Editorial

Racismo não é um problema apenas europeu; o Brasil também está devendo muito

Vinicius Jr. é a nova voz contra o racismo no mundo, mas estamos gritando contra os racistas lá de fora e esquecendo dos nossos.

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A Uefa, a revista France Football e mais de 100 jornalistas estão sendo fortemente criticados por não darem o prêmio Ballon D’or ao jogador brasileiro Vinicius Jr., atacante do Real Madrid. Imprensa, comentarista, influencer, população digital… Todos estão contra o resultado. Porém, o que nem todos lembram é que o Brasil também é um país muito racista, muito preconceituoso.

Em setembro deste ano, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, junto da CBF e da Nike, divulgou um levantamento sobre a diversidade no futebol brasileiro. “Objetivo de descrever o perfil dos principais atores do jogo e de se tornar um importante instrumento de combate ao racismo e outras formas de discriminação”, diz o documento em seus textos iniciais.

No documento, foi identificado um aumento de 38,7% nos casos de injúria racial no futebol brasileiro em 2023. O tipo de racismo mais recorrente é o direto, com 45,1% dos casos. E, por incrível que pareça, 53,9% acontecem nos estádios. Justamente o tipo de ataque racista que levou o nome de Vinicius Jr. às capas de jornais pelo mundo todo a partir de outubro de 2021 e, não vamos esquecer, o do ex-goleiro do Santos, Aranha, há exatos dez anos.

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Em 2014, parte dos cerca de 30 mil torcedores do Grêmio gritava “macaco”, “preto fedido”, entre outros modos de xingamento racista, todos em direção ao então goleiro do Santos. Mesmo após o Aranha se posicionar contra a atitude de alguns torcedores, o juiz preferiu não dar atenção ao problema e seguiu com a partida. Como atualmente o Vinicius Jr. faz na Europa, o goleiro, assim que terminou a partida, usou os microfones da imprensa para denunciar os casos de racismo. “Quando começou o corinho com sons de macaco, eu até pedi para o câmera filmar, eu fiquei puto. Quem joga aqui, sabe. Sempre tem racista no meio deles”, contou Aranha em entrevista na época.

Já em 2020, seis anos após aquele episódio, o ex-goleiro afirmou ter pagado com a própria carreira a atitude de denunciar o racismo. “Por mais que eu estivesse concentrado no jogo, aquilo não saiu da minha mente. Então, eu decidi tomar aquela decisão e não me arrependo. Paguei com a minha carreira? Paguei. Me arrependo? Não.”, comentou ele em uma entrevista a uma rádio. “Eu sabia que, se não tivessem provas, eu ia me ferrar, porque eu conheço o futebol. Eu sei como são as pessoas do futebol. Existe um pensamento racista na elite do futebol, dos cartolas. Eu sabia que teria consequência. Depois daquele ato, eu percebi uma má vontade comigo”, completou.

E é justamente essa “má vontade” que parece estar ligada ao Vinicius Jr. na Europa. Pelo que é possível enxergar, sua atitude de denunciar o racismo tem incomodado mais do que mudado a opinião das pessoas. Parece que querem calá-lo.

Lamine Yamal, um espanhol jogador do Barcelona, mas de origem marroquina (pai) e equato-guineense (mãe), sofreu ataques xenófobos e racistas em jogo recente contra o Real Madrid de Vinicius Jr. No dia seguinte, recebeu o prêmio Kopa, de melhor jovem. Mas, calma, ele ainda não entrou na briga contra o racismo e a votação já havia acontecido.

No levantamento feito Observatório da Discriminação Racial no Futebol, 21% dos participantes sofreram ofensas xenofóbicas, mas apenas 3% se predispuseram a denunciar algo sobre o tema. Aquilo que tem lá na Europa também tem no Brasil.

Vinicius Jr. não é espanhol. Vinicius Jr. é um negro retinto e brasileiro. E ele tem mostrado força contra um racismo que há na Europa, mas que também há por aqui, no Brasil. Esse racismo estrutural existe no mundo todo. Ou você acha que não há racismo na África do Sul, por exemplo, onde a população branca é de apenas 10% e a negra está em torno de 80%?

O nome de Nelson Mandela diz muito sobre a luta de um negro contra o racismo. Os brancos racistas tentaram calá-lo de todas as maneiras possíveis. Mário Lúcio Duarte Costa, o Aranha, foi calado sendo preterido por clubes de futebol, mesmo sendo um excelente goleiro, pelo simples fato de ter denunciado e entrado na briga contra o racismo no futebol brasileiro. Agora, Vinicius Jr. é o nome internacional contra o racismo, seja no futebol ou no mundo.

A voz de Vinicius Jr. pode se tornar ainda mais alta com a recusa da Uefa, da France Football e dos 100 jornalistas que participaram da votação. A voz dele já vem incomodando bastante. O Real Madrid optar por não comparecer à cerimônia do Ballon D’or deixou essa voz ainda mais alta. A imprensa e seus pares no esporte ajudaram a elevar a voz de Vinicius Jr. contra o racismo.

Vinicius Jr. não será calado! Ou será? Fica a dúvida de até quando o atual clube brigará por isso. Será que o atacante terá vida fácil se um dia decidir jogar em outro clube na Europa? No Brasil, qual clube “surfará” na onda do oba-oba apenas para ter uma boa imagem diante da imprensa e de patrocinadores?

No fim, estamos gritando contra os racistas lá de fora e esquecendo dos nossos. O que fica de lição é o quanto todos nós precisamos ser contra o racismo não apenas nas palavras, seja na roda de amigos ou nas redes sociais. É preciso ir além das notas de repúdio. Nós precisamos ter atitudes anti-racistas!

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