Fortaleza
Análise: Reforços, confiança e gestão de crise; O que mudou no Fortaleza de Vojvoda entre a lanterna e a libertadores
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O Fortaleza, pelo segundo ano consecutivo, teve uma das histórias mais memoráveis do futebol brasileiro na temporada. Já tendo conquistado a vaga para a Libertadores na temporada anterior, o Leão do Pici encontrou um cenário de maior complicação no primeiro turno da competição deste ano, onde esteve, quase que de forma integral, na lanterna, na última posição da tabela. Porém, em uma das maiores reviravoltas na era dos pontos corridos, o Fortaleza não só escapou da zona de rebaixamento (algo nunca feito por uma equipe que terminou o primeiro turno na lanterna), como ainda conquistou uma vaga na pré-Libertadores.
O segundo turno histórico do Fortaleza não ocorreu por acaso, diversos fatores mudaram na equipe entre as duas etapas do campeonato, desde o esquema tático até a chegada de contratações pontuais. Os pontos estarão elencados abaixo, mas podem haver também fatores internos como liderança e mudança de postura da própria equipe. Como é de conhecimento de todos, Vojvoda foi mantido no cargo mesmo na fase ruim, logo, a diretoria leonina teve enorme felicidade em suas decisões.
O Fortaleza iniciou o campeonato e teve seu elenco montado desde o início do ano para manter a 3-5-2 (3-4-1-2), formação que ficou tão famosa e foi marcante na temporada de 2021. Porém, com saídas, lesões e desgaste de alguns jogadores, a tática foi ainda mais exigida e deixava a desejar em alguns momentos, posto também que os pilares da formação, no ano anterior, eram os volantes Ederson (hoje na Atalanta) e Felipe (Ainda jogador do Fortaleza, mas acabou perdendo espaço), que acabaram sendo substituídos por duplas que circulavam entre os atletas Zé Welison, Hércules, Jussa e Ronald.
As características mudaram e, por mais que o Fortaleza tenha conseguido fazer bons jogos quando a dupla formada era composta por Zé Welison e Hércules, o padrão e estilo não era o mesmo, e as opções defensivas contratadas no início do ano também não conseguiram performar o esperado.
Mesmo durante a má fase, era complicado mudar o esquema por conta das peças presentes no elenco e por ainda contar com Yago Pikachu, que até então era o craque e artilheiro do Fortaleza, que dependia da formação para demonstrar seu potencial máximo, atuando na ala. Com a saída do ex-camisa 22, o Leão já não possuía mais motivos para manter o esquema, já que não potencializava seus principais jogadores.
Ao final do trágico primeiro turno, para ser mais exato, ainda nas partidas finais do primeiro certame, o treinador tricolor implementou uma 4-4-2 com variações para 4-3-3 que geraram bons resultados ao decorrer da etapa final da competição.
Recuperação da posse de bola: Em sua formatação anterior, o Fortaleza buscava roubar a bola ainda no ataque, utilizando da pressão sobre os zagueiros. Porém, é também muito importante deixar que o adversário não o faça. Quanto mais depressa a recuperação da bola for feita, menos tempo terá o adversário para tentar chegar à baliza defendida pela equipe, é um fato, mas após a mudança, o Fortaleza conseguiu enxergar melhor os melhores momentos de pressão e quando deve se reestruturar defensivamente para receber o ataque adversário em seu campo.
Defesa da meta: a meta é o espaço mais importante do campo. Enquanto o adversário tem a posse, qualquer equipe deve ter o caminho para a própria meta sempre fechado para que não sofra gols. Com o meio campo mais compacto e a chegada dos reforços (que serão pautados no próximo tópico), o Fortaleza tem sofrido menos ataques perigosos, por fechar muito bem os principais pontos de perigo em sua defesa.
