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Destaque do Brasil no jiu-jitsu, Rodrigo Deodato destaca vida nos tatames, ascensão e futuro no esporte

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O esporte está na vida de todos e é uma das grandes maneiras de crescer seja profissionalmente ou pelos caminhos que os campos, quadras e arenas indicam. Para alguns, o caminho de seguir nele com o dia a dia e virar um atleta é viável, mas não é fácil. É o caso de Rodrigo Deodato, que deixou a família no Brasil para ir buscar atingir seus ideais nos Estados Unidos enquanto vive uma vida agitada dentro e fora do tatame do jiu-jitsu.

Natural de São Paulo, Rodrigo começou no esporte ainda cedo, por volta dos seis anos. No karatê, o paulista ganhou todo o conhecimento de um esporte, a disciplina exigida e realizou um grande sonho de ser atleta. No entanto, tudo mudou com a maioridade, e a busca por aprender algo mais brasileiro e que pudesse dar uma mudança geral na vida.

— Desde muito pequeno eu treino karatê. Comecei com uns seis, sete anos, segui até uns 19 e sempre quis ser atleta de luta, via o UFC desde criancinha, por exemplo. Quando eu tinha 25 e estava cursando geofísica na USP eu me perguntei o porque estar ali e entendi que estava apenas perdendo o meu tempo já que meu sonho era ser atleta. Como o karatê é uma luta em pé, não tinha conhecimento nenhum de chão, como agarrar um adversário ou wrestling, por exemplo. Então pensei em fazer algo mais brasileiro e é aí que entra o jiu-jitsu — afirmou Rodrigo.

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Com a dúvida sobre seu futuro, Rodrigo decidiu voltar para um lugar conhecido. O retorno do ano letivo foi o fim da carreira acadêmica e trouxe com ele a mudança para o jiu-jitsu. A paixão à primeira vista mudou totalmente a vida do atleta, que encontrou as pessoas certas e a junção do seu talento amplificou ainda mais as oportunidades do paulista na vida esportiva.

— No final de 2016, em dezembro, me matriculei numa escola de bairro, e na primeira aula me apaixonei. No começo do ano seguinte, quando as aulas voltaram, eu estava completamente infeliz. Em março, mesmo sem poder trancar a faculdade, decidi ser “jubilado”. Como a academia que eu estava não era grande, tive que me mudar e fui até o projeto social do Cícero Costa. Ele foi meu primeiro mestre. Me encontrei lá, tanto é que larguei tudo, até fui morar um tempo na academia — continuou Rodrigo.

Mas nem tudo foi flores para Rodrigo. O começo difícil trouxe muito aprendizado para que o paulista de 30 anos pudesse crescer, evoluir no esporte e se tornar um dos principais nomes. As surras sofridas nos primeiros treinos fez com que o aprendizado colocasse o atleta para buscar ainda mais conhecimento.

— Eu lembro que na primeira aula apanhei demais. Sempre tinha brincado de lutinha, mas igual aquilo não tinha. Lembro que numa sexta-feira voltei com febre, de tão dolorido que estava, de tanta gente boa ali comigo. Eu tinha muita vontade, mas mesmo o físico bom de quem pratica esportes não ajudou tanto para evitar a surra. Eu sabia que aquilo era o que eu queria para a vida — disse.

A luta, o esporte e a profissão

O sonho de infância foi ficando cada vez mais real conforme o passar dos anos. A saída da faculdade e a decisão de migrar para as artes marciais se mostrou acertada desde os primeiros momentos no karatê, a ida do esporte para as Olimpíadas e a entrada no jiu-jitsu. Mesmo com a empolgação de ver o esporte entrar na programação olímpica, a pandemia colocou um balde de água fria nas expectativas de Rodrigo.

— Olha que coincidência. Pouquíssimos meses antes de eu me matricular no jiu-jitsu, em 2016, eu fiz algumas aulas de karatê. Em 2020, pela primeira vez, o karatê kyokushin iria entrar nas Olimpíadas. Aqui acendeu uma chama em mim e eu pensei “será que agora eu vou conseguir ser um atleta mais reconhecido já que a modalidade vai para os Jogos Olímpicos?”. Até pensei devido aos quatro anos que poderia ter de preparação e acreditei ser possível, mas aí veio a pandemia e tudo mudou. Quando eu entrei no jiu-jitsu e comecei a entender mais, vi o porque ele não estava na programação — que continuou explicando um dos pontos em que acredita da ainda pouca visibilidade do jiu-jítsu e até da não-entrada no calendário olímpico.

