POR: GABRIEL GREY E GABRIEL RODRIGUES
Há um ano, quando o Brasil ainda começava, de forma tímida, a se preocupar com a Covid-19, o Vasco recebia o Goiás com mais de 17 mil pessoas em São Januário, naquele que foi o último jogo do Cruz-Maltino com torcida até o momento. Além de ter sido a última grande aglomeração na Colina para uma partida do Vasco, que acabou derrota pelo Esmeraldino por 1 a 0, aquele jogo, realizado em 12 de março de 2020, também ficou marcado por uma grande confusão nas arquibancadas do estádio no final da partida. O Esporte News Mundo conversou com alguns torcedores que estavam no estádio no dia e lembra como era o cenário naquele momento.
Naquela quinta-feira, o Brasil havia registrado 77 casos de coronavírus, de acordo com o Ministério da Saúde, sendo 16 no estado do Rio de Janeiro. Os casos já vinham subindo no país e no mundo, a ponto da Organização Mundial da Saúde (OMS) ter decretado a pandemia justamente no dia anterior ao confronto entre Vasco e Goiás, válido pelo primeiro jogo da terceira fase da Copa do Brasil. Na semana do jogo, já circulavam informações sobre a possibilidade das partidas acontecerem sem torcida ou mesmo do futebol ser paralisado, o que só foi acontecer quatro dias depois. Mas os jogos do fim de semana seguinte já foram realizados sem público.
Mesmo com com as notícias de que outros países do mundo já sofriam de forma mais severa com a covid-19 naquele momento, como a Itália, ainda não havia medidas restritivas ou isolamento social no Brasil. E São Januário teve um clima normal de um dia de jogo decisivo, com os arredores do estádio cheios para o pré-jogo e a atmosfera de caldeirão dentro da Colina Histórica. Foram 17.970 pessoas dentro do estádio. E ninguém ali provavelmente imaginava o que viria a acontecer no Brasil nos meses seguintes e que continua acontecendo até hoje. Roberto Júnior, conhecido como Juninho do canal “Machão da Gama”, comentou que já havia uma preocupação de que aquele fosse o último jogo com torcida, mas também lembrou que ele e alguns amigos chegaram a comprar uma máscara no dia. Mesmo “de brincadeira”, como o próprio Juninho disse, eles eram os únicos com uma máscara no estádio.
– O que eu lembro desse dia é que eu e uns amigos fizemos um churrasco ali perto de São Januário. A gente já imaginava que seria o último jogo com torcida, porque na Europa já tava acontecendo jogo com portões fechados. Mas é claro que a gente não imaginava que fosse ficar tanto tempo sem torcida. A gente nem imaginava que o futebol fosse ficar parado o tempo que ficou. Mas já tinha esse clima que seria o último jogo com torcida. Mas sobre a doença, todo mundo meio que levava na brincadeira. Lembro que a gente passou numa farmácia e compramos uma máscara de brincadeira, para tirar uma foto. Tanto que todo mundo usou a máscara, ela ia passando de um para o outro. Porque tava começando, ninguém imaginava a gravidade que teria isso. O pensamento é que seria mais ou menos como foi o H1N1, que veio no Brasil e não teve esse estrago. Não imaginava a gravidade – afirmou Juninho.
André Moreira foi outro torcedor que também disse que já havia uma certa preocupação com a covid-19 na época, mas que isso não afastaria o torcedor de São Januário.
– Eu estava com um amigo, bebendo em um bar em Vila Isabel, antes de ir para São Januário. Lembro que já existia uma preocupação na época, principalmente dos nossos pais, que insistiram para não irmos ao jogo naquele dia. Eu estava ansioso pro jogo, não ia deixar de ir de jeito nenhum. Assim que abriu a compra para sócio eu já resgatei os ingressos e é isso. Não liguei para Covid na época. Ninguém usava máscara e a pandemia já estava aí, tanto que poucos dias depois entramos em lockdown – disse André, antes de completar:
– Lá no estádio, energia sinistra antes do jogo. São Januário, né? Começou o jogo, Vasco naquele ‘chove não molha’, tomou o primeiro gol. Chegando próximo do fim do jogo, acho que com uns 35 do segundo tempo, o clima já ficou estranho, pensamos em ir embora, mas ainda acreditávamos no empate. Logo depois começou uma porradaria e precisamos ir embora.
