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Setembro Amarelo: debate sobre saúde mental no futebol ganha força

Richarlison afirmou ter passado por problemas psicológicos e afirma busca de ajuda (Mariana Bazo/Getty Images)
Mariana Bazo/Getty Images

No Brasil, o mês de setembro é dedicado à campanha de prevenção ao suicídio. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida. A importância do cuidado com a saúde mental é algo que vem sendo debatido nos últimos anos, e, no esporte, esse tabu também parece em desconstrução.

Após o último confronto pela Seleção Brasileira, contra o Peru, pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2026, o atacante Richarlison desabafou sobre os problemas enfrentados nos últimos tempos. “O extracampo não estava muito bom. Graças a Deus, já melhorou. Eu vou procurar ajuda psicológica na Inglaterra. É importante estar bem focado para as coisas acontecerem novamente”, afirmou o atleta.

Richarlison, no entanto, não foi o único atleta a ter falado sobre o assunto recentemente. O atacante argentino Jonathan Calleri preocupou o São Paulo, neste ano, ao dar uma entrevista admitindo sentir solidão e tristeza. Na época, Calleri disse que a única coisa que queria era se sentir bem, mas não estava bem. “Cheguei na minha casa, uma casa grande, onde antes estava cheia de pessoas, e não ouvia ninguém. Estava sozinho”.

Para Rosângela Vieira, psicóloga do Sport, “o atleta estrangeiro quando escolhe vir jogar no Brasil, já está consciente que precisa se adaptar às regras, cultura e costumes do país. Geralmente ele utiliza estratégias mentais para se adaptar mais rápido, sem ter um desgaste emocional tão intenso. Porém, o acolhimento e suporte que os clubes e as pessoas oferecem a eles ajudam, fazendo com que esse processo de adaptação seja mais rápido e efetivo”.

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Em dezembro de 2022, o Hospital Albert Einstein publicou uma pesquisa que afirmava que a depressão entre os profissionais de alto rendimento estava se tornando mais comum, e que os atletas de futebol possuíam maiores taxas de sintomas depressivos e de síndrome de burnout do que a população em geral.

Na visão de Eduardo Cillo, coordenador do departamento de psicologia esportiva do Comitê Olímpico do Brasil, alguns fatores contribuem diretamente para o surgimento desse problema: “A depressão em atletas de alto rendimento pode ocorrer por diversas causas e, às vezes, por algumas delas combinadas. Existem expectativas elevadas em relação a atletas de elite, e nem sempre é possível corresponder a elas”, afirma.

“Outro fator determinante para depressão no esporte de alto rendimento é a ocorrência de lesões. O atleta está sempre no limite ou sempre ultrapassando o seu limite, tanto físico quanto mental. Lesões mais graves, que exigem cirurgia e uma reabilitação prolongada, podem levar a muita frustração, a tristeza e até a perda de identidade, porque quando o atleta não pode fazer aquilo que ele está acostumado no seu dia a dia, ele fica com um sentimento esvaziado”, completa Cillo.

A necessidade do debate sobre saúde mental

A Copa do Mundo do Qatar de 2022 levantou um dos grandes debates acerca do resultado da Seleção Brasileira: a presença de um psicólogo teria mudado o rumo da equipe?

Em 2018, na Copa da Rússia, e em 2022, a comissão técnica do então treinador Tite optou por não incluir na delegação um psicólogo. A última vez que a Seleção teve um profissional foi em 2014, quando a especialista Regina Brandão integrou a comissão do técnico Felipão.

No entanto, esse cenário pode mudar com a chegada de Fernando Diniz. Formado em psicologia, o treinador afirmou em entrevista coletiva que faz terapia e que isso o ajudou em vários aspectos. “Eu tive muito mais ganhos em termos de o que é a psicologia em aplicação fazendo terapia, que é algo que eu faço até hoje, do que na universidade. Psicologia é isso, uma tentativa de sempre diminuir o sofrimento e aumentar a alegria nas pessoas. Eu gosto de ajudar, e os jogadores são aqueles que eu mais tenho prazer em fazer isso”, comentou Diniz.

