forma bem simplificada, é ser ofensivo, ocupar os espaços do campo de forma organizada,  ir progredindo no campo e quebrando o sistema defensivo adversário momento a momento. Digamos que você está na saída de bola e seu adversário tenta fazer uma pressão alta, então você primeiro quebra essa pressão e chega até o meio de campo. Chegando no meio de campo, você vai ter outra série de mecanismos para poder chegar até a zona de ataque. Na zona de ataque, você vai ter outros mecanismos para chegar até o texto final ou até dentro da área. Depois, outros mecanismos para poder conseguir finalizar a gol. Então você vai criando superioridades nesses fases. A superioridade pode ser numérica, qualitativa. sócio afetiva e de vários outros tipos. Você vai conseguindo quebrar o sistema defensivo adversário, a marcação, e progredindo no campo até chegar no gol de forma organizada como um time, como um organismo.

Qual é a maior vantagem do jogo posicional?

— A primeira vantagem que me vem à cabeça é que seu time deixa de depender de individualidades.  É claro que jogo posicional, por exemplo, foi aplicado no Barcelona do Guardiola, e lá o Messi é ele uma individualidade, uma genialidade que nenhum jogador do mundo tem.  Isso faz diferença, claro. Mas quando você tem o jogo de posição bem assimilado pelos jogadores do elenco, teoricamente, você necessita menos das individualidades e das habilidades individuais para conseguir que o seu time ataque, seja ofensivo, tenha posso e consiga ser dominante dentro de uma partida. O jogador vai saber as movimentações que tem que fazer, que os companheiros vão fazer, para onde a bola tem que ir  e como ela vai chegar em cada lugar e onde ele precisa estar quando a bola estiver em determinado lugar do campo. Então, quando o elenco assimila de todas essas ideias, é uma vantagem porque você pode trocar as peças sem perder tanto no conjunto. 

E a desvantagem? 

— A desvantagem é que leva mais tempo para implementar.  Não vai ser quatro, cinco, seis meses. Talvez não vai ser em uma ou duas temporadas que você vai conseguir implementar na raiz do time toda a ideia do jogo posicional. No Barcelona, por exemplo, isso é uma ideia que funciona desde a base. Desde que o moleque entra lá com sete, oito anos, ele aprende a filosofia de jogo, essa metodologia. E quando chega no profissional, ele já tem mais de cinco mil horas de treinamento, treinando todos os dias aquela mesma filosofia, mesma ideia de jogo. Então não vai ser o cara chegando aqui com dois, três meses, que vai conseguir aplicar para todos os jogadores que já são profissionais já têm os seus vícios e suas formas de pensar. É algo que leva tempo, então isso pode ser uma desvantagem para quem pretende implementar isso dentro do seu clube.

Muitos têm criticado o jogo de posição por, supostamente, manter os jogadores estáticos em campo. Essa crítica tem fundamento?

— Não. Isso é uma absoluta loucura coletiva que estão espalhando para emburrecer as pessoas. O jogo de posição não tem nada a ver com ficar estático. Não é porque existem zonas determinadas no campo para preencher que você não pode se movimentar. Você pode e deve se movimentar, a questão é que não pode ir para qualquer lugar do campo, da forma que quiser.  Mas, dentro da zona determinada, você pode e deve se movimentar. O jogo de posição depende de movimentações para gerar espaços para um outro companheiro ocupar ou para receber a bola em superioridade. Achar que o jogo posicional é para o jogador ficar parado é uma loucura. O próprio Domènec explicou uma vez, no Bayern de Munique, que eles tinham Ribery, Alaba e o Thiago. O Ribery era ponta, Alaba lateral e o Thiago, meio-campista, mas eles podiam mudar de posicionamento. A questão é: existem zonas que têm que ser ocupadas, mas não importa quem vai ocupar elas. Os jogadores podem inverter.

Qual é a principal diferença desse modelo de jogo para o que Jorge Jesus aplicava no Flamengo?

— Podemos falar que a diferença é a referência. Com Jorge Jesus, o estilo de jogo era mais funcional, ou seja, a referência dos jogadores era sempre a bola. Se a bola estava na esquerda, você via o Arrascaeta estava lá, Bruno Henrique se aproximando, o Everton Ribeiro, que era meia direita, ia para o meio se aproximava para tabelar.  A referência dos jogadores para se mover era a bola e o time ia se agrupando próximo a ela. Isso quer dizer que os jogadores podiam se mover para qualquer lugar? Não. Arrascaeta e Everton Ribeiro, por exemplo, dificilmente trocavam de lado. Se aproximavam, mas não invertiam.  Com o jogo de posição do Domènec, a referência passa a ser o espaço. A amplitude tem que ser mais bem definida, com jogadores bem aberto. Mesmo que a bola esteja na esquerda, alguém tem que fazer a amplitude do lado direito, porque o objetivo é esgarçar a linha defensiva do adversário e gerar espaços para quem está mais perto da bola usar.  Com Jorge Jesus, a referência era a bola. Com Domènec, os espaços passam a ser referência.

Quem são os principais treinadores que praticam o jogo de posição? 

— Guardiola é o mais famoso de todos, um dos maiores treinadores do mundo atualmente. Tem o Louis Van Gaal, que foi treinador do Barcelona, do Manchester United, do Ajax… Tem o Quique Setién, que treinou o Barcelona e Bétis, e o Domènec, obviamente, no Flamengo. Há também alguns treinadores que praticam alguns conceitos jogo de posição, que chamamos de ataque posicional. Não é o jogo de posição na sua essência, mas eles fazem um ataque posicional. Aí podemos incluir o Jorge Sampaoli, do Atlético Mineiro,  De Zerbi, do Sassuolo, e outros treinadores do mundo que utilizam esse tipo de posicionamento.

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