Se você, caro leitor, pegar a história do Daegu, da Coreia do Sul, e de seu atacante Cesinha, encontrará praticamente as mesmas conquistas. O título da FA Cup, em 2018 e o vice-campeonato da 2ª divisão do Campeonato Sul-Coreano, de 2016. No currículo do jogador também tem Copa do Brasil e Campeonato Mineiro pelo Atlético-MG, mas ainda não era a hora dele brilhar. Cesinha nasceu para se tornar o maior ídolo da história de um clube. Se ainda não no Brasil, no Daegu. Clube que ele chegou quando ainda estava na segunda divisão da Coreia e o levou até algo praticamente impensável pelas próprias pessoas da cidade: o título da FA Cup, equivalente à nossa Copa do Brasil.
Uma escada de sucesso que foi sendo subida degrau por degrau de mãos dadas. Cesinha, Daegu FC e a cidade de Daegu. Cada ano foi sendo melhor do que o outro e agora, mesmo que saia do clube na próxima temporada, Cesinha ainda será o maior ídolo do Daegu. Da segunda divisão até uma participação memorável na Liga dos Campeões da Ásia, conheça a trajetória do “Messias”. Do amistoso pelo time de sua cidade que o fez virar jogador à marcar gol na Juventus e comemorar a lá Cristiano Ronaldo na presença do próprio. Do menino de cidade pequena à homem sensação em um país que já sediou Copa do Mundo. Eis, Cesinha.
Nascido em Santa Albertina (SP), Cesinha já havia desistido de ser jogador. Jogava, sim, num time amador da cidade, mas trabalhava num escritório de contabilidade. Até que, no aniversário de Santa Albertina, um amistoso mudou sua vida. Conta, Cesinha:
– Como era aniversario da minha cidade, o time do Rio Preto foi fazer um jogo festivo contra o time da nossa cidade. Acabou que a gente ganhou de 3×1 e eu fiz os 3 gols. Aí as pessoas falaram: “Vamos levar esse garoto pra jogar a Copa São Paulo (de Juniores).” Cheguei no lugar e não gostei muito. Aí com 17 anos eu fui pro “Ameriquinha” de Rio Preto. Disputei a Copa São Paulo. Fiz 3 gols em 3 jogos, e então, como eu não tinha contrato, o Corinthians me pegou de graça. Fiz um ano de base lá, já que era meu último ano de juniores. Aí depois fui para o União Barbarense.
A experiência foi começando. Logo, ele estava no Bragantino, onde fazia boa campanha com o time em 2014. E foi contratado por um time grande: o Atlético-MG. Um ótimo teste para sua carreira. Porém, uma grave lesão o tirou dos campos e atrapalhou seus planos. Ele conta como foi o processo de recuperação e o que aprendeu no Galo:
– Eu estava no Bragantino, o André Gaspar era diretor na época, chegou a comandar o time duas ou três vezes. Fiz um ótimo Campeonato em 2014 pelo Bragantino e no meio do ano o Galo demonstrou interesse. O Bragantino cedeu por empréstimo. Mas, infelizmente, eu tive uma lesão muito séria. Rompi o ligamento do tornozelo direito. Não consegui manter a sequência que vinha tendo. Fiquei 3 meses e meio lesionado, voltei, mas sentia muitas dores ainda e não conseguia render o que eu esperava. Mas o Galo serviu muito de aprendizado. Foi onde eu cresci como jogador. Sempre fui jogador de ficar olhando os caras melhores para eu aprender e ali pude aprender bastante, posicionamento, cortes de caminho. Infelizmente não conheci o Ronaldinho. Quando cheguei ele foi para o México. Eu sou azarado (risos). Eu ficava olhando Tardelli, Guilherme, Maicosuel, Luan. Josué me deu muita força na época, Edcarlos também. Foi ótimo nesse sentido.
Depois do período no Atlético, em que até conquistou a Copa do Brasil de 2014 e o Campeonato Mineiro de 2015, foi para outro alvinegro: a Ponte Preta. Disputou o resto do ano por lá, mas não iria ficar para o seguinte. Teve passagem relâmpago pelo América-MG, mas sequer estreou pelo clube. Isso porque recebeu uma proposta da Coreia do Sul que mudaria a vida de muita gente e ninguém sequer imaginava. Cesinha, o rapaz que não gosta de comida apimentada chegou para dar um tempero brasileiro ao Daegu: o que ambos precisavam para encontrar o caminho da felicidade.
– Foi o André Gaspar (técnico do Daegu à época) que me indicou. Fui em 2016, não esperava esse sucesso, muito menos me adaptar num país totalmente diferente do nosso. Ainda mais eu que com comida sou meio problemático (risos). Mas em campo foi muito fácil. Cheguei aqui e logo no primeiro jogo já joguei bem, nos outros fui pegando confiança, e aí foi embora. No terceiro jogo, eu era ponta, mas nosso meia machucou e eu fui para a meia. Talvez aí seja meu sucesso: mudar de posição e ter dado certo. No meio foi onde me adaptei melhor.
Já faziam dois anos que o Daegu tentava sair da segunda divisão. O time, criado em 2002, ainda não possuía nenhuma glória em sua estante. Com a contratação certeira de Cesinha, veio o tão sonhado e inédito acesso. Em seu primeiro ano pelo clube, foram nove assistências e 11 gols. Um deles o da subida.