Assim como o mundo era outro, o Vasco também era outro time. Ainda dirigido por Abel Braga, o Cruz-Maltino não vinha fazendo um bom começo de temporada. E teve uma atuação ruim contra o Goiás, que venceu a partida com um gol de Fábio Sanches. Mas, além da derrota, o que ficou marcado naquela partida foi a confusão que aconteceu dentro de São Januário perto do fim do jogo. Cláudio Ramos, que estava na Colina, comentou sobre o “corre corre”, que fez muitas pessoas saírem do estádio antes do apito final.
– Lembro que o jogo estava cheio, a torcida estava comprando a ideia do time. O jogo em si não foi bom, o Vasco foi massacrado do início ao fim e o Fernando Miguel era o melhor jogador em campo. Aí rolou uma confusão, na região atrás do gol, onde ficam as organizadas. O Vasco já estava inoperante em campo, só dava Goiás. Nisso, começou o ‘corre corre’ e a galera começou a ir embora para casa. Ninguém estava ligando muito pra Covid não, zero preocupação. Galera ficava fazendo piadinha sobre isso – lembrou Ramos.
A falta de São Januário
Um ano depois na noite de 12 de março de 2020, com o agravamento da pandemia, recordes de óbitos diários, recorde da média de mortes semanais e mais de 270 mil óbitos por causa da Covid-19, a volta da torcida aos estádios parece algo cada vez mais distante, ainda que alguns clubes e instituições insistam na ideia. Assim, é provável que os vascaínos ainda fiquem um bom tempo sem poder aglomerar na Barreira, nos arredores de São Januário e, principalmente, dentro do estádio. E todo esse clima de dia de jogo tem feito falta aos torcedores.
– O que eu mais sinto falta é o pré-jogo. Com o Vasco na fase que está, nem importa tanto o jogo, a resenha com os amigos antes do jogo é o que faz mais falta. Sair do trabalho, poder ir direto para São Januário e poder tomar uma cerveja com os amigos. O clima de amizade na Barreira, sinto muitas saudades – afirmou Cláudio Ramos.
Desde aquele confronto contra o Goiás, foram 25 jogos em São Januário sem público. E com um desempenho ruim. É claro que todos os times sofreram sem a torcida apoiando nos estádios. Mas para o Vasco isso parece ter sido um pouco mais sentido. Foram apenas 10 vitórias, seis empates e nove derrotas. No Brasileiro, onde o time acabou rebaixado para a Série B, o Vasco teve a 5ª pior campanha como mandante. Além dos problemas técnicos e táticos, é inegável que a falta de um clima de jogo na Colina tenha contribuído para o mau desempenho do time. Este também é o pensamento de Juninho, que, como todo vascaíno, sente falta do clima de São Januário.
– Com certeza é a coisa que eu mais sinto falta (jogo em São Januário). Fui voltar em São Januário ontem (último sábado), na transmissão de Vasco x Volta Redonda, na Vasco TV. Tinha praticamente um ano que eu não ia em São Januário. Sinto muita falta. Sofro muito mais em casa. Acho que também comprometeu muito a campanha do Vasco no Brasileiro. Com torcida, o Vasco não seria rebaixado. O Vasco era muito forte em São Januário, com o estádio lotado. Esse ano sem torcida o Vasco foi muito mal, prejudicou bastante o clube. Com todo certeza é a coisa que eu mais sinto falta da minha vida normal, ir para São Januário, encontrar meus amigos, tomar uma cerveja, curtir o clima de São Januário, que não tem igual – finalizou Juninho.