Há cinco anos, o mundo esportivo Sudaca estranhou a pouco coerente ideia de sediar a Copa América Centenário — que como o nome entrega, festejaria os 100 anos daquela que é a maior competição de seleções da América do Sul — nos Estados Unidos, país que até então, havia se aventurado contra os “colegas” do Hemisfério Sul em apenas três das 44 edições. Até ali, se especulou que esta seria a mais estapafúrdia decisão da Conmebol e das Federações Nacionais, o que não é tarefa das mais simples. Mas nesta segunda-feira, 31 de maio de 2021, houve um absurdo tão colossal que faz a escolha de 2016 parecer um passado glorioso de pequenos disparates, que só poderia ser protagonizado por um dos mais doentios agentes da história: o Governo Brasileiro.
Num texto como esse, me descolo dos preceitos jornalísticos, já que não é preciso contextualizar. Vivemos uma pandemia, ela mata milhares diariamente, você provavelmente já perdeu alguém próximo ou pelo menos conhecido, normal né? Ora, é claro que não. Apesar de a crise que vivemos (ou morremos) ser assustadoramente óbvia e desesperada, não é o que pensa quem navega sorrindo um mar de mortos, numa jangada feita de certos medicamentos descartados, sua única utilidade, já que são inúteis para aquilo que foram adquiridos. Bem, seguimos.
Parece que estamos numa pandemia!
Como a bola não pode parar de rolar, ou as contas bancárias de quem realmente lucra com o “show” não pode se aquietar, chegamos às vésperas de mais uma das tantas Copas Américas que se tornaram tão protocolares que é melhor negócio deixar para abrir a cerveja no outro dia. Mas é claro, há quem impressionantemente perceba: “Estamos numa pandemia”!
Essa percepção fez com que os países sede Colômbia, este também por instabilidades políticas que estão no bolo da Covid-19, e Argentina, recuassem e desistissem de sediar a competição. Afinal, que falta faria? Para Lioneis Messi, Edinsons Cavani e Neymares, nenhuma, alguns dias a mais de descanso. Para o torcedor? Bem, não muita, com estádios fechados e a Eurocopa a todo vapor, para ver do sofá. Para os “cartolas”… é.
Onde o sadismo encontra segurança
Com a retirada colombiana e argentina, ainda no domingo (30), surgiram as especulações. Que país aceitaria? O Paraguai, onde a Conmebol está sediada? O Chile, que tem apresentado bons números de vacinação? A Europa? Bom, se eu pudesse apostar minhas fichas, iria nos Estados Unidos, velho compadre da entidade sul-americana, sede da edição mais importante da história, mesmo não sendo uma nação filiada a essa confederação, com números expressivos de vacinação e o público já estando de volta aos eventos esportivos. Mas não, o escolhido, CHAMADO DE SEDE DA COMPETIÇÃO MAIS SEGURA DO MUNDO, foi, PASMEM, o BRASIL!
O BRASIL! O país cinco vezes campeão na bola e 462.092 VEZES (números do dia 30 de maio de 2021) enlutado pela morte de seu povo. O país com 10,4% de sua população totalmente vacinada, um “aproveitamento” que, se jogado ao mundo do futebol, seria o mais vexatório rebaixamento da história de um clube, com três vitórias, dois empates e 33 derrotas em 38 jogos. O país das cepas, pária mundial que vê as fronteiras externas fechadas.
Vacina não! Paraguai x Bolívia? Claro!
O narrador Luís Roberto de Múcio, indignado com os acontecimentos, os classificou como tapas na cara do brasileiro. Seria mais correta uma expressão algumas centenas de vezes mais obscena, mas fiquemos com um teor mais lúdico. Ao anunciar o Brasil como sede da Copa América, a Conmebol tratou o evento como O MAIS SEGURO DO MUNDO. Um cuspe no meu rosto, no seu rosto e no rosto de todos que, como eu, perderam pessoas amadas sem uma mínima ponta de esperança. Uma facada em quem viu iguais morrerem asfixiados ou em corredores de hospitais. O mais seguro do mundo num país que vacinou 10% de seu povo, em contrapartida a outras nações que beiram 100% de imunização. Se você não acredite, veja por si só:
Mas se as cusparadas nojentas e facadas impiedosas dos que vem de fora não fossem suficientes, ele, o mais sádico, perverso e burro da trupe de patetas, como tem sido desde o dia que, infelizmente surgiu na vida pública do país, e que alcançou níveis de putrefação jamais vistos na democracia, teve que fazer seu papel. Sim, o pior gestor na pandemia de todo o planeta terra, odiado dentro de seus limites pela parte minimamente racional da população e chacota fora deles, Jair Messias Bolsonaro, chamado de genocida por seu suposto povo, deu as caras.
A Conmebol agradeceu ao desexcelentíssimo politiqueiro federal por abrir as portas do país para o qual todo o resto do mundo se fecha. Uma negociação célere, que durou cerca de 12h dentre os anúncios da desistência argentina e da vergonha brasileira. Ágil, não é? Rápido não é? Uma atividade quase “the flashiânica” se comparados aos sete meses em que as propostas de compras de vacinas da Pfizer foram ignoradas, ou as outras dez isoladas, atrasadas, desacreditadas, recusadas. Mas, o que é a vacinação de um povo que agoniza perante a um espetacular Paraguai x Bolívia para ZERO torcedores?
Morte como objetivo e a falsa equivalência
Bom, em um certo tempo, houve respaldo para tais ações no Brasil. Grande parte da religiosa população nacional acabou acreditando no “falso Messias”, e alguns dos abusos, crimes e atentados foram feitos sobre uma manta de aprovação. Mas hoje as pesquisas mostram que mudou e a maior parte do país aponta os dedos para as atitudes daquele tido como responsável direto pela perda de 462 mil pessoas que ele devia proteger. Mas ainda assim os desafios não param. Não bastam as manifestações presenciais e virtuais, não bastam as pesquisas. Nada importa. O objetivo é a morte, acompanhada de um sadismo que ri sobre famílias enlutadas e esfomeadas.
E há ainda, uma parcela de falsa equivalência que relaciona os demais eventos esportivos, que já não deviam acontecer, à escolha do Brasil como sede da Copa América. Você, “equivalenciador”, pense: não há argumento de envolvidos diretos e indiretos do baixo clero do futebol que ficarão sem renda (jogadores de times pequenos, roupeiros, seguranças, motoristas), não há argumento de cumprimento de calendário dos clubes, não há argumento de situação contratual de jogadores (todos são selecionáveis). A COMPETIÇÃO NÃO ERA NOSSA. O BRASIL, DEFINTIVAMENTE, NÃO TEM UMA ÚNICA RAZÃO PARA ABRAÇAR A RESPONSABILIDADE.
Não basta o luto que senti desde que perdi minha querida avó. Não basta o noticiário e as condolências diárias nos comentários de publicações nos Instagrans e Twitters de conhecidos. Não basta o escárnio diário e as descobertas de negativas passadas. Eles não podem deixar-nos dormir com nosso luto e sofrer em paz. Eles precisam nos desafiar, nos machucar, nos zombar e quando a gente acha não ser mais possível receber desrespeito, eles conseguem o fazer. Mas a hora do basta está próxima. Pelo respeito aos 462 mil.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Esporte News Mundo
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