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‘Bicos’ que fez na adolescência, ‘não’ de Avaí e Figueirense e arma apontada contra si: Richarlison relembra momentos da vida

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Foto: Jon Super/Pool via Getty Images
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A maioria dos jogadores chegam ao futebol buscando melhorar financeiramente e ajudar a família. E a situação de Richarlison não foi diferente, e até chegar à Seleção Brasileira passou por vários “perrengues”, como costumamos dizer em nosso dia a dia. O atacante do Everton e Seleção contou, em carta aberta ao site “The Players Tribune”, como alguns episódios vividos na infância e adolescência o ajudaram a vencer na carreira.

Antes de conseguir se firmar na carreira de jogador de futebol, Richarlison fez “bicos” para ajudar sua mãe. Picolés e bombons foram os que o menino, de 11 anos, começou a investir para colocar dinheiro dentro de casa. Além disso, também teve o lava-rápido.

– Percebi que o futebol poderia ser não só a minha carreira. Seria uma maneira de eu conseguir ajudar a minha família. Morávamos cinco pessoas em uma casa de dois cômodos, e a minha mãe trabalhava o dia inteiro para colocar comida na mesa. Ela foi muito guerreira, mas não dava conta de fazer tudo sozinha. Então, logo precisou da nossa ajuda. Por isso, aos 11 anos eu comecei a vender picolé. O meu bisavô era bastante conhecido na cidade por vender picolé. Ele passou anos na pracinha com o carrinho de sorvete. Então, nas férias da escola fui trabalhar com ele. Acordava às 6h, pegava o carrinho no centro e passava o dia gritando pelas ruas.

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– Eu vendia muitos, mas ganhava pouco. Por isso, tive de trabalhar em outros lugares para ajudar a minha mãe. Vendi bombons caseiros feitos pela minha tia. Teve também o lava-rápido. Olha, pensei que seria um trabalho fácil de se fazer. Por que seria difícil, né? Pois é, acabou sendo cruel. Passava o dia inteiro ensaboando pneus cheios de lama e para-brisas sujos. No fim do dia o meu corpo doía inteiro. As minhas costas estavam me matando! O meu chefe queria assinar a minha carteira de trabalho, mas eu falei “Isso não dá para mim!”. Nunca mais voltei lá.

– Também ajudei o meu avô na roça. Ficávamos o dia inteiro colhendo café debaixo do Sol. Parecia 50 graus de tão quente! Eu costumava trabalhar e suar tanto que quase chorava. Mas quando eu olhava para o meu avô, ele estava numa felicidade gigante. Eu pensava “Caraca, não é possível!”. Mas eu admirava muito a dedicação dele. Muito inspirador. Outro guerreiro da família.

Richarlison ainda teve uma arma apontada para sua cabeça. Na época, ele tinha 14 anos e estava vendendo suas coisas para ajudar sua família.

– Aconteceu quando eu tinha 14 anos. Estava voltando para casa com um amigo após o futebol. Era umas oito da noite, então estava escuro. Do nada vieram dois malucos apontando armas para nós. Foi um momento muito, muito tenso mesmo. Vai que um dos caras aperta o gatilho sem querer… eu não estaria aqui escrevendo esta carta.

– Eles falaram que não nos queriam vendendo coisas no ponto deles, mas explicamos que éramos moradores e que só jogávamos o nosso futebol mesmo e estávamos no caminho de casa. Até mostramos a bola para provar. Talvez eles tenham nos confundido com alguém. Ainda bem que depois de todo aquele medo eles nos liberaram.

Foto: Reprodução

OUTROS TRECHOS DA CARTA:

REJEIÇÃO DE AVAÍ E FIGUEIRENSE:

– Essas peneiras geralmente funcionam assim: você treina em tempo integral, dá a vida em tudo o que te pedem para fazer e no fim torce por uma proposta. A concorrência é gigante. No Avaí, era um roxo novo por dia na canela. Depois de quatro semanas no clube, fui avisado que eles não ficariam com ninguém. É… obrigado. Toda aquela dedicação para nada. O que eu posso falar? Uma baita injustiça!

– Fiquei muito triste, mas pelo menos eu sabia que eu tinha um teste no Figueirense, na mesma cidade. Tive até de pegar chuteira emprestada de um moleque que eu conhecia no clube. E, de novo, dei a vida nos treinos. Era para eu ficar lá por uma semana. O treinador gostou de mim e pediu para eu continuar. Na fase final sobraram nove moleques disputando duas vagas. Foi mais um mês de treinos, e eu tentando me destacar. E então o Figueirense me comunicou que eu não tinha passado. De novo. E adivinha em que dia eles me avisaram? No meu aniversário de 16 anos.

AJUDA AO PANTANAL

Estou muito triste e preocupado com o que está acontecendo no Pantanal. Cerca de um quarto da área foi tomado pelo fogo só neste ano. No começo isso era notícia em vários lugares, o que fazia total sentido — é uma região que todos devemos lutar para proteger. Mas eu não via ninguém tomar alguma atitude. O que levanta a pergunta: por quê?

HUMILHAÇÃO SOFRIDA POR PAI

Quando eu tinha 17 anos, fui visitar o meu pai no fim de semana com os meus dois irmãos e primos. O meu pai, Antônio, estava passando por um momento difícil. Ele estava separado da minha mãe, Vera Lucia, há 10 anos, e vivia sozinho na fazenda. Mas o pior é que estava sofrendo de depressão. (…) Enquanto estávamos lá, meus primos e eu pegamos nossas varas de pescar e fomos às três represas próximas da casa. Acho que elas estavam no mesmo terreno, porque o dono tinha dito que só podíamos pescar em duas delas. Na terceira era proibido.

Passamos o dia inteiro tentando pescar algo nas duas represas, mas, claro, não pegamos nada. Não estávamos nem aí. Só queríamos curtir o dia juntos. Mas no caminho de volta para casa, passamos pela represa proibida. Olhamos um para o outro. Olhamos para a represa. Ninguém parecia estar por perto. Ainda tínhamos isca no anzol… Joguei o anzol na água, não sei o que me deu. Dois segundos depois… Um peixe mordeu a isca! Até hoje não sei explicar por que eu fiz aquilo. Em todo caso, o dono do terreno me viu fazendo o que não podia. Ele ficou bravo, gritou e humilhou o meu pai na frente de todo mundo, dizendo que poderia expulsá-lo da casa a hora que ele quisesse.

INCETIVO DO PAI

Olhando para trás, acho que a minha ligação com o meu pai vem desde quando eu era bem pequeno, e ele me deu várias bolas de futebol como presentes de aniversário. Qual criança brasileira não fica feliz ao ganhar isso? Na época, a minha família morava em uma casa de madeira em um vilarejo em Todos os Santos, no Espírito Santo. Tinha um campo de terra perto de casa e era ali que eu jogava bola com os meus amigos. Quando eu não estava lá, era para assistir ao meu pai jogar pelo time da cidade. Aonde o meu pai ia — fosse jogar baralho ou encontrar os amigos na pracinha — ele me levava junto. 

COPIAVA MOICANO DE NEYMAR

Jogar ao lado do Neymar foi espetacular. Já tinha encontrado com ele antes, em Paris, mas foi tudo muito rápido e eu só tive tempo de tirar uma foto com ele. Na Seleção estávamos jogando juntos. Quando eu contei que eu copiava o moicano que ele tinha, ele caiu na risada! 

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