Na última semana, todo o país foi surpreendido com uma notícia bombástica. O Brasil sediará a Copa América, com início já no próximo final de semana, num domingo (8), com a Seleção Brasileira enfrentando a Venezuela no estádio Mané Garrincha. Inicialmente o país sede seria a Colômbia, mas, devido a tensão social e política vivida no país, a ideia foi rechaçada. Depois disso, a Argentina foi a indicada para sediar a competição em conjunto com algum outro país, porém também houve mudança de planos devido ao avanço da Covid-19 no país.
De acordo com o Governo Bolsonaro, o Brasil está em condições de receber a Copa América neste momento. Atualmente, o país continental é um os piores do mundo em relação ao combate à Covid-19, com 471 mil mortes e 16,8 milhões de casos, ao mesmo tempo que 10,8% de sua população foi vacinada. Neste cenário, a competição entre seleções do continente sul-americano acontecerá, com delegações de 12 países em quatro cidades: Brasília (Mané Garricha), Rio de Janeiro (Nilton Santos e Maracanã), Arena Pantanal (Cuiabá) e Olímpico (Goiânia).
A situação tem preocupado não só parte da população e da mídia, como também da própria Seleção Brasileira. Os jogadores e a comissão técnica de Tite já se mostraram desfavoráveis a realização da Copa América no Brasil e afirmaram que irão se posicionar na próxima terça-feira (8), após o confronto contra o Paraguai fora de casa pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022 no Catar. Existe a possibilidade dos atletas e do comando técnico boicotarem a competição continental e se recusarem a disputar o torneio.
Cada delegação deverá conter entre 40 e 60 pessoas, passando por hotéis, ônibus, aeroportos e estádios. Levando em consideração que serão 12 delegações hospedadas no Brasil, pelo ponto de vista sanitário, a realização da Copa América no país se torna consideravelmente perigoso pelo risco de contágio. De acordo com a médica geriatra e psiquiatra, Roberta França, a competição ser executada em solos brasileiros é algo ‘desnecessário e criminoso’.
A última coisa que nós precisaríamos no Brasil neste momento é uma Copa América, diante da situação absurda do nosso país enfrentando, inclusive, uma CPI de Covid, diante dos desmandos que nós tivemos em todas as esferas governamentais até aqui, com um número absurdo de mortos, com um número ainda crescente de mortos em vários estados do país. Uma Copa América neste momento, com jogadores de várias partes do mundo, delegações inteiras. Impossível não haver aglomeração, fica impraticável o distanciamento social e o uso de máscara, principalmente num esporte em que há uma exigência muito grande da corrida, do esforço físico, da respiração. É óbvio que a gente não consegue ver nenhum jogador capaz de jogar utilizando uma máscara e mesmo aqueles que estão no banco, raramente a gente vê usando máscara, assim como os treinadores. Enfim, é realmente um momento em que esse nível de circulação no país era absolutamente desnecessário e é criminoso uma Copa América na atual circunstância que estamos vivendo.
Apesar de todos os estudos já feitos sobre a Covid-19 e a descoberta da imunização da doença, ainda são várias dúvidas que o campo científico tem acerca do vírus, não podendo determinar uma limitação de desenvolvimento de variantes e sintomas. Roberta conta que não existe nenhum protocolo desenvolvido que seja inteiramente seguro para a realização da Copa América ou qualquer evento esportivo de grande porte.
— Eu desconheço até a presente data uma forma absolutamente segura de se fazer eventos grandiosos, seja a Copa América, seja a Copa do Mundo, seja as Olimpíadas. A gente sabe que por mais que a gente tente testar todo mundo, testar diariamente, as chances da contaminação são infinitamente maiores, nós não temos um volume de pessoas vacinadas grandemente, sabemos também que a vacinação não é impeditiva do paciente ter a Covid-19, o que ela faz é evitar as causas mais graves da doença, mas ainda assim, diante do contexto mundial, eu acho que fazer um evento dessa proporção é absolutamente impensável e desnecessário diante da situação que estamos vivendo. É uma pena nós termos, mais uma vez, a política passando por cima daquilo que é o mais importante do momento, que é a saúde das pessoas.
