Ceará
Ex-joia do Ceará, Romário revela problemas químicos do avô que conturbaram início de sua carreira: ‘Desestabilizei’
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Formado nas categorias de base do Grêmio-RS, o cearense Romário Rodrigues foi revelado pelo Ceará em 2012, quando tinha apenas 18 anos. De suma importância na conquista do bicampeonato Estadual daquele ano, o atacante revelou, com exclusividade ao Esporte News Mundo, que problemas de dependência química de seu avô abalaram sua carreira.
Era início de tarde de domingo. O calendário marcava 13 de maio de 2012. O jovem Romário estava há algumas horas de entrar em campo e disputar sua primeira final pelo time principal apenas meses depois de ter assinado com a equipe Sub-20 do Vovô. Era final do Campeonato Cearense. Clássico-Rei! Ceará e Fortalez no estádio Presidente Vargas, local dos dois primeiros confrontos entre alvinegros e tricolores, com uma vitória para cada lado. Um deles, com cabeçada de Romário para a trave, após cobrança de escanteio, que terminou com gol do zagueiro Erivelton. Era chegada a hora de ajudar a decidir novamente. Porém, uma ligação de colega do bairro fez com o jogador que acabara de completar a maior idade trocasse as imagens em sua mente por uma realidade dolorosa: seu avô estava usando crack.
“Eu fui criado pelos meus avós e dois tios. Meu pai casou, foi morar com a esposa e teve meus dois irmãos. Ele continuava próximo, mas meu avô e minha avó que eram meus pais. Minha avó faleceu em 2006 e meu avô era um homem bem ‘brabo’. Ele sofria com Mal de Parkinson. Fazia os tratamentos, mas não víamos melhora. No domingo da final do Cearense, um cara que morava perto da minha casa me ligou na hora do almoço e me chamou para ir na casa dele. Eu estava na concentração para o jogo. Depois de muita insistência, ele me contou que meu avô estava usando droga. Disse que pegou ele fumando pedra de crack. Me desestabilizei, eu só tinha 18 anos”, revelou. “Isso me pegou, eu não estava acreditando. Fiquei em choque! Desliguei o telefone dizendo que depois ligava pra ele e fui para o jogo. Quando estávamos indo para o (estádio) PV, o ônibus do Ceará passou em frente minha comunidade. Eu olhei pra lá e só pensava na situação do meu avô, completamente desconcentrado da partida e só chorava, sem conseguir saber o que fazer”.
Ao chegar no estádio Presidente Vargas, a torcida alvinegra havia preparado um “corredor” por onde os atletas iriam passar ao descerem do ônibus e tinham seus nomes cantados. O último a sair do automóvel, Romário recebeu aplausos e teve seu nome gritado por aqueles que ali estavam vendo a principal revelação do Ceará do campeonato. Romário prometeu a si mesmo que usaria todo aquele apoio incondicional para tirar dali toda força e entrar em campo concentrado para dar seu melhor. E assim o fez! O rival havia saído na frente do marcador com gol de Jailson. Próximo do fim da partida e com o Fortaleza ficando com o título caso terminasse com aquele resultado, Romário foi derrubado na área leonina. Artilheiro do alvinegro no certame com 16 gols, Felipe Azevedo converteu, deixando 1 a 1 no placar e sagrando o Vovô campeão.
“Chegamos no PV e a torcida começou a gritar meu nome. Foi aí que pensei ‘Minha força vem daqui’. Fui pro vestiário e busquei me concentrar o máximo, esse problema do meu avô eu tinha o outro dia pra resolver”, contou. “Na hora que eu sofri o pênalti aquilo (comemoração) foi um desabafo meu particularmente. Nós fomos campeões e quando o jogo acabou eu fui correndo pra casa. Comuniquei (o problema envolvendo seu avô) ao meu pai e tios. Foi muito complicado. Passei uns dois ou três meses sem saber o que fazer. Eu chegava em casa e meu avô me pedia dinheiro. Eu chequei o guarda-roupa dele e encontrei pedras de crack na gaveta do meu avô. Parecia que eu tinha levado um tiro no peito. Foi muito triste, muito difícil”.
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Natural da cidade de Fortaleza, Romário fez toda sua formação nas categorias de base do Grêmio de Porto Alegre-RS, ficando dos 13 aos 17 anos. Morando no centro reservado para os jovens que ficam sob a tutela do clube, o atacante nunca negou sua origens e, torcedor do Alvinegro declarado, brigava para assistir os jogos do Ceará na Série B do Brasileirão daquela época.