— Eu entendi o motivo disso e espero que daqui um tempo, mesmo sem poder competir, mas ver um aluno meu lá. Só Deus sabe. Precisa que a comunidade do jiu-jítsu se una para possibilitar isso. Já tem gente hoje fazendo isso como o João Silva (atual mestre de Rodrigo) e Cleiber Maia (amigo e padrinho de Rodrigo), no Brasil, na SJJIF e na SAF. Essas duas federações são as principais na frente para que o esporte possa crescer ainda mais e para tentar virar olímpico — finalizou.

Um dos principais fatores que as artes marciais num geral exigem é o respeito, a disciplina e organização. São três pontos fundamentais na vida de qualquer pessoa que deseja ingressar ou que está no esporte. Desde criança inserido dentro do modelo de vida, Rodrigo conta como o dia-a-dia moldou seu caráter, o estilo de vida e tudo o que entrega como crucial para a formação de um jovem.

— O Karatê formou o meu caráter. A disciplina, o respeito no tatame, a hierarquia. Eu fazia o kyokushin, que visa o nocaute e é diferente do olímpico. Infelizmente o karatê não tem tanto espaço principalmente para ser um profissional. Eu vejo atletas fantásticos, mas campeões que não sejam japoneses é muito difícil. Existe um olhar maior ao país nipônico. Mesmo assim, dois brasileiros já venceram, que são o Francisco Filho e Everton Teixeira. Eu vendo o valor desses caras e o que eles recebem, me fez pensar sobre realmente ser um profissional da modalidade. Quando eu mudei para o jiu-jítsu, não foi para ser profissional. Eu sempre gostei de luta, mas fui com outro pensamento, de conhecer uma arte nova.

A mudança do jiu-jítsu, além de tudo, trouxe uma possibilidade antes que parecia ser inexistente: ser um atleta profissional. Com pouco tempo, o brasileiro passou a ganhar muito destaque no esporte, participou e ganhou algumas das principais competições como líder do Ranking 2019/20 da SJJIF (Federação Internacional de Esporte de Jiu-jítsu), primeiro lugar no ranking Brasil e Mundial e no International Masters North America em 2021.

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— O jiu-jitsu me mostrou a possibilidade de ser um atleta era possível, palpável. Além de eu ter me apaixonado, de gostar mais. Eu iniciei apenas meu sexto ano, mas eu já via que era possível. Meu primeiro ano de faixa branca, depois eu subi para a azul, que é onde você vai ter os primeiros embates. Quando aconteceu essa troca, foi muito difícil pra mim. Em 2018, eu cheguei ali e os caras já eram muito mais avançados do que eu. Apenas no ano seguinte que a gente começou a colher os frutos, onde eu corri o ranking da SAF (South American Federation), fui o representante da América do Sul e acabei ganhando deles a passagem para o Mundial, em Los Angeles. Aqui, eu conheci o Aloísio Silva, ele me convidou para passar uma temporada aqui e eu aceitei. Foram três anos de investimento, não conseguia pegar grandes resultados. Cheguei no Mundial e também um vacilo não consegui vencer. No outro dia eu lutei sem o kimono e fui o segundo lugar. Foi muito marcante por vários motivos, incluindo a questão do visto aqui.

Pouco antes da pandemia de Covid-19 estourar no mundo todo, Rodrigo Deodato recebeu um convite mais do que especial: treinar com Aloísio Silva, em Los Angeles. Depois de ter disputado o Mundial nos Estados Unidos, o brasileiro passou a treinar no país e teve que mudar completamente a rotina para embarcar no desafio. Apesar de todas as circunstâncias negativas que a pandemia trouxe, o paulista soube aproveitar o que tempo que teria para evoluir no esporte a ponto de estar entre um dos principais nomes do cenário.

— Em 2020, eu já cheguei aqui para a temporada como Aloísio já graduado na roxa com o Cição. O problema de tudo foi a pandemia que me limitou só um evento e eu não consegui um bom resultado. Mas foi um período que eu pude dar um gás muito grande para no ano seguinte ganhar o Brasileiro e o Mundial. Curiosamente, o nacional é mais complicado do que o Mundial. Ainda para completar o ano levei o Internacional Master. Para mim, o competitivo não é só uma disputa, mas é uma ferramenta de autoconhecimento. Desde a preparação com dieta rígida, três treinos ao dia, aprender na academia, entre tudo mais. Ser campeão para mim é incrível, mas evoluir e estar nesse estilo de vida, conviver com essas pessoas, como eu durmo, como eu vivo. O foco na minha vida é o jiu-jitsu e mostrar para as pessoas como ele é bom, mesmo sem o competitivo. Ele vai ajudar todo mundo na parte mental, espiritual e física.

