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Para a psicóloga Airini Bruna, afastamento de ‘gla1ve’ liga um alerta: “Estar no topo não significa estar feliz”
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Uma notícia pegou o mundo dos e-Sports de surpresa nesta semana. Na terça-feira (19 de maio), Lukas ‘gla1ve’ Rossander, capitão da Astralis, equipe na primeira colocação do ranking mundial de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO), anunciou que está se afastando por três meses para cuidar da saúde mental. O jogador comunicou que estava com sintomas de estresse e Burnout, por isso decidiu pelo afastamento.
Em entrevista ao Esporte News Mundo, a psicóloga do esporte Airini Bruna Paulo, comentou sobre a decisão de ‘gla1ve’ e quais podem ter sido as motivações. Ela também acredita que o afastamento do jogador de 24 anos passa uma mensagem importante para toda a comunidade de jogos eletrônicos.
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“Imagino que ele já estava sentindo esses sintomas do esgotamento há muito tempo, mas por conta dos campeonatos, estava tentando lidar da forma menos desgastante possível. Mas, quando um atleta enfrenta a síndrome do Burnout, a melhor saída realmente é parar por um tempo para descansar e reavaliar suas pretensões para o futuro. A principal mensagem, no meu ponto de vista, é de que estar no topo não significa que você está feliz, satisfeito e com a saúde mental em dia. Além disso, essa situação mostra ao público o peso que os atletas sentem em manter o rendimento do time, que hoje é a maior referência que temos quando pensamos em uma equipe de CS:GO”, disse Airini Bruna.
“Quando falamos da síndrome do Burnout, a principal causa é justamente esgotamento que aparece através de esforços frequentes. Sendo assim, é difícil identificar qual excesso que acabou gerando isso no gla1ve, porque cada atleta tem uma reação diante do mesmo estímulo/situação. Pode ter sido em relação a rotina de treino, a cobrança interna que ele fazia, pressão por resultado. É algo muito pessoal”, continuou.
Airini Bruna possui experiência no mundo dos jogos eletrônicos, e atualmente trabalha com as equipes brasileiras de CS:GO da W7M Gaming e Team Reapers, e de League of Legends (LoL) da Redemption. Para a profissional, muitos fatores podem ser responsáveis para os jogadores atingirem um nível de estresse alto, e é importante que as organizações estejam atentas à saúde de seus atletas.
“Estar no topo exige um comprometimento muito grande dentro e fora de jogo, porque você tem uma rotina a ser seguida. Outro fator que acaba agravando a situação é que os atletas têm que abrir mão de muitos aspectos da vida pessoal (ficar longe da família, amigos, namorada, etc.) para se dedicar aos compromissos do time e aos campeonatos. Sempre admirei muito a Astralis pela quantidade de profissionais envolvidos com o time e pela estrutura oferecida aos jogadores. O posicionamento que eles tiveram sobre essa situação do ‘gla1ve’ só fez com que a admiração aumentasse. Eles demonstraram uma grande preocupação com relação a saúde mental dos jogadores”, explicou a profissional.
Airini também acredita que as pessoas estão passando a desconstruir a imagem de que jogos eletrônicos são apenas uma diversão e estão se tornando também uma profissão. Além disso, as organizações estão se preocupando cada vez mais com a saúde dos jogadores.
“A visão de que os esportes eletrônicos ainda sejam ‘joguinhos’ é uma visão mais do senso comum e de quem não está inserido dentro desse contexto. Mas sinto que isso é algo que vem se desconstruindo aos poucos, ainda mais pelo fato de muitas competições serem transmitidas em canais de televisão. Sinto que as organizações brasileiras de times de e-Sports, de uns dois anos para cá, passaram a ter uma noção maior de que o acompanhamento com um profissional de psicologia no time pode auxiliar em diversas questões”, afirmou.
Confira outros trechos da entrevista com a psicóloga Airini Bruna:
Esporte News Mundo: No ano passado, Christopher ‘GeT_RiGhT’ Alesund, atualmente na Dignitas, também revelou que estava se cuidando com terapeuta e procurando formas de controlar a ansiedade, pressão e nervosismo. Ele chegou a dizer que essa seria a “maldição de ser GeT_RiGhT”. Ter dois jogadores do mais alto nível de CS:GO expondo tal situação é um alerta grave para o cenário de e-Sports?
Airini Bruna: Sim, sem dúvidas. E espero que após esse acontecimento, as organizações passem a ter uma maior consciência sobre a importância da saúde mental de seus jogadores, assim como enxergar que é muito importante ter alguém na comissão técnica para acompanhar e auxiliar seus atletas a lidarem com as questões que o cenário competitivo proporciona aos jogadores: pressão por resultados, ansiedade pré-jogo, cobranças, fãs, etc.
ENM: Pensando de uma forma mais geral, qual a importância do trabalho dos psicólogos com jogadores profissionais de e-Sports?
AB: O psicólogo auxilia em diversas questões, mas a maior parte realmente é ligada com a manutenção do desempenho dos atletas e do time. Também somos responsáveis por desenvolver junto com os atletas as habilidades psicológicas que são necessárias para o tipo de jogo, por exemplo, algumas modalidades podem exigir um nível de atenção maior, outras podem exigir um nível de tomada de decisão, resposta rápida, e assim vai. Além disso, o psicólogo também auxilia em conflitos – tanto individuais, quanto em grupo.
ENM: Como que você procura trabalhar com os jogadores das equipes W7M Gaming, Team Reapers e Redemption?
AB: Eu costumo dividir o meu trabalho de duas formas: atendimentos individuais e atendimentos em grupo.
No individual eu consigo explorar, compreender e auxiliar nas dificuldades individuais que o atleta tem. É importante ressaltar que cada atleta tem uma personalidade e sua própria forma de lidar com as coisas, por isso, o problema varia muito de um para outro. E é nesse momento que exploramos esses problemas e tentamos desenvolver as habilidades necessárias.
Nos atendimentos em grupo, auxilio nas dificuldades que a equipe está enfrentando enquanto grupo. Por exemplo, o time pode apresentar dificuldades em se comunicar dentro do jogo, de conseguir realizar bons treinos, etc. E assim, no atendimento conseguimos conversar sobre o problema e fazer atividades que auxiliem os atletas a encontrar uma solução.
ENM: Como uma profissional da área da psicologia, que mensagem você pode dar às pessoas que estão envolvidas com os e-Sports, sobre aliar rendimento e saúde mental?
AB: É muito importante proporcionar um ambiente para os jogadores onde eles possam ser acompanhados todos os dias, e também um espaço onde eles possam se sentir ouvidos. Ter uma comissão técnica engajada auxilia muito nesse processo, porque assim todos têm consciência do que está acontecendo com cada jogador e com o time. Acho válido ressaltar que a presença do psicólogo dentro dos times não irá impedir de que algum atleta chegue ao Burnout, mas a ausência pode tornar o processo muito mais complicado de lidar. Ressalto também para os jogadores a importância de falar o que pensam e o que sentem, porque sinto que ainda existe resistência por parte de algumas pessoas do cenário de encarar o psicólogo como uma figura que possa ajudar nas questões do time. Por isso, é importante que estejam abertos para receber ajuda.