“Sempre acompanhei o Ceará porque é o time que eu torço, que minha família torce. Na concentração muitas vezes só tínhamos uma televisão que passava os jogos do Grêmio na Série A e eu queria assistir o jogo do Ceará. Eu brigava com o pessoal por isso. Muitas vezes fui chacota. Eles eram Vasco, Flamengo, Santos e eu dizia que meu time era o Ceará e pronto, que meu ídolo era o Mota. Por eu ser sempre um dos mais velhos da categoria eu tinha um pouco de moral e colocava o jogo do Ceará”, lembrou Romário.
O primeiro contato entre clube e jogador aconteceu ainda em 2010 quando o time Sub-20 do Alvinegro estava disputando o Brasileirão da categoria e Mazinho Patrão, ex-diretor das categorias de base do Ceará, foi conhecer o Olímpico, antigo estádio do Grêmio. Na época, o então dirigente convidou o cearense para vestir a camisa preta e branca, mas ouviu de Romário que ele ainda tinha um contrato para cumprir com os gaúchos. Um ano depois passou por uma cirurgia de apendicite e esteve bem perto de trocar o frio de Porto Alegre pelo calor carioca, mas o coração falou mais alto e optou por vestir a camisa do Vovô.
“Eu estava nos Juniores, com mais três anos de contrato, e na época estava tendo o Brasileirão Sub-20 e o Ceará estava participando. O Mazinho Patrão foi conhecer o Olímpico e me convidou. Vontade não me faltava, mas eu tinha contrato a cumprir e nessa época eu fui um dos maiores goleadores do ano (na base do Grêmio). No ano seguinte eu conversei com meu empresário que tinha chegado a hora de eu sair e depois de reuniões decidi voltar para Fortaleza e ficar com minha família. A princípio eu iria para (a categoria de base de) Santos ou Fluminense, mas foi quando precisei passar por cirurgia de apendicite e tive que ficar um mês sem nenhum tipo de esforço. Nesse tempo, o Santos recuou e então eu iria para o Fluminense, mas foi quando o Mazinho soube que eu estava em Fortaleza e ligou me convidando para ir jogar no Ceará. Foi aí que decidi ficar”, contou.
Sua desenvoltura pela equipe no Brasileirão Sub-20 chamou atenção de uma equipe do Catar, mas o sonho de chegar ao principal do time do seu coração o fez negar uma bela proposta do clube dos Emirados Árabes. Atitude que, hoje em dia, Romário acredita ter sido “muito doido”.
“Quando eu ainda estava na base surgiu a oportunidade de eu ser vendido para um clube do Catar e eu não aceitei porque pensei ‘agora que estou aqui meu sonho é chegar ao profissional do Ceará’. Então recusei uma proposta muito boa e no ano seguinte fui para o profissional do Ceará. Todo mundo me chamou de doido. Hoje eu olho e vejo que fui sim muito doido, mas fui atrás do meu sonho”.
Sua ascensão ao time profissional aconteceu no início de 2012 para a disputa do Campeonato Cearense. Na época, com Dimas Filgueiras no comando, Romário ficou no banco de reservas nos dois primeiros jogos e ganhou oportunidade de entrar na terceira partida. Logo após isso, a chegada de Mota lhe trouxe um misto de sentimentos. Felicidade por ter a grande chance de ser companheiro de equipe do seu ídolo e medo por saber da qualidade do experiente atacante que jogava na mesma posição que a sua.
“Antes do terceiro jogo o Dimas me chamou dizendo ‘Se prepara que você vai jogar na quarta’. Fiquei nervoso e nesse dia anunciaram o retorno do Mota. Fiquei pensando ‘Vou jogar com ele’ e também ‘O Mota é da minha posição. E agora?’. Na primeira entrevista ele disse que estava pronto pra jogar e eu pensei ‘Não vou jogar’. Aí tivemos o último treino antes do jogo na segunda. Eu comecei de titular e na metade do treino o Mota entrou no meu lugar. O Dimas me chamou e disse ‘Se o Mota estiver regularizado você vai para o banco’. Seria uma honra ser banco do Mota, né? Só que os documentos dele não chegaram a tempo e eu fui jogar. O Crato abriu 2×0 no estádio Presidente Vargas. Se a gente perdesse, eu nunca mais jogava. Sei como são as coisas, sempre sobra pro mais novo. Aí em uma jogada que sofri o pênalti, o Felipe Azevedo cobrou e perdeu. Antes de acabar o primeiro tempo o Thiago Matias lançou, eu chutei forte e fiz o primeiro do Ceará. Voltei do intervalo muito confiante, mas fui substituído. Saí aplaudido pela torcida, lembro bem. Acabou o jogo de 2 a 2″, recorda.