Encaixes setorizados: Encaixes setorizados representam o estilo de marcação mista, que atua por zona (posição defensiva) e encaixes individuais (marcações focadas em um atleta). No caso do Fortaleza, a marcação por zona se estabelece nas duas linhas mais avançadas, que buscam fechar os setores mais perigosos que o adversário pode acessar; Os encaixes individuais ocorrem, principalmente, por parte dos laterais, por mais que os mesmos contem, hoje, com uma ótima cobertura dos volantes, em especial do recém-contratado Lucas Sasha.
RETORNO DE FERNANDO MIGUEL
O Fortaleza foi a equipe que mais alterou o goleiro titular entre um jogo e outro levando em consideração todas as equipes dos campeonatos (primeira divisão) da América Latina. Problema este que ronda o Fortaleza desde a temporada passada. Nesse ano o Fortaleza teve a “disputa por posição” entre Marcelo Boeck, Fernando Miguel e Max Walef.
Boeck já não possui a mesma qualidade e poder físico que já teve em outras épicas, mas permanecia na disputa por ser ídolo da equipe e possuir um perfil de liderança, que por muitas parecia inexistente na equipe. Max recebeu oportunidades no começo do campeonato mas acabou perdendo espaço por também não entregar o suficiente para a meta tricolor. Max foi negociado para uma equipe da Ucrânia.
Fernando Miguel começou a temporada como titular mas uma falha no clássico-rei da Copa do Nordeste custou sua confiança com a torcida no período e na sequência o arqueiro sofreu uma lesão que o deixou de fora dos gramados por dois meses. Desde o seu retorno, o Fortaleza não sofreu nenhum gol no campeonato brasileiro.
ELENCO DE REPOSIÇÃO
O último ponto, mas não menos importante, trata das contratações que o Fortaleza realizou na janela, que aumentaram efetivamente o nível do banco do seu banco de reservas. Durante o primeiro turno, o Fortaleza foi a equipe que mais sofreu gols nos acréscimos de uma das etapas:
- Internacional: 53’ 1° tempo e 45’ 2° tempo
- Botafogo: 44’ 2° tempo e 49’ 2° tempo
- Ceará: 56’ 1° tempo
- Goiás: 41’ 2° tempo
- Atlético-MG: 43’ 2° tempo e 51’ 2° tempo
- Coritiba: 49’ 2° tempo
- Bragantino: 50’ 2° tempo
O Fortaleza parecia perder forças quando o jogo caminhava para o final, a questão trata sim de aspectos mentais e também físicos, mas o banco do Fortaleza era muito desequilibrado negativamente se comparado ao time titular.
Na janela que fechou recentemente, foram oito contratações do Leão que subiram o nível do elenco e fez com que a equipe se aproximasse de manter a mesma força durante os 90 minutos. Foram elas: Thiago Galhardo, Lucas Sasha, Otero, Emanuel Brítez, Fabrício Baiano, Luan Polli, Pedro rocha e Caio Alexandre.
A GESTÃO DE UMA JANELA DE TRANSFERÊNCIAS ESPECIAL
Mesmo com uma janela recheada de contratações, o Tricolor de aço foi muito consciente na parte financeira e se manteve entre as equipes que menos gastaram, aproveitando de opções de vantagem e jogadores pouco badalados no mercado, mas que possuem qualidade e se encaixam no esquema proposto por Juan Pablo Vojvoda, , os mais badalados que chegaram também passaram bem pelo processo de recuperação e vão ajudando muito a equipe.
Abaixo, a tabela com os valores (divulgados) gastos por cada equipe (em milhões de reais)
Flamengo | 87,50 |
---|---|
Palmeiras | 84,20 |
São Paulo | 33,60 |
Corinthians | 27,00 |
Santos | 18,50 |
Athletico-PR | 13,00 |
Bragantino | 12,00 |
Ceará | 11,25 |
Internacional | 5,20 |
Botafogo | 5,20 |
Fluminense | 2,20 |
Atlético-GO | 1,35 |
Fortaleza | 1,07 |
Vasco | 0,64 |
Goiás | 0,40 |
Com os números divulgados, o Fortaleza está situado na “segunda página” entre as equipes que mais gastaram no brasileirão, mesmo sendo uma das que mais contratou na janela.
