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‘Se Neymar postasse um livro toda semana no Instagram, talvez tivéssemos mais leitores’, diz ídolo do basquete corinthiano

Foto: Divulgação/Corinthians

Gustavo Lima, o Gustavinho, é jogador de basquete – mesmo que agora, amador-, admirador do Dr. Sócrates, um apaixonado por livros e um militante social. Nascido na capital paulista, Gustavinho começou sua trajetória com a bola laranja no EC Pinheiros, passou pelo Mogi das Cruzes e encerrou sua carreira em seu time do coração, o Corinthians, onde hoje é supervisor das categorias de base.

Foto: Divulgação/Corinthians

Conhecido pelas suas posições políticas, o ex-armador fez história por onde passou, sempre com uma grande presença nos vestiários.Gustavinho chegou ao Corinthians em 2018 para a disputa da Liga Ouro – campeonato que dava até 2019 dava acesso ao NBB. No Parque São Jorge, não fugiu à regra.

O ídolo do Timão ficou em evidência pelo uso da camisa com os escritos “Quem matou Marielle?” durante a cerimônia do título da Liga Ouro 2018.

Foto: Divulgação/Corinthians

Em entrevista exclusiva, o Portal ENM conversou com Gustavinho sobre sua passagem pelo Corinthians, Democracia Corinthiana, a atual situação do basquete no Timão e sobre os protestos que afloram no Brasil e nos EUA.

Gustavinho foi um atleta de personalidade forte. Questionado sobre a falta de posicionamentos entre os atletas no Brasil, principalmente os jogadores de futebol, o ex-armador não teve dúvidas:

– Se o Neymar postasse um livro toda semana no Instagram, talvez tivéssemos mais leitores no Brasil.

Gustavinho não esconde sua admiração pela história do Corinthians. Desde que iniciou sua trajetória no Alvinegro, o ex-atleta sempre fez questão de participar de eventos relacionados à Democracia Corinthiana.

O modelo da Democracia Corinthiana com Sócrates, Casagrande, Wladimir e Adilson Monteiro Alves é um modelo para servir de exemplo para uma nação – disse.

Além das quadras, Gustavinho aderiu ao Movimento do Esporte pela Democracia, segundo o ex-jogador, “o primeiro ponto é ser uma organização antirracista que nesse momento é importantíssimo”. O ‘Esporte Pela Democracia’ foi criado em meio a protestos no Brasil para reforçar a necessidade da defesa da democracia.

É uma organização a favor do Direitos Humanos, contra a homofobia e a favor da demarcação de terras indígenas – completou.

Confira a entrevista completa:

Portal ENM: Como foi sua vinda para o Corinthians?

Gustavo Lima:Estava passando por um momento muito difícil na minha vida. Estava no Basquete Cearense, mas queria voltar para São Paulo, para ficar com minha mãe que estava com câncer. Ela sempre foi a maior incentivadora da minha carreira, me acompanhou em quase todos jogos, ginásios. Procurei alguns times aqui em São Paulo e acabou não acontecendo. Voltei, fiquei dois ou três meses sem time e minha mãe acabou falecendo. Depois de duas semanas, queria voltar a jogar e coincidiu de o Corinthians remontar a equipe de basquete e fui o primeiro jogador a ser chamado. Apesar de ter recebido propostas de outros times, com melhores propostas, optei pelo projeto do Corinthians.

ENM: O que isso representou para você como jogador, mas também como torcedor?

GL:Vestir a camisa do Corinthians foi como um sonho de criança. Sou corinthiano de coração e ver a torcida alvinegra gritando meu nome foi um gosto especial. Ter encerrado a carreira no Corinthians foi como encerrar com chave de ouro.

ENM: Como avalia sua passagem pelo Corinthians?

GL:Minha passagem pelo Corinthians foi muito feliz, emblemática. Fui capitão da equipe, agradeço muito isso ao Bruno Savignani [treinador do Corinthians na época], que me deu a chave do time na mão. Acredito que ele montou um time com a cara do Corinthians, com muita garra. E com isso conseguimos, além de vencer a Liga Ouro, colocar o Corinthians no cenário do NBB. E considero essa passagem ainda sendo escrita, agora fora das quadras, como supervisor.

Portal ENM: Como está o trabalho com a base com o departamento de basquete paralisado?

GL:O Brasil e todo mundo vem sofrendo cortes significativos devido a pandemia. O Corinthians vem passando por um momento delicado. As categorias de base também sofreram e estão paralisadas. Mas fico feliz que com as conversas que venho tendo o Corinthians quer encarar a base como uma perspectiva de futuro, de formação de jogadores. Tenho certeza que após a pandemia vamos voltar firme. Nesse tempo parado temos feitos várias atividades com os jogadores, com vídeos para estimular a capacidade cognitiva, mas também física.

Portal ENM: Qual o impacto na base do Corinthians com a suspensão do basquete principal?

GL: O interrompimento da equipe principal é doloroso. O Corinthians ficou 22 anos sem time, voltamos, ganhamos a Liga Ouro e em menos de dois anos disputamos duas finais, o Paulista e o Sul-Americano. Esse interrompimento dói, mas a manutenção da base mostra que o Corinthians pode voltar firme, inclusive, utilizando mais a base.”

Em um momento que ninguém tinha direito ao voto e a opinião, onde pessoas eram torturadas e presas, o Corinthians criou um modelo totalmente inverso a esse sistema

Foto: Divulgação/Corinthians

Portal ENM: De onde vem a admiração com a Democracia Corinthiana?

