Para o especial #Maraca70ENM, o historiador Luiz Antonio Simas, fala sobre seu mais novo livro “Maracanã: Uma Biografia”, que a pandemia retardou o lançamento, pela editora Mórula Editoria. Na obra, Simas debruça-se durante quatro anos com muitas pesquisas que vão desde a divergências de escolha onde o estádio ia ser construído, até as mudanças pós-reforma para a Copa de 2014.
Para o Portal Esporte News Mundo, o autor dá detalhes sobre a produção.
Eu tomo o Maracanã como um sintoma para pensar o Brasil e todos os seus dilemas.
Portal Esporte News Mundo – Qual é a sua intensão com a Biografia do Maraca?
Luiz Antonio Simas – A minha intenção não é contar uma história factual, cronológica e que fale das coisas que aconteceram lá Maracanã. É evidente que eu faço isso. Mas eu tomo o Maracanã como um sintoma para pensar o Brasil e todos os seus dilemas. O futebol é tão relevante para a nossa história que me parece normal que a gente pense o Brasil a partir do futebol e pense o futebol a partir do Brasil. O futebol é um tema transversal na formação cultural brasileira e sendo assim ele dialoga com a arte, com a cultura de uma forma geral, ele dialoga com a música, ele dialoga com a politica e o Maracanã tem essa de centralidade.
Portal ENM – Nesses 70 anos qual a importância tem o Maracanã na sociedade carioca?
Simas – O Maracanã que está fazendo 70 anos é um marco para a história do Rio de Janeiro, mas também é um marco para a construção de sociabilidade na cidade do Rio de Janeiro. O Maracanã quando foi construído ele foi pensado a partir da ideia de um estádio monumental que inclui-se a cidade inteira. Eu costumo dizer que o Maracanã foi inclusivo ainda que não tenha sido igualitário, porque ele foi pensado com a perspectiva de separar os setores mais populares, no caso a Geral da arquibancada. Um setor por tanto que tinha um perfil mas ligada a classe média, classe média baixa também das cadeiras emfim que você assistia ao jogo com um pouco mais de conforto. Cadeiras cativas que é a parte nobre do estádio e as antigas cadeiras azuis, onde você tinha ali o seu lugar. Ainda que eu ache que as cadeiras azuis não fosse um lugar bom para você ver o jogo. Mas havia mais conforto do que na Geral e na arquibancada evidentemente. Então o Maracanã foi pensado desta forma.
ENM – Mas qual o espaço que ele ocupa no imaginário carioca?
Simas – Foi um estádio no final das contas que ocupou um espaço no imaginário da cidade do Rio de Janeiro como uma cidade que incluía, ainda que tenha essas contradições que eu já apontei (a Geral está ali, a arquibancada, as cadeiras, e tal). Mas esse espaço de construção de sociabilidade em um Maracanã como simbolismo de ponto de encontro dos cariocas com a cidade do Rio de Janeiro é muito forte.
Falavam de fantasmas de Jesuítas e de Franciscano que apareciam de madrugada e e ficavam brincando de roda em torno de uma pilastra.
ENM – É verdade a história que os funcionários que trabalharam na construção do estádio viam fantasmas?
Simas – A gente têm nas diversas histórias contadas sobre a construção do Maracanã. Relatos de que alguns operários chegaram a ver “fantasminhas”. Falavam de fantasmas de Jesuítas e de Franciscano que apareciam de madrugada e ficavam brincando de roda em torno de uma pilastra. Na verdade, a construção do estádio tem a toda uma mitologia.
ENM – O que existia antes naquela região?
Simas – Antes do estádio ser construído aquela região teve uma história relativamente longa. Uma área marcada pela existência de um rio: O rio maracanã. O nome provavelmente vem de uma maritaca, uma especia de periquito: o periquito maracanã. E o que se diz é que havia muitos nas proximidades do rio. A área pertenceu aos jesuítas, a Companhia de Jesus. Ganhou uma relevância maior quando a Corte de Don João chegou ao Rio em 1808, porque Don João foi morar relativamente perto na Quinta da Boa Vista.
Depois passou a pertencer a particulares até que foi negociada com o Derby Club (lugar das corridas de cavalo), no final do século XIX . Em um momento em que as corridas de cavalo tinham virado uma espécie de paixão dos cariocas ao lado do remo. Por volta de 1920 aquela região foi negociada com a Prefeitura, que em troca, cedeu um terreno as margens da Lagoa Rodrigues de Freitas, onde hoje é o Jockey Club Brasileiro. E aquela região do Maracanã ficou abandonada servindo até como depósito de carros do Exército. Até que finalmente a área foi escolhida para sediar o estádio que seria o grande marco da participação do Brasil na Copa do Mundo de 1950.
