Especial
Muito além das mortes: Controvérsias da Copa do Mundo no Catar são antigas
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Com a proximidade da Copa do Mundo no Catar e o início das Eliminatórias Europeias, movimentos pedindo boicote ao mundial estão surgindo no futebol.
A motivação pelos protestos foi uma reportagem divulgada pelo jornal inglês The Guardian em fevereiro deste ano, revelando as condições péssimas de trabalho dos engenheiros na construção dos estádios da Copa do Mundo. O jornal inglês revelou que direitos humanos foram constantemente desrespeitados e que houveram mais de 6500 mortes em onze anos no país por causa destas questões.
Essa questão chegou à Amnistia Internacional que criticou o país por deixar diversos trabalhadores à condições extremamente precárias de trabalho, enquanto o Catar se concentra para o evento ser uma potência econômica global após a pandemia.
Inclusive, a questão econômica parece ser a principal preocupação neste momento para o emir Tamim bin Hamad Al Thani e o primeiro-ministro Khalid ibn Khalifa ibn Abdul Aziz Al Thani, Com PIB total estimado em US$323 milhões em 2014, o governo absolutista teme que protestos e boicotes acabem afetando a retomada econômica.
Em 2017, países vizinhos importantes para fomentar o turismo local (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito) anunciaram fim de relações diplomáticas e comerciais com o Catar, causando uma queda de 60% na ocupação dos hotéis em um ano, de acordo com informações divulgadas pelo Bloomberg no ano seguinte.
Porém, em janeiro de 2021, todos os países citados anteriormente retomaram suas relações com o Catar principalmente pela necessidade econômica, provocando assim o esquecimento da acusação grave de que o governo catare financiasse grupos terroristas, uma acusação sempre negada pelos mandatários.
Controvérsias envolvendo o Catar são antigas
Apesar do mundo do futebol estar se manifestando agora, devemos analisar o contexto geral e puxar um histórico breve para evidenciar que as acusações feitas pelo jornal The Guardian não foram as primeiras controvérsias envolvendo o Catar, a Copa do Mundo, a corrupção e as questões precárias de trabalho. Há diversas questões controversas sendo publicadas há muito tempo.
Em 2015, uma equipe de quatro jornalistas da emissora inglesa BBC foram convidados pelo governo do Catar à visitar o país. Ao chegarem no local e produzirem reportagens denunciando a condição dos trabalhos no país, acabaram sendo presos e mantidos nesta condição por dois dias.
No mesmo ano, o The Wall Street Journal dos Estados Unidos revelou uma alegação da Confederação Sindical Internacional de que mais de 1.200 trabalhadores morreram enquanto trabalhavam em projetos de infraestrutura e imobiliários relacionados à Copa do Mundo, e a contra alegação do governo do Catar de que nenhum deles havia morrido.
A BBC, pouco tempo depois, revelou que este número frequentemente citado de 1.200 trabalhadores que morreram na construção da Copa do Mundo no Catar entre 2011 e 2013 não é correto, e que o número 1.200 representa, em vez disso, as mortes de todos os indianos e nepaleses que trabalham no Catar, não apenas de os trabalhadores envolvidos na preparação para a Copa do Mundo, e não apenas dos operários da construção civil. Ou seja, já havia um indicativo de que o número de mortos envolvidos com o mundial da FIFA era bem maior.
Em março de 2016, a Anistia Internacional acusou o Catar de usar trabalho forçado e forçar os funcionários a viver em más condições e reter seus salários e passaportes. A FIFA também foi acusada por não ter conseguido impedir que o estádio fosse construído com base em “violações dos direitos humanos”. Trabalhadores migrantes contaram à Amnistia sobre abusos verbais e ameaças que receberam após reclamarem de não terem sido pagos durante vários meses. Trabalhadores nepaleses tiveram até mesmo permissão para visitar suas famílias após o terremoto de 2015 no Nepal.
Em fevereiro de 2019, a Anistia Internacional questionou se seria capaz de concluir as reformas trabalhistas prometidas antes do início da Copa do Mundo, algo que foi apoiado pela FIFA. A Anistia Internacional acabou descobrindo que os abusos ainda estavam ocorrendo, apesar de o país ter tomado algumas medidas para melhorar os direitos trabalhistas.
Em maio de 2019, uma investigação do tabloide inglês Daily Mirror descobriu que alguns dos 28.000 trabalhadores nos estádios estavam recebendo 750 riais do Catar por mês, o que equivale à apenas R$1500 (na cotação atual) por mês. O governo local nunca deu explicações sobre as condições de trabalho no país.
As suspeitas quanto à compra de votos
O Catar também enfrentou uma pressão momentânea quando o ex-oficial de futebol, Mohammed bin Hammam, revelou detalhes utilizados pelo governo para garantir a candidatura. Um ex-funcionário da equipe de licitação do Catar alegou que vários funcionários africanos receberam US$ 1,5 milhão do Catar para a garantia de votos. Depois, as alegações foram retiradas, dizendo que foi coagido a a fazê-lo por funcionários de licitações do Catar.