GL:Eu acho que tanto como atleta, como cidadão, devemos levar em conta a história, para aprendermos através delas e referenciar as pessoas que trilharam os caminhos e lutaram pelos direitos e para não cometemos os mesmos erros. Uma pessoa que é realmente marcante, é o Dr. Sócrates, dentro do Corinthians, mas também para a sociedade. Foi incisivo em um momento de total repressão pela ditadura militar, em um momento que ninguém tinha direito ao voto e a opinião, onde pessoas eram torturadas e presas, o Corinthians criou um modelo totalmente inverso a esse sistema desses valores. Um modelo baseado nas opiniões, nos votos, onde todo mundo tinha o mesmo peso. Não vivi a Democracia Corinthiana, mas sempre quis levar comigo essa veia questionadora. Por todas equipes que passei tentei levar esse espírito de coletividade, por pregar o altruísmo e a solidariedade.

Portal ENM: Como aplicou os ensinamentos da Democracia Corinthiana nos times onde passou e foi capitão, como o Corinthians, e como faz isso agora sendo supervisor das categorias de base do basquete?

GL:Todo mundo é ser humano e quer a mesmas coisas. Quer ser bem tratado, que as pessoas prestem atenção na gente e que tenhamos os mesmos direitos. Nunca acreditei nessa racha entre jogadores e comissão técnica, comissão e diretoria… acredito que é uma coisa só, um objetivo em comum. Em todos times que passei, tentei criar diálogo, aproximar as partes. Nunca tive problema como jogador, também não tenho agora como supervisor. Sempre tentei brigar para que todos tivessem direitos iguais.”

Portal ENM: Você citou a “veia questionadora”. Qual foi a primeira manifestação dela no Gustavinho atleta?

GL: Minha primeira briga foi no Pinheiros, com 18 anos. Chegou um diretor novo e queria cortar os salários nas férias, em janeiro. Dialoguei que estávamos contando com o dinheiro, mas mesmo assim continuamos com a negativa. Depois disso, recolhi assinatura de todos os atletas do clube e todos assinaram. A medida foi revogada e recebemos um salarinho nas férias, pra ir ao cineminha [rs]. Depois disso não parei mais, sempre tentei dialogar entre os atletas, treinadores, criar laços e saber que a mudança é uma virtude.

“Esse papo que esporte e política não devem se misturar é uma grande bobagem.”

Portal ENM: Política e esporte se misturam? Qual a representatividade de ser um atleta com posicionamento político?

GL: Esse papo que esporte e política não devem se misturar é uma grande bobagem.Tudo que fazemos na nossa vida é político, desde a maneira como se comportamos dentro de casa, com maneira como nos relacionamos, expressamos e debatemos. O esporte é político, é um agente de transformação social. No momento que fazemos parte dele e nos transformamos em formadores de opinião, temos que ter consciência social e que nossos atos e falas vão influenciar muitas pessoas. Vemos muito isso na NBA, nos EUA, que os atletas são muito ativos, porque estão atentos ao seu redor e sabem que podem influenciar muitas pessoas. É um pensamento coletivo, para beneficiar a sociedade.

Portal ENM: Inclusive os atletas vem sendo cobrados pela própria sociedade para se posicionem…

GL: Os protestos recentes demostram isso. Total união dos atletas e senso de responsabilidade social. Aqui no Brasil vem crescendo um pouco, mas especialmente, na NBA, como o Lebron James, que tem uma escola e devolve muito do que ele conquistou para a sociedade, deveria servir como exemplo. O atleta é agente da mudança.

Foto: Divulgação/Corinthians

Portal ENM: Porque no Brasil os atletas não se posicionam politicamente?

GL:Aqui no Brasil muitas pessoas carecem do posicionamento, primeiro por falta de informação, mas ficam reféns dos empregadores por ter opiniões diferentes. Se tivéssemos os principais jogadores do Brasil falando sobre política, sobre cultura, sobre ausência de políticas governamentais para com os menos favorecidos, isso poderia gerar uma onda de questionamentos, legitimariam os demais a falar sobre isso. Se o Neymar postasse um livro toda semana no Instagram, talvez tivéssemos mais leitores no Brasil.

Portal ENM: O que achou da participação das organizadas em atos antifascistas e pró-democracia nos últimos dias?

GL:Tem um histórico de manifestação de organizadas no mundo. Em muita delas surtiram efeito em questionar a truculência dos Estados e até da polícia. São manifestos corajosos, bem organizados e importantíssimos. Muitas vezes tem pessoas infiltradas que acabam deturpando e acabam manchando essas organizações, mas esses movimentos são importantes para a sociedade.”

Portal ENM: Nas redes sociais você aderiu o Movimento do Esporte pela Democracia? Como foi sua entrada? Qual a perspectiva que a organização busca no atual momento político do Brasil?

GL:Recebi esse convite para entrar no Esporte pela Democracia através do Casagrande e fiquei extremamente emocionado. Tem pessoas realmente representativas, como o Raí, Fabi [“do Vôlei”], Joanna Maranhão, André Rizek… a lista vem aumentando com mais jornalistas, cineastas e músicos. Estou orgulhoso de fazer parte e acho importante essa frente de manifestação, um movimento solidário, sem líderes. Acredito que com pessoas com essa grandeza falando, isso pode ganhar força e ser uma ferramenta de mudança com o governo atual e que gere coragem em mais pessoas de se manifestar.

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