ENM – Houve controvérsias na construção do estádio naquela região?
Simas – A escolha da área para a construção do estádio para a Copa de 50, mas importante fosse aquela. Gerou controvérsias, porque desde do Governo de Getúlio Vargas, na década de 30 já havia a ideia de se construir um estádio monumental no Rio de Janeiro. Quando se define que o Brasil ia sediar a Copa do Mundo, a ideia de um estádio que ficasse na Capital Federal ganhou força. Havia quem achasse que isso pudesse ser resolvido com a reforma de São Januário, o estádio do Vasco da Gama, mas prevaleceu a ideia que um estadio novo deveria ser construído.
A partir dai houve muita polêmica, porque exemplo o Carlos Lacerda era vereador e ele defendia que o estádio fosse construído na Baixada de Jacarepaguá, e não na região do Maracanã.
ENM – Quem foi que defendeu a construção do estádio ali onde ele foi construído?
Simas – Ary Barroso grande compositor e também vereador foi um defensor ardoroso que o estádio fosse construído onde ele está hoje. Mario Filho, que era dono do Jornal dos Sports, foi um entusiasta da construção do estadio ali. Tanto para um quanto para outro o ponto que o estádio foi construído é um ponto central da cidade. É a entrada da zona norte com a saída da Presidente Vargas para você chegar ao Centro da Cidade. É perto da zona sul. Foi levado em consideração a proximidade com a estação de trem que tem ali.
As primeiras Peladas jogadas no gramado do Maracanã é pelos próprios operários da construção.
ENM – E o primeiro jogo oficial ?
Simas – O estádio é oficialmente inaugurado entre um jogo da seleção de jogadores do Rio contra a de São Paulo, mas as primeiras Peladas jogadas no gramado do Maracanã é pelos próprios operários da construção. Era uma especie de lazer para eles que estavam trabalhando de maneira exaustiva.
Olha não deu para concluir o estádio e vamos que vamos.
ENM – O estádio para a Copa de 50 não é entregue com as suas obras concluídas?
Simas – A Copa do Mundo começa com as obras não acabadas e isso até o próprio Comitê da Copa admitia: Olha não deu para concluir o estádio e vamos que vamos.
ENM – E a importância da Geral?
Simas – A Geral é um espaço muito curioso para a performance do torcedor. Os geraldino criaram um mode de torcer e de se aproximar ao jogo de uma maneira muito peculiar. Para o geraldino ver o jogo ligado as questões táticas, era o que mesmo importava, na verdade. Até porque a Geral ficava muito exposto era comum que o pessoal jogasse da arquibancada bebidas de cerveja a urina, porque era um espaço sem proteção, precário do ponto de vista de quem quisesse ver o jogo já que ficava no nível do campo. Mas participar de alguma maneira daquela festa, daquele evento se apropriar de um território precário como era a Geral, para transformar em uma outra perspectiva isso era muito interessante.
ENM – E como ficou com o final da Geral?
Simas – O final da Geral está muito ligado a um processo de elitização do futebol no Brasil que também acompanha, o que acontece no mundo inteiro e que vem com a Premier Legue na Inglaterra. Dentro desta elitização o torcedor vai perdendo espaço para o consumidor, onde os estádios vão se transformado em uma arena multiuso. A finalidade do estádio deixa de ser inclusiva e passa ser vista de uma outra perspectiva pela circulação de capital que vai envolver o futebol como grande negócio. Então isso vai evidentemente tirando do estádio, aquela sujeito que não tinha o poder de compra. Quando você acaba com a Geral você quer acabar com o geraldino e priorizar aquele consumidor em potencial.
Copa de 2014 é uma Copa que já enxerga o torcedor pela ótica do consumo e o futebol pela ótica do produto.
ENM – E a diferença do estádio para a Copa de 50 para o da Copa de 2014?
Simas – A diferença é a expectativa que o estadio tem ao publico e ao que ele pretende, nós tivemos um estádio na Copa de 50 construído na lógica da inclusão, ainda que seja aquela inclusão mão igualitária e a Copa de 2014 é uma Copa que já enxerga o torcedor pela ótica do consumo e o futebol pela ótica do produto. O que faz toda a diferença na configuração do estádio.
Durante esse dia o ENM está com uma série de matérias especiais sobre o aniversário de 70 anos do Maracanã.