Em março de 2014, foi descoberto que o ex-presidente da CONCACAF, Jack Warner, e sua família, receberam quase US$2 milhões (cerca de R$11.5 milhões na cotação atual) de uma empresa ligada à campanha de sucesso do Catar. O FBI ainda está investigando Warner e suas supostas ligações com a candidatura do Catar
Cinco dos seis principais patrocinadores da FIFA, Sony, Adidas, Visa, Hyundai e Coca-Cola, apelaram à FIFA para investigar as alegações, enquanto o jornal Sunday Times publicou alegações de suborno com base no vazamento de milhões de documentos secretos.
Na época, jim Boyce, vice-presidente da FIFA, declarou publicamente que apoiaria uma nova votação para encontrar um novo anfitrião se as alegações de corrupção fossem comprovadas. Porém, poucos meses depois das acusações, a A FIFA afirmou ter concluída uma “longa investigação” e lançou um relatório inocentando o Catar de qualquer problema.
A mobilização do futebol
Apesar das questões controversas serem antigas, o mundo do futebol começou a se mobilizar apenas neste momento, quando restam pouco mais de um ano para a realização da Copa do Mundo da FIFA no Catar, que está prevista para ser realizada em novembro e dezembro de 2022.
A primeira seleção que trouxe o debate para o mundo do futebol foi a Noruega. No dia 14 de março foi realizada uma reunião na Federação Norueguesa de Futebol para decidir quais seriam as manifestações que seriam realizadas para chamar atenção do mundo.
Logo na primeira rodada das Eliminatórias, Erling Haaland e todos os demais jogadores da seleção norueguesa vestiram uma camiseta branca antes do jogo contra Gilbaltrar, pedindo que o mundial não seja realizado no Catar. Além disso, um manifesto levantado pelos clubes locais, incluindo o Rosenborg BK (principal time do país) foi assinado pedindo mudança de postura da FIFA.
Em seguida, foi a vez da Dinamarca levantar uma petição para analisar as possibilidades da seleção não disputar a competição em caso de classificação, ressaltando inclusive que a FIFA estaria envolvida em esquemas de corrupção envolvendo o mundial no Catar, além de denunciar as condições precárias de diretos humanos no país. O assunto será discutido no parlamento caso haja 50 mil assinaturas até 8 de junho.
Na segunda rodada, mais duas seleções se juntaram à causa e deram força ao movimento: Alemanha e Holanda realizaram protestos durante as execuções dos hinos.
Na camiseta utilizada pelos jogadores da Noruega estava escrita a frase “Direitos humanos dentro e fora de campo”. Cada vez que mais seleções de juntam ao movimento, a camiseta é “atualizada” com uma lista de seleções que realizaram protestos seguido de um questionamento: “quem será o próximo?”
Nem todos estão na mesma direção
Assim como estamos vendo manifestações surgirem nas últimas semanas, o mundo do futebol também constatou nos últimos dias manifestações de personagens indicando que não estarão se envolvendo com a causa, ou que o timing para qualquer movimento realmente seja tardio.
Em entrevista para o Studio Voetbal, o agente Mino Raiola (um dos principais do futebol mundial) defendeu os jogadores que não quiserem se manifestar e estranhou que muita pressão esteja sendo colocada nos mesmos, acreditando que tudo esteja fazendo parte de movimentos políticos.
“Os jogadores ainda não decidem onde jogar futebol. Se você quiser usar os jogadores para isso, também precisa dar voz a eles sobre onde querem jogar futebol. Acho estranho colocarmos pressão sobre os jogadores e permitirmos que o jogo político seja feito pelos jogadores. Teria gostado muito mais se os jogadores tivessem começado uma ação sozinhos ou a título pessoal, em vez de terem de fazer uma declaração através de uma seleção nacional.”
Roberto Martínez, atual técnico da Bélgica, também falou sobre a situação e disse que o boicote não seria o cenário ideal, pois a Copa do Mundo poderá ser utilizada para que o mundo preste atenção nas ações do governo do Catar.
“É hora de enfrentar toda essa situação e boicotar a Copa não seria a solução. Sabemos que esta é uma grande oportunidade de colocar todos os olhos do mundo nos aspectos incorretos na sociedade. Graças a Copa do Mundo, o governo já se posicionou e agora estamos monitorando todas as instituições de direitos humanos.”
E agora?
Não há uma perspectiva sobre o que poderá ocorrer a seguir. As manifestações do futebol provavelmente darão uma pausa retorno das grandes ligas europeias e da Champions League na próxima semana e a Copa deve prosseguir normalmente, mas devemos ficar atento se haverá uma mudança de postura com o surgimento de novas investigações nos próximos meses. Com a proximidade do evento, a pressão poderá aumentar.
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