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Filha que preserva história de ídolo do Vasco fala sobre campanha para nome do CT: ‘Todo vascaíno é filho do Barbosa’

Enquanto as obras do centro de treinamento do Vasco avançam, a torcida cruz-maltina já começa a pensar em como batizar o espaço, que deve ser inaugurado em agosto. E o nome de um dos maiores ídolos do clube tem ganhado força nas redes sociais: Moacyr Barbosa. Um grupo de torcedores, inclusive, está fazendo um abaixo-assinado em apoio ao nome do goleiro do Expresso da Vitória.

E a campanha ganhou um apoio importante. O da “filha que ele nunca teve e que Deus lhe deu”, como costumava falar o próprio Barbosa. Tereza Borba conheceu o goleiro no início dos anos 1990 em Praia Grande, no litoral paulista, através do marido, um vascaíno fanático que reconheceu o ídolo do clube no antigo quiosque que o casal tinha no calçadão da praia. O encontro mudou a vida dos dois. Desde então, ela tem lutado para manter viva a memória do jogador, multi-campeão pelo Vasco, mas marcado, injustamente e com algumas – ou muitas – doses de racismo, pela derrota com a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950.

Com a obra do CT dividida em quatro fases, o Vasco tem contado basicamente com a doação dos torcedores – além de algumas empresas -, para realizar a construção do projeto. Nesta primeira fase – dividida em quatro objetivos -, o clube já arrecadou mais de R$ 5,3 milhões dos R$ 7,4 milhões estimados para esta fase. 

A torcida cruz-maltina estar financiando as obras foi apontado por Tereza como um dos fatores que a levam crer que o nome do CT pode ser, de fato, “Moacyr Barbosa”.

– Como a torcida ajudou a construir o CT e estão pedindo, acho que eles vão ter o bom senso de colocar o nome do Barbosa. O Vasco tem muitos ídolos, teve muitos bons momentos, mas acho que o Barbosa representa muito bem todos esses jogadores. Por ser um time de negros e operários, e o Barbosa ter sido o primeiro goleiro negro do Vasco da Gama, acho que tem uma grande representatividade a imagem do Barbosa no CT – afirmou Tereza em entrevista ao Esporte News Mundo.

Dona de um grande acervo de memórias de Barbosa (físicas e de histórias contadas por ele), Tereza utiliza suas redes sociais para compartilhar informações sobre o goleiro, que conquistou o Sul-Americano de 1948, o Rio-São Paulo de 58 e seis Campeonatos Cariocas (1945, 47, 49, 50, 52 e 58) pelo Vasco. Agora, ela também participa da campanha para o jogador, que faleceu em 2000, vítima de uma  parada cardiorrespiratória aos 79 anos, dar nome ao CT do clube.

– Até mesmo antes dele morrer parte da torcida vascaína não sabia muito da existência dele. Ele ficou numa geração passada. Ninguém sabia da história do Barbosa. Eu comecei a postar a história, os títulos, Sul-Americano… E os vascaínos foram lendo e sabendo a história dele. A memória dele veio a tona e ele está sendo reverenciado por merecimento. Porque ele merece muito. Ele vestiu a camisa do Vasco, foi a segunda pele. Tinha os dedos todos quebrados, na época se jogava sem luva. Ele se dedicou totalmente ao Vasco da Gama – disse Tereza, antes de falar sobre a relação com a torcida vascaína:

– Hoje eu sou muito feliz com a torcida, esse feedback que eles têm hoje comigo, eu sempre falo que é para o Barbosa. Eu sou uma mera representante do Barbosa. O personagem principal é o Mocayr Barbosa, com “y” e sem “Nascimento” – brincou, sobre alguns erros que costumam cometer sobre os nome do goleiro.

Tereza em visita a São Januário (Crédito: Matheus Alves/Vasco)
História com Barbosa

Mas a recuperação das memórias de Barbosa não começou na era das redes sociais. Tereza foi importante também para reconectar o esquecido goleiro, que foi morar em Praia Grande para escapar das lembranças e do estigma de ser, para a maioria, apenas “o goleiro da Copa de 50”, com o Vasco. Segundo a própria, quando o Barbosa passava por dificuldades no litoral paulista, ela ajudou a divulgar sua situação na imprensa carioca, o que fez o então vice-presidente de futebol do clube, Eurico Miranda, entrar em contato.

– Eu tinha um quiosque na praia e o Barbosa começou a frequentar o quiosque. Ele tinha vindo de Ramos para cá. Aqui ele ficou livre, conseguiu ficar no anonimato. Aqui ninguém ficava apontando e falando “olha, o Barbosa de 50”. Ele falou que já não aguentava mais. Quando meu marido, vascaíno louco e apaixonado, viu ele no nosso quiosque, ele falou “você é o Barbosa do Vasco da Gama”. O olho dele chegou a brilhar, lembro como se fosse hoje. Parecia criança quando ganha presente, muito lindo. Ele confirmou, com uma alegria. E ali foi crescendo uma amizade.

