Na manhã desta sexta-feira (24), Sérgio Moro, agora ex-Ministro da Justiça, convocou uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto para oficializar sua saída do Ministério após a retirada de Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal.
Moro começou seu discurso lamentando a necessidade da reunião em meio a uma pandemia. E, de forma subentendida, comparou o governo atual ao passado:
“Mudou-se o patamar de combate a corrupção no país. É claro, existe muito ainda esse efeito mas, aquela grande corrupção que em geral era impune, esse cenário foi modificado. Em 2014, na Lava-Jato, tinha-se uma preocupação constante de uma interferência do executivo na investigação. E isso poderia ser feito de diversas formas: Troca do diretor-geral, troca do superintendente, etc. Enfim, foi garantida a autonomia da Polícia Federal durante esses trabalhos. É certo que o governo a época tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção, mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF para que fosse possível realizar esse trabalho. Seja de bom grado ou pela pressão da sociedade, essa autonomia foi mantida”.
Moro seguiu mostrando resultados do Ministério da Justiça no combate a violência e crimes organizados no país. Inclusive, em dado momento, chegou a comentar sobre a chamada motivacional do início do governo no Ministério da Justiça, que era “Faça a coisa certa sempre”.
O ex-juiz federal, em continuação de sua declaração, disse que Bolsonaro havia lhe dado “carta branca”. Porém, desde o o segundo semestre de 2019, o presidente vinha com a insistência de trocar o comando da Polícia Federal. A troca inicial era por um superintendente da PF do Rio de Janeiro. Ao olhar de Moro, não havia motivos para a troca. Mas, em conversas com o próprio, o mesmo disse que tinha o interesse de sair por motivos pessoais. Sendo assim, o pedido foi concordado pelo Ministro fazendo uma substituição técnica no cargo.
Após essa troca, Jair Bolsonaro teria começado a insistir na troca do comando geral. Moro disse que nunca teve problema com trocas desde que houvesse motivos para isso:
“Eu sempre disse ao presidente que não tenho nenhum problema em trocar o diretor geral da Polícia Federal, mas eu preciso de uma causa. Uma causa geralmente relacionada à uma insuficiência de desempenho, um erro grave. Porém, tudo que eu vi durante todo esse período, até pelo histórico do diretor geral, era um trabalho bem feito. Não é questão de nome. Existem outros bons nomes para assumir o cargo, outros delegados igualmente competentes. O grande problema dessa troca seria uma violação de uma promessa que me foi feita, de que eu teria carta branca. Em segundo lugar não haveria uma causa para essa substituição e ficaria claro que estaria havendo uma intervenção política na Polícia Federal”.
Moro disse que isso quebraria a credibilidade do governo, do compromisso com a lei e nas efetividades da PF. O mesmo citou que isso não aconteceu nem durante a Lava-Jato, na qual a operação desmascarava enormes crimes de corrupção. O ex-Ministro disse também que o maior dos problemas seria que não apenas haveria a troca do comando geral, mas sim, de outros diversos cargos espalhados pelo país – como, por exemplo, uma nova troca na superintendência do Rio de Janeiro. Todas essas sem causa explícita.
“Conversei com o presidente e houve essa insistência. Falei que seria um interferência política e ele disse que seria mesmo. Disse que teria um grande impacto a todos e seria negativo. Mas, para evitar uma crise durante uma pandemia, eu sinalizei para substituir o Valeixo por alguém que representasse a continuidade dos trabalhos e que fosse uma sugestão não só minha mas da própria Polícia Federal. Eu sinalizei pelo nome do Disney Rosseti. Fiz essa sinalização mas não obtive resposta. O presidente tem a preferencia por outros nomes, que seriam da indicação deles, mas não sei qual seria a escolha. Foi ventilado o nome de um delegado que passou mais tempo no congresso do que na ativa da PF. Mas o grande problema não é quem botar, mas sim, por que trocar?”.
Sérgio Moro, após esse questionamento, expôs que Bolsonaro tinha interesse na troca dos comandos para que obtivesse informação de investigações:
“O presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, para que ele pudesse ligar, colher informações, relatórios de inteligência. Seja o diretor, superintendente. E realmente, não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações precisam ser preservadas. Imagina se, durante a Lava-Jato, o Ministro, o Diretor de Geral, a ex-presidente Dilma, o ex-presidente Luiz, ficassem ligando pro superintendente em Curitiba pra colher informações das investigações em andamento?”.
Passado isso, Moro disse que essa decisão seria uma sinalização de que Bolsonaro poderia não o querer mais no cargo. Disse que teve outras divergências com o presidente, não as citando, mas que também teve outras diversas convergências. Moro anunciou a tomada de decisão dizendo que não tinha como aceitar esse posicionamento porque envolveria a sua biografia como juiz, de respeito a lei e ao Estado direito:
“Ele tem essaa competência, ele indica o diretor geral, mas ele assumiu um compromisso comigo inicial. De que seria uma escolha técnica, de que eu faria essa escolha. Poderia ser alterado o diretor geral, desde que houvesse uma causa consistente. Não tendo uma causa consistente e percebendo que essa interferência política pode levar a relações impróprias entra diretor geral e presidente da república, eu realmente não posso concordar. Agradeço ao presidente pela nomeação que me foi feita. Nós tínhamos um compromisso, fui fiel a esse compromisso. Sobre meu futuro, vou começar a empacotar minhas coisas e providenciar meu encaminhamento da minha carta de demissão. Eu não tenho como persistir com o compromisso que assumi sem que eu tenha condições de trabalho, sem que eu tenha condições de preservar a autonomia da PF para realizar seus trabalhos ou sendo forçando a sinalizar uma concordância com uma interferência política na Polícia Federal. Espero que, independente da minha saída, seja feita uma escolha técnica, sem interesses pessoais”.
Moro encerrou dizendo que estará sempre a disposição para ajudar o país, independente de onde esteja, e agradeceu a presença dos presentes.
Sérgio Moro teve 22 anos de magistratura. Ficou conhecido por ser um dos principais responsáveis pela condução da Operação Lava-Jato, que quebrou um dos maiores esquemas de corrupção do país. Foi trunfo de Bolsonaro na eleição de 2018.
O Planalto ainda não se pronunciou após a coletiva de Moro.
Foto destaque: Agência Brasil