Com um time bastante organizado, o Ceará jogava com seu quarteto de ataque com Rogerinho, Felipe Azevedo, Romário e Mota sob os comandos de Dimas, mas a chegada de Paulo César Gusmão para o cargo de técnico mudou toda a formação. Parabenizando o trabalho de Felipe Azevedo e Romário, o treinador os chamou para uma conversa em particular onde afirmou que um dos dois seria tirado do time titular já que não era de seu estilo trabalhar com uma equipe tendo três atacantes.
“Éramos eu, Mota, Felipe Azevedo e o Rogerinho de 10. Começamos o Estadual de 2012 bem atrás (na tabela), mas conseguimos engrenar e fomos campeões. Aí foi quando teve a chamada do PC Gusmão (para a Série B). Tive muitas situações com ele. A primeira foi que no primeiro jogo ele chamou eu e o Azevedo e falou ‘Vocês dois estão super bem, só que eu não jogo com três atacantes. Jogo com dois e o Mota é o Mota. Só vai jogar um de vocês dois, eu vou ter que escolher. Hoje os dois vão jogar no ataque e depois disso vou tirar minhas dúvidas’. O jogo terminou 4 a 1 com quatro do Azevedo. Quando foi em 2018 me reencontrei com ele no Ceará, os dois bem mais experientes, e falei ‘Naquele dia tu não tocou uma bola para mim’. Eu zoava ele demais” disse rindo. E voltou a relatar algumas situações com o técnico. “O PC eu tinha uma história de brigas e amor. Ele pegava muito no meu pé por causa do meu peso que oscilava muito, mas é um cara que sempre me deu oportunidade, sempre me botou para jogar”.
Fora dos gramados por um período por conta de lesão, o jogador aproveitou para resolver os problemas pessoais relacionados ao seu avô e o futebol perdeu a prioridade em sua vida.
“Realmente perdi o foco no futebol, fiz algumas coisas para esquecer outras e virou uma bola de neve. Quando voltei a jogar, não estava no meu melhor. Eu tinha 18 anos e não estava preparado para tudo o que aconteceu na minha vida”, afirma.
Após sua primeira saída do clube, aos 19 anos, Romário casou e se tornou pai de duas meninas. Amadurecido, queria retornar ao Ceará pois acreditava que estava pronto para fazer uma nova história no clube que o revelou. Nesse meio tempo, atuou por equipes brasileiras e do exterior retornando ao Brasil no fim de 2017, ano em que o Vovô havia subido para à elite do futebol brasileiro. O reinício com a camisa preta e branca foi empolgante, mas uma nova lesão voltava a atrapalhá-lo.
“Eu tinha uma proposta para a Tailândia e estava esperando a passagem de ano para ir, mas o Robinson de Castro me ligou antes do Natal e ele me chamou para voltar com três meses de contrato, podendo prorrogar para jogar a Série A se jogasse bem o Cearense. O salário era cinco vezes menos (do que ganharia na Tailândia. Meu pai e minha esposa foram contra, mas era um sonho meu de voltar ao Ceará e senti que era o momento, que estava preparado. Então aceitei”, contou. “Na minha primeira semana de treino eu estava muito bem e quando fui assinar meu contrato já não estava mais de três meses, mas de um ano. Na mesma semana teve um treino que saiu de 4 a 1 e eu marquei três gols. Dois dias depois rompi os ligamentos do joelho. Passei o ano inteiro machucado, voltei contra o Bahia (pela Série A de 2018)e não aguentei. Tive que fazer uma nova cirurgia e voltei somente em 2019. O treinador era o Lisca e não tive oportunidade com ele”.
Com 28 anos completos, Romário Rodrigues passou por seis cirurgias. Apendicite, duas operações no joelho direito e uma no esquerdo. Sabendo do prejuízo que as lesões e o tempo parado trouxeram à sua carreira, o cearense prefere olhar pelo positivo de tudo isso que passou e tirar aprendizado do sofrimento.
“Precisei fazer seis cirurgias. Isso é para um jogador é muito. Processo de recuperação, fisioterapia, volta.. não é fácil! Eu passei por isso seis vezes.”, lamentou. Hoje estou recuperado, mas não tem sido fácil. Meu corpo já não é mais o mesmo de quando eu tinha 18 anos, mas vejo que tudo isso foi importante para meu amadurecimento”.