Exclusivo

Exclusiva ENM: jornalista Rodrigo Capelo reflete sobre clubes-empresa no Brasil e possível refundação do Cruzeiro

Publicado em

— Continua depois da publicidade —

Autor do livro “O Futebol Como Ele é”, Rodrigo Capelo se tornou, nos últimos anos, uma das figuras mais comentadas da mídia esportiva brasileira. Visto como “carrasco” por vários torcedores devido ao minucioso trabalho investigativo envolvendo as finanças dos clubes brasileiros, o jornalista ganhou notoriedade em 2019, quando foi uma das principais fontes na cobertura do escândalo de corrupção do Cruzeiro. Na televisão, seu trabalho pode ser visto no canal SporTV e, na internet, através de seu blog e redes sociais.

Especialista em negócios do esporte, Rodrigo concedeu uma entrevista exclusiva ao Esporte News Mundo, onde comentou a formação de clubes-empresa no Brasil, a possibilidade do Cruzeiro declarar falência, as consequências disso, e a necessidade do surgimento de uma nova liga de clubes no país.

O impacto das rescisões com técnicos nas finanças dos times

A alta rotatividade de técnicos no futebol brasileira causa um sério dano aos orçamentos das equipes brasileiras. Em momentos ruins, times de nosso país chegam a ter quatro, cinco comandantes em uma única temporada. Um exemplo desse problema é o Cruzeiro. Desde que demitiu Mano Menezes, em 2019, a Raposa já teve nove comandantes diferentes e acumulou multas por rescisões que custarão mais de R$10 milhões aos cofres celestes. A maior delas, envolvendo o próprio Mano, custará mais de três milhões ao clube. Na visão de Capelo, sem as informações nos balanços, é difícil medir o impacto dessas rescisões:

Publicidade

— Que os clubes brasileiros subestimam o estrago que esse troca troca de técnicos faz nas finanças, eu não tenho a menor dúvida. Todo mundo sabe que é dinheiro jogado fora mas continua fazendo porque a troca do técnico é o jeito mais rápido de dar respostas à torcida e à imprensa quando o time está mal dentro de campo. Eu não tenho uma medida para isso, você não tem no balanço financeiro, ou em qualquer outro tipo de documentação que o clube produz, uma linha que destaca quanto se perde com rescisões de técnicos. Mas, pelas notícias, a gente vai vendo, né? Dois milhões aqui, três milhões aqui, um milhão aqui… depende muito do acordo que se faz e do técnico em questão. Cada troca dessas gera uma perda considerável para clubes que já estão com dificuldades financeiras muito grandes.

O processo de falência do Cruzeiro

Desde que o Cruzeiro foi rebaixado para a Série B, em 2019, e foram reveladas as altas cifras que o clube deve à FIFA, uma possível declaração de falência e refundação do clube se tornou uma pauta muito debatida nos bastidores celestes. Empresários e dirigentes da Raposa, como Vittorio Medioli, ex-CEO cruzeirense, já abordaram a questão publicamente. Segundo Rodrigo, a questão é um pouco mais complicada do que parece:

Abrir falência não é um assunto exatamente fácil, porque quem abre falência são empresas, e o Cruzeiro é uma associação civil sem fins lucrativos. A opção que estaria aberta para o Cruzeiro nesse sentido seria a insolvência civil, que é menos vantajosa do que a falência. Basicamente, é um processo de de contar todas as dívidas, admitir que não tem nenhuma condição de pagá-las e entrar num processo de liquidação, vender todos os ativos, usar o valor pra pagar tanto quanto puder dos credores, e aí a diferença é que, no caso da falência, se você paga mais de 50% da dívida, os outros 50% você não vai ter mais cobranças adicionais, aquilo acabou, virou pó. Quando se trata da insolvência civil, mesmo que você pague mais do que 50%, o restante vai continuar sendo cobrado, e aquele fantasma, aquela sombra, continua ali atrapalhando a continuidade dos negócios.

O repórter também faz um alerta aos torcedores do time e reflete o seu futuro:

O que o torcedor do Cruzeiro precisa ter em mente é que nenhum desses processos – seja empresa para captar investimentos, falência ou recuperação judicial – é fácil, nenhum deles foi testado por clubes no Brasil e todos eles esbarram numa questão política, que é: os associados, os conselheiros, as pessoas que hoje são as donas formais do Cruzeiro, elas estão dispostas a deixar o clube? A perder o controle sobre o clube? Se a resposta for sim, acho que tem solução. Dá pra achar algum meio desses que, com todo o suporte jurídico necessário, você faz um processo para vender o Cruzeiro e dar um jeito nas dívidas. Se as pessoas que estão lá não quiserem abrir mão, quiserem apenas achar um investidor que traga o dinheiro mas que não comande, que não compre de fato o ativo, aí é uma fantasia que tá sendo vendida.

rodrigo capelo

No início de junho, após divulgar seu balanço anual das finanças dos times das Séries A e B, Capelo participou de um vídeo no canal oficial do Cruzeiro, onde detalhou a evolução do clube no período. Veja:

As mentiras envolvendo clubes-empresa no Brasil

— O clube empresa vai se tornar mais frequente no futebol brasileiro, eu aposto nisso. E quando a gente olha pra primeira divisão, já encontra dois clubes que tem a estrutura societária de uma empresa: Cuiabá e Red Bull Bragantino. Mas é importante não cair em algumas mentiras que são contadas em relação a esse assunto. A primeira é de que precisa de alguma mudança na legislação para permitir que essa essa migração aconteça. Não precisa. Tanto é que Cuiabá e Red Bull Bragantino já são empresas. Segunda, a de que se virar empresa terá melhor administração. Isto não é verdadeiro. Tem exemplos no mundo inteiro de clubes que são empresas e que são mal administrados, e você tem empresas de outros segmentos no próprio Brasil que são muito mal administradas. Terceira: se você quiser ser campeão de alguma coisa, ter bom resultado esportivo, precisa virar empresa. Também é falso. Você tem em outros mercados clubes que viraram empresas, fizeram essa migração e não conseguiram ganhar mais partidas e títulos porque não tinham capacidade de investimento de arrecadação para isso, não tinha dinheiro; e você tem clubes que são associações e são muito vitoriosos, vide Real Madrid e Barcelona. Então, o importante é saber que, nessa história de clube empresa, tem muito lobby, tem muita narrativa, tem muita falácia. O torcedor precisa ficar atento, porque pode ser uma solução para algumas questões mas não é uma varinha mágica que vai resolver todos os problemas do futebol brasileiro de uma vez.

A formação de uma nova liga de clubes

Ao ser perguntado se a transformação de grandes clubes brasileiros em empresas poderia aumentar as chances dessas equipes quererem assumir as rédeas do Campeonato Brasileiro, o repórter foi enfático quanto à importância do assunto:

A liga é uma pauta urgente. Os clubes aqui no Brasil precisam sentar todos na mesma mesa para defender interesses comuns. Ainda mais em um cenário de crise, como é o atual. Isso inclui centralização dos direitos de transmissão, da venda e da distribuição do dinheiro, isso inclui reformulação do calendário e inclui fair-play financeiro. São três pautas importantíssimas que os clubes podem levar adiante se estiverem unidos, e a liga é a materialização disso. Então, eu acredito na na liga como uma ferramenta pra fazer essas reformas urgentes acontecerem. Aí, em relação a isso, a empresa, não tem um vínculo claro entre um assunto e outro.

Clique para comentar

As mais acessadas

Sair da versão mobile