A amizade foi tanta que Barbosa quase foi morar na casa de Tereza após o falecimento de Clotilde. Segundo Tereza, o goleiro só não foi por vergonha e por “não querer aborrecer”. Após a ligação de Eurico, em 1997, na época em que o Vasco organizava uma homenagem aos jogadores campeões do Sul-Americano de 48, eles foram ao Rio de Janeiro. Lá, após as homenagens, o reencontro com alguns ex-companheiros, que a situação de Barbosa começou a melhorar. De acordo com Tereza, Eurico tinha um carinho especial por Barbosa.

– Ele conversou com o Barbosa, deram risada, e ele falou dessa homenagem. O Barbosa falou pra ele ligar depois e falar com a filha dele. Ele ficou em dúvida se ia, falou comigo, “vou ou não vou?”. Eu falei: “Mas é claro, vamos embora! Está esperando o quê?”. O Eurico mandou passagem para a gente, pagou estadia… Ele foi recebido como um rei. O Eurico gostava muito do Barbosa. Ele encontrou com toda aquela galera que jogou com ele em 48, teve solenidade, missa, almoço. Foi muito lindo. O Barbosa ficou muito muito feliz.

Em 1997, Vasco reuniu os campeões do Sul-Americano. Após Eurico, Barbosa é o segundo em pé da esquerda para a direita (Crédito: Reprodução)

Alguns dias depois, um novo encontro entre Tereza, Barbosa e Eurico. Dessa vez, a filha estava decidida a falar com o dirigente sobre a situação do pai, já que o próprio não gostava de falar, seja por vergonha ou humildade. Para isso, precisou vencer o medo e encarar a fama que o ex-presidente do Vasco tinha. 

– Fomos a São Januário e eles conversaram muito, bateram papo, deram risada… E eu doida para entrar no assunto e conversar com o Eurico para pedir ajudar para o Barbosa. Mas eu tinha um “cagaço” do Eurico. Porque tudo mundo falava que o Eurico era isso, era aquilo… Mas eu expliquei a situação para o Eurico, de que o Barbosa queria um lugar só para ele, e o Eurico: “Tereza, por que você não falou isso antes?”. Mandou eu procurar um apartamento. Quando eu falei com o Eurico naquela dia em São Januário, o Barbosa ficou o olho arregalado. Ele tinha medo de receber um não, ser humilhado. Mas eu não tenho medo de não. Quando eu falei com o Eurico naquela dia em São Januário, o Barbosa ficou o olho arregalado. Ele tinha medo de receber um não, ser humilhado. Mas eu não tenho medo de não.

Após essa ida ao Rio de Janeiro, retornaram a Praia Grande e, após certa procura, Barbosa escolheu um apartamento perto da praia, onde poderia fazer suas caminhadas e encontrar a filha no quiosque. Eurico 

– Nos últimos meses da vida ele teve qualidade de vida. E ele falava: ‘Tereza, você é a filha que Deus me deu, a filha que eu não tive’. E ele era o pai que eu não tinha também – disse, emocionada, Tereza.

Tereza com escultura de Barbosa na sua casa em Praia Grande (Foto: Arquivo Pessoal)
‘Ele representa o Vasco da Gama’

O que Tereza já fazia por Barbosa, se intensificou após a morte do pai. Sua luta para resgatar e preservar a imagem do goleiro é diária. Por isso, quer criar um memorial para o goleiro em Praia Grande.

– Eu prometi para ele que eu viveria em nome dele. A memória dele não iria se apagar e eu ia tirar esses estigma de 50. Que o 50 iria ficar lá e o Vasco da Gama iria prevalecer. O Sul-Americano, todos os títulos que ele conquistou… E que 50 iria cair no esquecimento. Quando falasse de 50, seria para contar a verdade do que aconteceu. Ele falava “poxa vida, minha filha, será que a gente consegue?”. Há 25 anos, antes dele ter ido embora, eu venho nessa luta. Não tem um dia que eu não fale nele, que eu não escreva sobre ele, que não lembre do rosto dele. Eu vivo e respiro Barbosa. Aqui na minha casa tem estátua dele, fotos. Hoje o Vasco é a minha grande paixão. A torcida vascaína é a torcida mais linda do mundo, a mais calorosa. Eu agradeço a cada um por esse apoio e por esse abraço. 

Ter o nome de Barbosa no CT do Vasco seria mais um passo nesse resgate histórico. Para Tereza, além de mostrar para o mundo que Barbosa foi muito mais do que apenas o “goleiro do Maracanazzo”, é uma oportunidade para o Vasco da Gama reafirmar suas raízes de luta contra o racismo. 

– Estou até emocionada aqui, chorando. Eu nunca choro, porque o Barbosa estava sempre rindo, nunca tava chorando. As minhas lágrimas agora são de emoção. Imaginar que a gente consiga colocar esse nome do Barbosa lá… Eu choraria muito. Eu me derreteria. Cairiam muitas lágrimas, mas lágrimas de felicidade. Não é porque ele passou pela injustiça que passou… É porque ele representa o Vasco da Gama. Pela sua negritude. Por ser vascaíno, por ter vestido a camisa. Por ser pobre e o Vasco ser um time de negros e operários. E o Barbosa representa muito bem isso. Não sou só eu que sou filha do Barbosa. Acho que todo vascaíno é um pouco filho do Barbosa.

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