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A torcida esperava um posicionamento claro. A maior parte dos clubes da Libra se manifestou. A Conmebol foi cobrada. Mas o Flamengo, gigante dentro e fora de campo, preferiu seguir outro caminho. Nesta quinta-feira (20), o clube optou por não assinar a nota de repúdio da Libra contra as declarações de Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol, que usou a expressão “Tarzan sem Chita” ao se referir à ausência dos clubes brasileiros na Libertadores. A frase, interpretada como racista por muitos, causou enorme repercussão — e abriu um novo capítulo na relação entre clubes, instituições e combate ao preconceito.
A frase que acendeu o debate
Tudo começou após o sorteio da fase de grupos da Copa Libertadores. Domínguez, ao ser questionado sobre um possível boicote dos clubes brasileiros por conta de episódios recorrentes de racismo nas competições sul-americanas, respondeu:
“A Libertadores sem os clubes do Brasil seria como Tarzan sem Chita.”
A analogia foi vista como uma comparação racista, que evoca estereótipos históricos que desumanizam pessoas negras. O termo “Chita” — o nome da macaca do clássico personagem Tarzan — gerou revolta nas redes sociais e nos bastidores do futebol.
Libra reage; Flamengo se abstém
Em resposta, a Libra, que reúne 17 clubes brasileiros, publicou uma nota firme de repúdio, afirmando que a fala “traz à tona o evidente preconceito enraizado no ambiente do futebol” e “perpetua a desumanização de pessoas negras”. Todos os principais clubes da liga assinaram. Menos o Flamengo.
A ausência do clube carioca causou surpresa e estranhamento, principalmente por sua relevância e pela força de sua torcida, historicamente engajada em pautas sociais.
A justificativa do Flamengo
Diante da pressão, o clube emitiu um comunicado oficial. Em vez de condenar diretamente a fala de Domínguez, o Flamengo reforçou seu compromisso com o combate ao racismo, mas justificou que as relações institucionais com a Conmebol deveriam ser conduzidas pela CBF. Segundo o texto:
“O Flamengo reafirma seu compromisso no combate estrutural ao racismo no futebol e na sociedade. No entanto, entendemos que essas relações institucionais devam ser tratadas pela CBF, representante oficial dos clubes brasileiros.”
O clube também citou a criação de um manual interno de combate ao racismo e a inclusão de uma cláusula antirracismo em seu estatuto — iniciativas importantes, mas que, para muitos, não substituem o peso de uma manifestação pública e imediata.
Repercussão negativa e cobrança pública
A decisão do Flamengo não passou em branco. O jornalista Danilo Lavieri, do UOL, classificou a atitude como “inacreditável” e criticou a omissão do clube:
“Não há argumento aceitável para não se posicionar diante de uma fala com esse teor.”
Nas redes sociais, torcedores e influenciadores cobraram uma postura mais firme. Para muitos, se calar também é uma forma de posicionamento, principalmente quando o restante dos clubes se une em torno de uma causa tão urgente.
Racismo no futebol: um problema crônico
O caso expõe mais uma vez como o racismo ainda é um problema estruturante no futebol sul-americano. Insultos racistas, gestos de torcida, ataques virtuais e agora falas institucionais — o problema vai muito além das quatro linhas. E a cobrança por respostas claras, rápidas e firmes é cada vez maior.
Domínguez, após a repercussão negativa, pediu desculpas públicas. Mas o dano já estava feito. O episódio deixou um gosto amargo e um sinal de alerta para todos que fazem parte do ecossistema do futebol.
Silêncio estratégico ou erro de leitura?
Ao não assinar a nota, o Flamengo pode ter buscado preservar relações com a Conmebol e seguir o caminho institucional por meio da CBF. Mas, num momento em que o debate racial exige posturas corajosas, essa escolha pode custar caro em imagem e confiança.
O clube que tantas vezes foi pioneiro em campo agora é cobrado por liderar também nas lutas sociais. E talvez, nesse jogo, o placar não dependa só de troféus.