Desde o início da pandemia, diversos meios de prevenção e protocolos passaram bastante pelo campo da dedução sob os conhecimentos já adquiridos nos laboratórios, até que se chegasse em conclusões definitivas, como a utilização de álcool em gel, máscara e o distanciamento social, além da vacina. No entanto, existem situações lógicas, calculadas através de circunstâncias e estudos que permitem estimar probabilidades de contaminações acontecerem ou não.
Para uma Copa América acontecer no Brasil, de acordo com Roberta, seria necessário que 70% da população estivesse vacinada, 55% a mais da realidade de imunização do país atualmente.
— Eu acredito que no mundo inteiro, os eventos esportivos dessa monta só deveriam ser feitos após 70% da população daquele lugar ter sido efetivamente vacinada com as duas doses. Antes disso não há a segurança necessária para fazer eventos em que se exija uma aglomeração muito grande. Então, neste momento, principalmente num país como o nosso, que é continental, que não tem nem 15% da sua população vacinada, que temos cada dia mais dificuldades em relação a vacina, que nós temos um número enorme de primeira dose e pouquíssimo da segunda, onde a nossa estrutura de saúde é muito ruim, muito comprometida, desde sempre e agora mais escancarada com a Covid.
Eu acho inacreditável nós termos que estar discutindo aqui hoje essa questão da realização da Copa América, realmente é muito triste o que temos vivenciado no nosso país todos os dias e a gente que é da saúde quer estar batalhando todos os dias, está na linha de frente, só podemos lamentar e se perguntar até quando a gente vai suportar ficar nessa linha de frente enxugando gelo todos os dias, que é o que a gente está fazendo desde março de 2020.
Paralisação do calendário
Outra questão que tem sido levantada com relação a Copa América parte da ideia esportiva das convocações dos jogadores, que podem desfalcar suas equipes, já que o calendário de jogos do Brasileirão e Copa do Brasil não param durante a realização da competição de seleções.
Clubes em ascensão no cenário futebolístico brasileiro atual, como o Palmeiras (atual campeão da Libertadores e Copa do Brasil) e o Flamengo (atual campeão brasileiro) já se posicionaram favoráveis À paralisação do calendário durante a realização da Copa América. Já o o Atlético-MG, um dos postulantes ao título brasileiro, se posicionou a favor da continuidade dos jogos para que não se acumulem mais partidas depois dentro de um calendário que já é apertado.
A ex-presidente do Vasco, Sônia Andrade, disse ser favorável à paralisação do calendário durante a Copa América e explicou que o Brasil deveria focar em recepcionar as delegações e se dedicar inteiramente aquilo que o país se comprometeu a executar.
— Com a realização da Copa América, eu entendo que o Campeonato Brasileiro tem que parar sim, porque todas as vezes que temos qualquer evento internacional, a gente paralisa os campeonatos locais para dar lugar aos campeonatos internacionais. Nós vamos ter que recepcionar todas as delegações e proceder da forma como procedemos na época da Copa do Mundo, não tem coerência colocar dois campeonatos grandes sendo disputados em campos aonde o Brasileirão entra. Então, eu entendo que o procedimento tem que ser o mesmo que nós fizemos na época da Copa do Mundo, recepcionar a delegação internacional e dar lugar a Copa América, uma vez que o Brasil se responsabilizou pela sua realização. Eu acho que a marca do Brasil tem que ser de profissionalismo e competência.
Sônia fugiu da questão dos clubes se sentirem lesados por conta de convocações de jogadores enquanto estão em disputa de jogos importantes do Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil. Ela lembrou que muitos times serão beneficiados financeiramente por ceder local para treinamento e recepção das delegações.
— Com a suspensão do evento local, muitos clubes, com a Copa América, serão beneficiados. Exemplo: uma delegação internacional pode pedir que um determinado clube disponibilize o local de treinamento para que eles possam treinar, então isso vai acarretar para esse clube a entrada de uma receita que eles não estão esperando, uma vez que muitos clubes deixaram de arrecadar pela questão da pandemia. Então eu acho que alguns clubes serão até beneficiados com essa situação e vão até tirar da Copa América um proveito financeiro.
Em meio a tudo isso, a Copa América permanece, até esta data (05/08/2021) mantida para estrear no dia 8 de junho, em Brasília. O calendário da competição prevê jogos até o dia 10 de julho, quando haverá a final no Maracanã, com um mês e dois dias de torneio.
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