ANÁLISE INDIVIDUAL DAS CONTRATAÇÕES
Além de entender como o Fortaleza estruturou sua janela de transferências, é necessário também entender como e porque as peças escolhidas encaixaram tão bem na equipe de Vojvoda.
LUCAS SASHA
Sasha já chegou no Fortaleza como peça fundamental na parte defensiva do meio de campo do tricolor, realizando regularmente um alto número de desarmes e intercepções, além de cumprir muito bem o “trabalho sujo” de cobrir os defensores. Sasha terminou a liderança no ranking de jogadores com maior número de desarmes no segundo turno, além de ter batido o recorde de mais desarmes em uma única partida, na vitória contra o Internacional, no Castelão.
CAIO ALEXANDRE
Os atletas de meio campo, em geral, possuem muitas particularidades. As principais mudanças da última janela, no setor central-defensivo, como já citado, foram as saídas de Jussa e Felipe (ainda está no elenco, mas treinando separado) e as chegadas de Lucas Sasha e Caio Alexandre para reposição das peças.
“Vem somar o setor que tivemos algumas mudanças: a saída do Jussa e também do Felipe que está em negociação. A gente precisava reincorporar este setor e o Caio Alexandre vem qualificar ainda mais nosso elenco”, comentou o Presidente Marcelo Paz na apresentação do camisa 8 tricolor.
Possuindo também a característica de reger o time na fase ofensiva, é mais veloz e consegue executar a função de box-to-box (expressão utilizada para jogadores que realizam corridas de uma área a outra), além de possui maior facilidade de participar diretamente de gols pois por muitas vezes transitar como meia, tendo mais opções de passes verticais, que podem resultar em assistências. Os pontos que podem demonstrar maior deficiência do camisa 8 são as transições que exigem domínio orientado na saída e lances que exigem muita disputa física. Fugindo um pouco de como atuou durante a carreira, por vezes, o atleta tem feito também a saída de bola entre os zagueiros no papel de primeiro volante.
EMANUEL BRÍTEZ
Brítez é, provavelmente, a principal aquisição do Fortaleza na temporada. Desde sua chegada, o defensor já atuou como lateral direito, lateral esquerdo, zagueiro central pelos dois lados e como Stopper (nomenclatura para zagueiros que jogam pelo lado em formações com 3 jogadores de defesa) também pelos dois lados. No Certame que inicia em sua chegada e passa pelos dias atuais, o Fortaleza tem a segunda melhor defesa da competição, com atuações muito concretas do Argentino que chegou por indicação de Vojvoda e é considerado ídolo do Union Santa Fé.
Britez falou, inicialmente, sobre o processo de adaptação, demonstrando os motivos que o fizeram ser titular desde o primeiro jogo.
“A adaptação foi muito boa, porque tenho como companheiro o Romero que já jogou comigo no Independiente, temos um técnico argentino. Os companheiros, os dirigentes estão em um trabalho admirável, como nunca tinha visto. Eu vinha jogando, então não necessitava reforçar o físico. Me senti bem, um pouco cansado nos últimos minutos (de sua estreia), o que é normal”, afirmou o defensor.
Logo em sua primeira partida o defensor firmou também seu compromisso em tirar o Fortaleza da zona de rebaixamento e trazer a possibilidade de “pensar em coisas maiores”;
“Estou contente de estar aqui no Fortaleza. É uma responsabilidade e tratarei de devolver dentro de campo toda a confiança que me deram. Já consegui jogar e estou confortável e feliz pelo modo que me tratam no clube. Sabemos que estamos em um momento difícil, mas tenho confiança, certeza e fé que sairemos juntos disso. Temos o objetivo de manter o Fortaleza na Série A. A expectativa é fazer grandes partidas para sair dessa situação e depois pensar em coisas maiores”, disse ele.
