A pandemia de Covid-19 ressaltou uma problemática muito comum no Brasil: a má gestão dos clubes com as suas folhas salariais. Em condições normais de temperatura e pressão, já era habitual ver notícias pipocarem sobre atrasos e insatisfações por parte dos jogadores que chegam a ficar até 6 meses sem receber a sua devida contraprestação. O ápice talvez tenha sido o caso do Figueirense no ano passado, em que seus jogadores se viram obrigados a não entrar em campo pela insistente falta de pagamento.
Mas então quais os direitos do atleta e quais as consequências para o clube devedor?
É importante ressaltar que o jogador de futebol, apesar de possuir um contrato de trabalho especial, não deixa de ser empregado – no sentido tradicional do termo – sendo sua relação com o clube regida especialmente pela Lei Pelé (Lei 9.615/98) e também pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Você pode ser um emprego especial – no sentido carinhoso do termo – mas, não sendo jogador de futebol, sua relação com o empregador vai ser só ditada pela CLT mesmo.
Assim, a Lei Pelé no seu art. 31 consagra que o atleta tem o direito a rescisão do contrato se o clube atrasar o salário por três meses ou mais, valendo também para FGTS, abono de férias, décimo terceiro, prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho, previdenciárias ou não. Ficando, dessa forma, livre para negociar com alguém que finalmente lhe pague em dia.
Vale ressaltar que a CLT, no art. 483, inciso D, também garante a rescisão por inadimplemento do salário, mas não fixa um tempo mínimo específico. E ambos os casos de rescisão precisarão de interferência do poder Judiciário para a ratificação da rescisão e a cobrança dos valores devidos, devidamente corrigidos monetariamente. Dentro do processo de rescisão e cobrança das verbas trabalhistas podem ocorrer até penhoras e bloqueios de valores e ativos dos clubes em detrimento das dívidas reconhecidas.
Mas todo esse imbróglio jurídico pode deixar o atleta ainda mais tempo sem receber, e é nesse momento que a CBF tem a faca, o queijo e a mão, mas é aí que precisa manter a cabeça no lugar.
Ela até tentou interferir nesta questão criando no ano passado um artigo em seu regulamento de competições, a fim de punir com perda de pontos o clube que atrasar os salários dos jogadores por um mês. Isso, no entanto, depende que o próprio jogador faça uma denúncia e que o atraso seja reconhecido pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva). Um tanto inviável, à medida que não houve nenhuma denúncia.
O caminho talvez esteja na CNRD (Câmara Nacional de Resolução de Disputas), uma corte de arbitragem, mediação e conciliação da CBF que, diante das denúncias (não necessariamente dos próprios jogadores), possui capacidade de inviabilizar a contratação e o registro de novos atletas em clubes com dívidas trabalhistas. Foi o caso do Vasco e do Sport recentemente.
Sem dúvida, o tema é delicado e envolve um problema recorrente na realidade brasileira, sobretudo estampando a necessidade de um melhora urgente nos planejamentos financeiros dos clubes. É claro que eventuais cortes na folha de pagamento, diante do atual cenário, são necessários desde que haja comum acordo entre as partes, razoabilidade, proporcionalidade e ninguém saia gravemente “ferido” dessa situação. O mesmo valendo para os clássicos atrasos.