André Luis Aroni, psicólogo do Guarani e que recentemente integrou a equipe de Halterofilismo no evento Dubai 2023 World Para Powerlifting Championships, pelo Comitê Olímpico Do Brasil, afirma que o psicólogo deve ver o que ninguém mais vê, ou seja, precisa estar atento aos comportamentos dos atletas, na qualidade do convívio dentro e fora do clube, das condições de vida e trabalho.

“ O trabalho psicológico deve auxiliar o atleta na compreensão de que a pressão por resultados não deve ser necessariamente uma fonte de estresse, além de atuar no desenvolvimento e no treinamento de ferramentas e de ações para o enfrentamento positivo dessas demandas”, explica.

Clubes passam a olhar com mais atenção para o psicológico dos atletas

No Brasil, nem todas as agremiações possuem um profissional da área no elenco profissional masculino. Entre os da série A, América-MG, Athletico-PR, Corinthians, Cruzeiro, Cuiabá, Flamengo, Goiás, Grêmio e Internacional, por exemplo, não possuem um psicólogo em sua comissão.

No entanto, Marcelo Paz, presidente do Fortaleza, entende que é importante o auxílio desse profissional no cotidiano e realça o trabalho que vem sendo feito dentro do clube nordestino.

“Eu considero muito importante o trabalho da psicologia. Acredito que temos que olhar além do jogador de futebol, temos que olhar para o ser humano que joga futebol, que tem seus dramas, suas dúvidas, sua história, seu momento pessoal e familiar, e tudo isso transforma-se em resultado. Ele precisa treinar o corpo, mas, sobretudo, treinar a mente. No Fortaleza, nós temos um psicólogo integrado à comissão técnica que está todos os dias com o elenco, em viagens, em concentrações, em treinamentos, e entendo que esse trabalho é fundamental dentro do futebol, que é a alta performance”, diz Marcelo.

Trabalho nas categorias de base

Não existe uma idade certa para se tornar um jogador de futebol. Pelé, por exemplo, fez seu primeiro gol pela Seleção Brasileira aos 17 anos. Neymar estreou pela equipe profissional do Santos com a mesma idade.

Independentemente da idade, existe uma preocupação maior com os jovens na transição da base para a equipe principal. O que fazer para blindá-los? Sheyla Gomes, psicóloga das categorias de base do Fortaleza, explica.

“No contexto esportivo, o atleta inicia seu papel profissional muito cedo. Para que o psicólogo possa realizar um trabalho significativo de construção do desenvolvimento dos atletas da base, inicialmente ele tem que entender como esse atleta criança chega no mundo esportivo, com todo seu histórico social, familiar, construção de vida, sonhos”, pondera.

“Uma das atividades que o psicólogo do esporte pode desenvolver é auxiliar o atleta na construção de sua carreira desde as categorias de iniciação esportiva, para que no decorrer de sua carreira, o atleta esteja mais consciente de seus objetivos, proporcionando um crescimento contínuo nas transições para as outras categorias. A longo prazo, o autoconhecimento adquirido trabalhando as variáveis psicoesportivas na base, e continuado na equipe profissional, proporcionará uma melhor tomada de decisão diante das adversidades impostas no esporte”, acrescenta Sheyla.

Na mesma linha, Alex Araújo, CEO da 4Life Prime Saúde Ocupacional e que também trabalha no agenciamento de atletas, acredita que a pressão sobre os atletas vai além do campo do trabalho, e que para jogadores mais jovens, estar no meio do futebol pode significar uma mudança de vida.

“Falar de saúde mental no futebol ainda é um tabu. Quando analisamos as condições de jovens jogadores, com faixas etárias entre 16 e 20 anos, que ainda estão ingressando na rotina de atleta, a pressão mental é ainda maior. Treinadores, preparadores físicos, agenciadores e até familiares os pressionam para um bom desenvolvimento em campo. Em muitos dos casos, é a chance para que ele mude de vida e proporcione conforto para toda a sua família. Muitos acabam desenvolvendo depressão, síndrome do pânico e ansiedade”, finalizou.

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