THIAGO GALHARDO
Galhardo foi o comandante do ataque do Fortaleza no segundo turno. Sendo o artilheiro do time e líder de participação em gols desde que chegou, o atacante é peça chave na criação de jogadas do tricolor e parece ter se especializado na criação de espaços para outros jogadores. Galhardo é outro jogador marcante nessa virada de chave do Fortaleza, tanto se visto como atleta como também se for analisado como liderança.
“A virada de chave acho que foi o foco total no Brasileirão. A gente estava em três competições e acaba que a gente prioriza uma competição ou outra… A logística também influencia, disse isso na minha apresentação. Com semanas para poder trabalhar e treinar, tudo fica mais fácil. Quando isso aconteceu, as coisas caminharam maravilhosamente bem”, destacou o atacante sobre a arrancada da equipe.
O atleta passa muita confiança para o elenco e conseguiu conquistar também sua torcida, que teve muita dificuldade de aceita-lo, por toda a história que construiu no rival, Ceará. Hoje, Galhardo é um dos atletas com maior identificação com a torcida por sempre jogar para o time. O fato de realizar diversas funções foi providencial na montagem do ataque e para gerar opções para o treinador.
RÓMULO OTERO
Otero tem passagens pelo seleção nacional e já havia atuado no futebol brasileiro, onde defendeu clubes como Atlético Mineiro e Corinthians. Quando chegou a Fortaleza, surgiu a dúvida se valeria mesmo à pena o investimento, por se tratar de um jogador que não estava em sua melhor fase. Por outro lado, muitos valorizavam suas passagens pelo Brasil e acreditavam quem podia, sim, render. Mas afinal, quais são os verdadeiros diagnósticos e prognósticos?
Otero começou fazendo pequenas participações e ficando fora de diversas partidas. Muitos torcedores já tinham aceitado que não jogaria tanto na equipe. Porém, Vojvoda foi começando a lançar o colombiano em algumas partidas em que o mesmo não desperdiçou os minutos que recebeu.
Hoje, Otero parece só não ser titular pela formatação da equipe titular, onde Vojvoda opta por outras características. O Meia continua assustando os adversários com as bolas paradas e parece sempre “acordar” o Fortaleza quando está em campo.
PEDRO ROCHA
Mesmo com passagens pelo exterior, vale ressaltar que foi no Brasil e atuando pelo Grêmio onde Pedro Rocha viveu seu auge da carreira, tendo sido determinante para a conquista da Copa do Brasil de 2016. Em 2017, também foi peça importante na Libertadores, apesar de ter saído antes do título.
No Fortaleza, o atleta já demonstrou evolução física desde sua chegada e aproveitou bem os minutos que teve, principalmente no duelo contra o Flamengo, quando marcou dois gols e fez grandes jogadas. O atacante gera muitas opções por conseguir atuar bem como ponta dos dois lados e também ter o que é preciso para encaixar em esquemas de dois atacantes, sendo assim uma opção plausível em boa parte das variações do Fortaleza.
“Gosto (da concorrência no ataque). Isso é um problema para o treinador, entre nós é uma disputa sadia e vamos procurar fazer nosso melhor e trabalhar da melhor forma para que o treinador tome as decisões”, afirmou o atacante.
FABRÍCIO BAIANO E LUAN POLLI
Fabrício e Luan são, entre as contratações, os jogadores que parecem mais distantes de disputar titularidade ou de serem cruciais para a equipe, mesmo assim, foram contratados sobre uma lógica que normalmente premia equipes. Baiano foi uma opção para variações do Fortaleza, que pode entrar quando a equipe está em vantagem, fazendo a cobertura pelo lado direto, por ter velocidade e muita imposição física. Luan Polli chegou como reposição de Max Wallef, que foi vendido para uma equipe da Ucrânia. Logo, todas as aquisições do tricolor tiveram uma linha de raciocínio que condiz com uma equipe que busca reação, por mais que nem todos tenham encaixado 100%.