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Nasser Mohamed, primeiro catari a se assumir gay, desabafa: “Tenho medo do que vai acontecer quando a Copa acabar”
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O médico Nasser Mohamed, de 35 anos, afirma ser o primeiro homem catari a ter se assumido gay em público. Residindo a 11 anos nos Estados Unidos, onde teve segurança para assumir sua homossexualidade, Nasser trabalha e milita em defesa da comunidade LGBTQIA+. O ativista concedeu uma entrevista ao portal “GE”, no qual criticou a FIFA, o governo do Catar e até a falta de comprometimento do mundo do futebol na causa.
Na entrevista, Mohamed denunciou maus tratos e agressões contra a comunidade LGBTQIA+ no Catar e afirmou ter medo do que pode acontecer com essas pessoas ao fim da Copa do Mundo. As denúncias que fez para o GE foram mencionadas num relatório publicado pela ONG Human Rights Watch em outubro deste ano.
O documento tem seis casos de espancamentos graves e repetidos e cinco casos de assédio sexual sob custódia policial entre 2019 e 2022. As vítimas foram quatro mulheres trans, uma mulher bissexual e um homem gay. Na época, o governo do Catar afirmou que as denúncias eram falsas:
– O Catar não tolera a discriminação contra ninguém, e nossas políticas e procedimentos são marcados pelo compromisso com os direitos humanos para todos.
Seguem abaixo trechos da entrevista do portal “GE” com Nasser Mohamed:
GE: Como era sua vida no Catar?
Nasser Mohamed: — Desde que era mais jovem sabia que eu não me encaixava no país. Não era seguro. A comunidade LGBT do Catar ou ainda residente no Catar é perseguida mais severamente do que os visitantes. Até eu sair do Catar, mantive essa parte de mim escondida de todo mundo, incluindo da minha família, da qual sinto falta.
Como você foi parar nos Estados Unidos?
— Depois que terminei a faculdade de medicina em 2011, deixei o Catar e me mudei para os EUA para estudar. Pedi asilo político nos Estados Unidos porque estava preocupado em ser prejudicado se voltasse para o meu país. Falei para a minha família naquela época e eles cortaram contato comigo. Hoje moro em San Francisco. A perseguição à comunidade LGBT no Catar é mais do que apenas não te aceitarem. Eles acabam contigo.
Como você vê os temas da homofobia e de outras agressões aos direitos humanos sendo debatidos durante a Copa?
— Vejo que que o Catar está tentando projetar uma imagem que não existe ao sediar esta Copa do Mundo, de uma sociedade tolerante, mas nós sabemos que isso não é verdade. Por isso que eu decidi falar publicamente este ano. Primeiro, é uma ditadura autoritária. Não podemos expressar publicamente opiniões diferentes. É perigoso se organizar de qualquer maneira.
Em outros países vocês tampouco se sentem seguros?
— Quando saímos, há diferentes medos que sentimos. Um é sermos encontrados por nosso governo. Outro é ser encontrado por sua própria família ou por compatriotas, que podem te machucar para proteger sua “reputação e honra”. Quando eu passei pelo meu processo de exílio, foi difícil me afastar de todos.
Como você ajudou na elaboração do relatório da Human Rights Watch?
— Fazia alguns meses que eu estava tentando divulgar as informações de maneira clara e objetiva, não apenas dando opiniões. Então trabalhamos com provas documentais com a HRW. As pessoas só se sentiam confortáveis falando sob anonimato, sem mostrar o rosto.
Como se dá a perseguição a pessoas LGBTQIA+?
— Agentes do governo se infiltram tentando nos encontrar, entram em aplicativos de namoro, espionam empresas de telefone, investigam dados pessoais e perseguem os cataris que suspeitam ser LGBT. Existe um departamento ligado ao Ministério do Interior que faz isso.
As pessoas são presas?
— Não são presas porque não é uma prisão. Eles sequestram, simplesmente os pegam e desaparecem com eles. E os espancam. Eu vi as feridas, algumas dessas pessoas tinham e mostraram fotos. Eles têm cicatrizes profundas. Depois da violência, passam a submetê-los à “terapia da conversão” enquanto estão detidos.
Você descarta voltar ao Catar um dia?
— Eu tenho a chance de viver aqui (nos EUA). Não quero voltar porque as pessoas são torturadas, mortas.
O que você achou do pronunciamento do presidente da Fifa, Gianni Infantino, em que ele declarou que se sente gay, mulher, trabalhador imigrante?
— Eu fiquei muito irritado, porque é tão desrespeitoso. Se ele tivesse alguma empatia pela vida dessas pessoas, as ouviria. Ouviria o que eu estou falando para vocês agora. E não usaria uma analogia desdenhosa (Infantino disse que sofria bullying durante a infância, na Suíça, por ser ruivo).
Mesmo irritado com a Copa do Mundo, você criou o perfil Proud Maroons nas redes sociais, com pedidos para as pessoas torcerem e fazerem demonstrações de afeto.
— Estou tentando não sentir raiva, tentando passar outras mensagens. Mas o que realmente me preocupa é como vão nos tratar quando as câmeras forem apontadas para outro lado, quando todos vocês forem embora. Porque internamente eles já estão falando em “limpeza ocidental”. A situação vai piorar depois da Copa. Um dos meus principais objetivos é falar sobre isso.
Qual é o papel da religião em toda essa história?
— Diferentes pessoas LGBT do Catar têm diferentes afiliações religiosas, certo? Alguns são religiosos e radicais, alguns não são. Eu mesmo não sou muito religioso. Sabemos que pedir a um muçulmano que endosse e aceite totalmente as pessoas LGBT vai contra seu sistema de valores. Mas também é contra o sistema muçulmano sequestrar, torturar, abusar mentalmente, segregar famílias, fazer inspeções genitais à força, todas essas coisas não são islâmicas. Eles são feitos pelo regime e em segredo, nas sombras.
Há mais tolerância para quem é turista, para quem está no Catar para ver a Copa do Mundo?
— Sim, isso vale para visitantes e torcedores gays, não para os cataris. Eu não sou bem-vindo e não estaria seguro aí. Mas sei que não vão caçar pessoas durante a Copa.
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