“Ao mestre, com carinho”. Muitos já viram essa pequena frase espalhada quando há uma citação em homenagem aos professores. Um dos grandes princípios no esporte é justamente a valorização de treinadores, mestres e quem está por atrás de atletas de sucesso no esporte. Colocar pessoas assim em evidência é um dos grandes objetivos de Rodrigo para nomear alguns responsáveis pelo sucesso dele e de tantos outros nomes que passaram pelas escolas de Marco Barbosa e Cícero Costha.

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— Quando eu fui para a Barbosa, eu consegui ganhar o Brasileiro. É um orgulho e honra ter passado por lá com o Marco Barbosa e é uma pena não poder estar em dois lugares para desfrutar disso. Tenho “tatuado” no meu coração o Cição e o Barbosa, que foram os meus mestres. E o mais legal é que o Barbosa foi mestre do Cição.

A rápida ascensão de Rodrigo, no entanto, foi inesperada. Apesar da confiança no potencial, o paulista reconhece que esperava levar quase o dobro do tempo para chegar em um patamar alto batendo alguns dos principais nomes do esporte. A dedicação, o talento e a persistência são alguns dos grandes pontos positivos que a caminhada profissional empurrou para agilizar tudo e chegar nesse momento esperado.

— Eu sabia que chegaria, eu juro por Deus. Jamais entraria na universidade se soubesse que era “fogo de palha”. E isso é um ponto bom da minha personalidade, pois sempre que eu pensei em alguma coisa eu fui até o fim. Eu falei que faria e fiz. Sabe aquele curso “kumon” de japonês e matemática? Eu terminei enquanto outros foram embora. Em três anos quando eu ganhei vice mundial, primeiro do Brasil e América do Sul, isso na faixa azul ainda, eu não imaginava que chegaria tão rápido a ponto de ver os resultados palpáveis. Dos cinco anos que eu levei investindo, eu esperava no início que seriam 10. Eu pensei “a maioria da galera leva esse tempo para pegar faixa preta”, então fiquei na cabeça em quanto tempo eu levaria para começar a competir, me sentir bem fazendo isso, evoluir e entender o jiu-jítsu nesse ponto — disse Rodrigo, que completou logo em seguida.

— Jiu-jítsu é uma coisa que você precisa sentir e uma prova disso são os exercícios de repetição que você faz para ter a memória muscular. O que eu vivo hoje imaginei que seria em oito ou nove anos.

Distância é uma dificuldade? Não para Rodrigo

A rotina corrida impõe alguns empecilhos na vida de Rodrigo. A distância da família, o pouco tempo para o lazer e a exigência são algumas barreiras enfrentadas pelo atleta. Apesar dos pontos incômodos, o profissional conseguiu se acostumar com isso ao focar principalmente no lado profissional. É, claro, saudade sempre haverá e isso é um fator que religa memórias anteriores, mas impulsiona para que o brasileiro cresça ainda mais.

— É uma fase difícil pra mim pois eu tenho uma noiva que está no Brasil e nós estamos em momentos diferentes. Estamos longe um do outro, eu tenho saído bastante para competir e é puxado. Não é tão fácil de lidar, mas é algo que aceitamos. São escolhas e eu aprendi muito com isso. Por mais que nos gostamos, é aprender a lidar com as saudades, assim como tenho das minhas irmãs e da minha mãe, minha cachorra. Eu acabo interagindo muito com livros, com filmes que me fazem pensar, com coisas que me dão conhecimento. Eu sou um eterno faixa branca. Adoro conhecer coisas novas, me propor ao novo, mesmo que dá medo.

O dia-a-dia de Rodrigo é movimentado desde os primeiros momentos do dia até antes de ir dormir. A dieta rígida não permite escapatória, mas é o suficiente para que a rotina de treinos e outras atividades como as aulas de matemática e física seja entregue com muita vontade.

— Eu tive que parar recentemente para montar uma escala se não eu fico muito perdido. Fico sempre me perguntando se agora é hora de treinar, se tenho que comer. Na minha montagem é assim: entre 8h e 9h15 eu faço treino físico, entre 12h e 13h30 eu dou aula, depois almoço, a partir das 16h é o treino de posições no jiu-jitsu, duas horas depois tem a parte de combate até umas 20h. Nas janelas que eu tenho, eu tento estudar e, claro, cuidar da casa, fazer minhas compras. Eu que faço minha comida porque tenho muita facilidade para engordar e para perder peso. É preciso sempre comer certo, comer muitos vegetais, acabei aderindo ao vegetarianismo. Eu fico em jejum entre 12 a 15 horas, tenho a primeira refeição, faço todos os treinos e depois como algo antes de dormir. Entre duas e três refeições, mas geralmente a terceira é sempre uma maçã ou uma banana com pasta de amendoim e a bolacha. São coisas que seguram um pouco mais a fome.

