Em meados de fevereiro do presente ano, ainda antes dos eventos pandêmicos, a Nike lançava as linhas de tênis de corrida Alphafly e Vaporfly para serem usados nas Olímpiadas de Tóquio. Antes do evento ser postergado, a World Athletics (a Fifa do Atletismo) publicou novas regras a respeito dos tênis a serem usados em competições oficiais, proibindo a utilização de uma série de novas tecnologias que inviabilizaram um dos modelos da gigante do esporte. Um foi proibido e outro, por alguns centímetros de altura e pela espessura da palmilha, foi vetado.
O problema? Até onde o esporte deve ir DE ENCONTRO às novas tecnologias, e não AO ENCONTRO do auxílio à perfeição esportiva?
Muitas vezes, a prática do doping é relacionada ao uso de substâncias químicas que promovam alterações positivas no desempenho do atleta de alguma forma. Muito disso se deve ao fato do COI (Comitê Olímpico Internacional) tradicionalmente considerar como doping apenas grupos de substâncias enquadrados pela medicina como narcóticos, agentes anabolizantes, estimulantes, diuréticos e hormônios peptídicos e análogos. Aqui nas Olímpiadas do Rio 2016 foram exatamente essas regras utilizadas.
E agora que se tem o cerne da questão: tudo que está na norma proibitiva é evidentemente proibido. E o que não está, por consequência lógica, não é!
A não ser que uma palmilha de fibra de carbono seja considerada um “esteroide” para o meu calçado de corrida, não há o que se falar que exista legislação esportiva oficial sobre o doping tecnológico. O que se tem são federações se dedicando horrores para entender as novas tecnologias e jogar uma moeda para cima e decidir se são injustas as inovações ou não.
É claro que casos como uma bicicleta com um motor (isso realmente aconteceu) não precisam de nenhuma norma para que haja a caracterização de uma fraude e a consequente punição. Este não é o ponto.
E sim que, de fato, existe uma linha extremamente tênue entre o que é disruptivo no mundo das ferramentas que auxiliam a extrair o melhor do talento dos atletas e o que pode ser considerado um método injusto de ganho de performance. E, evidentemente, solução não é voltar para a Grécia e garantir todos correndo descalços pelo chão.
O único momento em que podemos invocar algo grego para esta questão é o conceito de “Justiça Aristotélica” em que, se garantirmos que, desde o atleta mais simples e sem patrocínio tenha acesso às mesmas tecnologias daquele seu par famoso patrocinado pela Nike e que irá dividir a raia durante a competição, estaremos tratando desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades e garantindo a igualdade.
Então, a questão vai muito mais a além da necessidade de atenção às novas tecnologias no esporte, e sim ao acesso destas para àqueles que a falta de condições para adquirir um tênis faz muito mais efeito em sua performance do que a garantia que o oponente não terá uma palmilha muito fina.