A semana foi marcada pelas respostas do governo japonês e do Comitê Olímpico Internacional ao jornal inglês ‘The Times’, que negaram a possibilidade de cancelamento das Olimpíadas de Tóquio após o periódico afirmar que o governo nipônico estaria decidido a cancelar o evento marcado para julho deste ano.
Dúvidas nos bastidores a parte, é importante que os Jogos Olímpicos de Tóquio aconteçam em 2021. Ainda que o preparo por parte dos atletas não seja o ideal, ainda que os protocolos de segurança afastem o público das arenas, ainda que a pandemia continue em curso. A gente que habita este planeta precisa de cenas que suscitem esperança, urgentemente. Na maior crise de saúde dos últimos cem anos, muitos cidadãos do mundo têm merecido o tão sonhado ouro olímpico.
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Porque resistem, lutam, enfrentam os maiores desafios e, só por acordar no dia seguinte e seguir em frente, os superam. Bem como um campeão ou uma campeã olímpica o faz. Assistir aos jogos olímpicos em plena pandemia seria o reencontro de cada profissional de saúde, prestadores de serviço e cuidadores em geral com sua força interior.
Afinal, se os atletas superam recordes essas pessoas superam limites. Nunca houve tanta proximidade entre as agruras de ser atleta profissional e ser humano como atualmente. Usar máscara em transporte público lotado é quase a apneia do nado artístico. Higienizar tudo que chega da rua tão bem quanto a vassourinha do curling. Correr contra o tempo para salvar vidas e produzir uma vacina mais rápido que o Bolt.
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Se o presente parece denso, sem muitas alternativas à vista, a história olímpica mostra a direção. Cidade do México, 1968. Localizada a 2.240 metros do nível do mar, a capital mexicana e seu ar rarefeito beneficiaram os atletas das provas de saltos e velocidade, devido à menor resistência do ar. Muitos recordes foram quebrados à época. Porém, a escassez de oxigênio em decorrência da elevada altitude deixou os maratonistas extenuados. Ao longo dos mais de 42km, 18 dos 75 participantes abandonaram a prova no meio do percurso por sentir fortes cãibras.
Após 2h20min26s, o etíope Mamo Wolde foi o primeiro a cruzar a linha de chegada. À medida que o anoitecer e os demais corredores chegavam, uma cena chamou a atenção de todos. O tanzaniano e campeão africano John Akhwari, tendo superado o próprio Wolde meses antes, escoltado pelos batedores, com um dos joelhos enfaixado, mancando bastante na escuridão do entardecer da Cidade do México. Próximo ao quilômetro 19, Akhwari havia sofrido um golpe acidental em decorrência de tentativas de ultrapassagem. A queda lesionara joelho, ombro e cabeça do atleta.
Apesar da dor, das cãibras e da última colocação na prova, ele continuou. Enquanto Wolde recebia a medalha de ouro e boa parte do público no Estádio Olímpico Universitário havia ido embora, Akhwari surgiu na pista de corrida pelo túnel central. A cena surpreendeu todos presentes, que o aplaudiram de pé até cruzar a linha de chegada.
Uma cena história, em solo latino-americano, com sangue africano, que entrou para os anais da história olímpica moderna.
Perguntado sobre o que havia o mantido na prova, Akhwari respondeu:
O diretor e documentarista estadunidense Bud Greenspan, autor do filme sobre Jesse Owens (Jesse Owens Returns to Berlin, de 1966), fez o seguinte comentário sobre o feito de John Stephen Akhwari:
Justamente por esse motivo que os Jogos Olímpicos devem acontecer em 2021. Com as tecnologias da informação que existem hoje, histórias como as de Akhwari e tantas outras poderiam se espalhar pelos quatro cantos do mundo e reencontrar jornadas cotidianas similares, gerando identificação. Em tempos onde os verdadeiros heróis na batalha contra o vírus, pela vida, sequer ganham medalhas, quiçá pódio.