Por falar em alimentação, a rigidez inspira uma diferença grande referente ao que a maioria da população está acostumada a comer. Uma dieta regrada a vegetais, frutas e sementes é fundamental para auxiliar numa estabilidade de peso que é parte fundamental do dia-a-dia de Rodrigo. E tudo ainda fica melhor ao ser um dos hobbys do paulista: cozinhar.

— Chinoa com cenoura, guacamole e brócolis. Isso, numa noite normal. Numa noite ideal, seria pizza, sorvete e chocolate […] Eu gosto de comer vegetais e tem vários congelados que só descongelo, ponho um tempo e como. Costumo fazer chinoa ou arroz na panela elétrica, curto muito avocado, pasta de amendoim, banana e até aquela bolacha de arroz. É uma pena que aqui eu não consigo cozinhar muito, mas eu amo cozinhar e meu sonho é ir no Masterchef — afirmou Rodrigo Deodato.

O futuro começa agora

Aos 30 anos, Rodrigo já tem o futuro traçado, claro, dentro do próprio esporte. Pensando em uma aposentadoria nos anos seguintes, o paulista escolheu como quer seguir ligado ao esporte: o ensinamento aos mais jovens. A fundação de uma academia própria, um time que dispute campeonatos e a oportunidade de mudar as vidas de jovens são objetivos claros e palpáveis na vida de Rodrigo. Mas antes, o cuidado para tentar disputar tudo o que puder é a maneira de se preparar até lá.

— Competir ao máximo que dá, de acordo com o que meu corpo deixar. Eu me conheço muito e consigo me ver no tatame. Não tem farsa e do jeito que eu sou aqui, eu sou lá dentro. Se eu sou agressivo, desorganizado ou disciplinado, você vê lá dentro. Agora, mais que competição, eu quero começar meu caminho no jiu-jitsu para “aprender”. Quando você pega a faixa preta começa essa parte de aprender o que melhor o esporte pode te dar. Além de tudo, eu quero ajudar o jiu-jitsu a crescer, ensinar as pessoas, ser professor, ter uma academia e ter meu time de competição. Isso vai ser irado colocar os moleques para sair na “porrada” com os outros.

— Eu lembro que assim que comecei no Cição, eu não sabia nada. Era o playboy forte, com os manauaras fortes, que tiveram paciência comigo e me ensinaram muito. Por onde eu passei, assim com Barbosa, eu aprendi só a nata do conhecimento do jiu-jitsu e é isso que eu quero passar para os outros.

Confira outros pontos da entrevista com Rodrigo Rossi

Convivência com outros mestres, valorização e hobby

— Eu tenho aquele espírito de criança ainda e mesmo aos 30 anos, se você for uma criança disciplina, organizada e fizer tudo o que você tem que fazer, não há problema nisso. Eu gosto da minha vida nessa energia. Eu adoro conversar, adoro resenhar, conhecer gente nova. Convivo com meu mestre que completou 69 anos e nem todo mundo tem esse privilégio de aprender com ele. E isso tem um valor enorme pra mim, e meu objetivo sendo um mestre é esse. Eu ensino muito e as pessoas me ensinam também. Eu quero continuar dando aula de matemática e física porque é um hobby incrível pra mim. Semana passada, quando eu tava lavando roupa, eu estava criando algumas equações e tentando resolver.

Fora dos tatames

Gosto musical

— Rap nacional, rap estadunidense, musica eletrônica. Eu curto muito Xamã, e ele virou “uma modinha” atualmente. Eu escuto o cara desde 2016 quando ele ainda era das batalhas de rap, tinha a 1 kilo. Ninguém conhecia ele e agora todo mundo escuta. Amo Xamã, curto Rappa, Charlie Brown Jr.

Família e a “solidão”

— Eu sempre fui um lobo solitário, sempre gostei de conviver com as pessoas, mas curto muito fazer as coisas sozinho. Ficar sozinho e longe da galera foi positivo. A pandemia mostrou muito quem foi quem, ajudou a separar muita gente, então não foi algo ruim. Eu tava com a minha noiva aqui, passei um ano com ela. Eu conheci muita gente que me ajudou e me sinto abençoado por isso. As coisas acontecem meio que programados, como tudo tem um tempo, mesmo sem entendermos de imediato. Foi o melhor ano para a gente ter vindo para fazermos o que tinhamos que fazer.

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