– O acesso veio com gol meu ainda. Muita felicidade, depois de dois anos deles batendo na trave. Com isso, fui pegando mais moral e confiança, Talvez o que eu não tinha no Brasil. Brasil tem muitos jogadores muito bons, se você der uma brecha, já sai do time. Aqui a gente tem que jogar, tem que dar conta do recado. Tive ritmo, sequência e minha confiança foi aumentando. No meu primeiro ano eu já fui eleito para o “Best Eleven” (premiação dos melhores jogadores da Liga).
No ano seguinte, mais um degrau. Na estreia na K-League (1ª divisão do Campeonato Sul-Coreano), o objetivo seria, claro, de permanecer na primeirona. E mesmo, segundo ele, não atuando tão bem, por conta de várias lesões, marcou sete gols e contribuiu com sete assistências, conseguiram se manter na elite. O momento mais marcante foi no ano seguinte. Em 2018, apesar de não ser favorito, o Daegu conquistou a Copa da Coreia em cima do Ulsan Hiunday, time de primeiro escalão do país. Assim como no Brasil, o campeão da copa nacional garante vaga no principal torneio continental. Pela primeira vez na história o Daegu não só erguia uma taça, como garantia vaga na Liga dos Campeões da Ásia. Um feito histórico que mudou o clube de prateleira e também Cesinha.
– 2018 conseguimos o título inédito da Copa da Coreia. Fui melhor jogador da final, artilheiro da cometição. No mesmo ano fui melhor meia do Campeonato, entrei de novo para o Best Eleven. E no ano seguinte veio a nossa melhor campanha na K-League, o quinto lugar. Fomos muito bem na Champions. Todo mundo achou que a gente seria saco de pancada, já que a gente tinha pego no mesmo o grupo o Guangzhou Evergrande, do Paulinho, Anderson Talisca. Ganhamos deles e chegamos na última rodada com chances, mas infelizmente não conseguimos passar de fase.
Após uma sólida campanha num duro torneio continental, veio a eliminação na Copa da Coreia. Agora, se eles quisessem voltar à principal competição da Ásia, teriam que o fazer pelo Campeonato. Isso significaria fazer o clube que mal tinha entrado na elite, roubar as primeiras posições dos grandes. Com o peito aberto eles tentaram. Chegaram a liderar a competição por algumas rodadas. Mas na última rodada dos playoffs, foram batidos pelo cansaço.
– Mesmo com as eliminações, a gente se manteve muito bem. Tiveram momentos que fomos líderes do Campeonato. Atormentamos os times grandes. Perdi líder de assistências por apenas uma (10), entrei no Best Eleven novamente, como melhor meia. Fiz 15 gols. Uma pena ali no fim a gente não ter aguentado o ritmo.
Ídolos também têm ídolos. Fã de Cristiano Ronaldo desde antes de saber que seria jogador, Cesinha teve a oportunidade não só de conhecer o ídolo como de enfrentá-lo. O time de estrelas da K-League convidou a Juventus para um jogo exibição e, claro, Cesinha estava na equipe dos melhores do “Coreanão”. À esta época, ele já comemorava seus gols no Daegu homenageando CR7, imitando seu tradicional pulo com o famoso “Siim”. Então ele sabia o que deveria fazer se marcasse um gol: repetir a comemoração. Com Cristiano no banco, Cesinha marcou na primeira etapa e cumpriu o prometido. Vamos deixar ele contar o resto…
– Chego até a arrepiar, sou fã dele desde moleque. Eu nem sabia que ia ser jogador. Eu ia na Lan House, gastava uma meia hora, 40 minutos vendo vídeos dele, para eu chegar no amador e jogar igual ele. Não tirava a camisa do Cristiano Ronaldo do corpo. Sempre fui muito fã. Poder estar num jogo com ele ali no banco. Falo pra todos que era uma noite que eu não queria que acabasse. Eu estava jogando muito bem em campo, flutuando, tudo dando certo. Driblava, dava certo. Tinha em mente que se fizesse o gol, deveria comemorar igual ele. Não era para zoar, era para homenagear. Graças a Deus aconteceu. Fiz o gol e não pensei duas vezes. Eu chego a arrepiar. A torcida começou a fazer o “siiiim” junto comigo. Na hora que eu fiz, apontei para ele. Parecia que ele não tinha gostado muito, então fui e reverenciei ele. Quando acabou o primeiro tempo eu vou direto nele e explico que a comemoração era uma forma de carinho e mostrar que o tenho como um ídolo. Ele foi super simpático comigo, me tratou super bem. Disse que eu era um grande jogador, que eu tinha muito a crescer. Foi muito humilde. Eu pedi a camiseta e ele disse: “Depois do segundo tempo eu te dou a camisola”. Mas aí quando acabou eu não o vi perto e pensei que tinha “moiado” (risos). Mas aí acabou o segundo tempo, a gente tem o costume de reverenciar a torcida, agradecer, e eu olhei para a saída e ele estava lá me esperando.
Com o tamanho que alcançou, Cesinha pensa em seguir na Ásia, onde é muito bem visto. Proposta para a Europa? Sonho, mas a idade pesa. Brasil? Não é uma vontade inicialmente.
– Particularmente, não pretendo voltar ao Brasil. Esse é meu quinto ano e, graças a Deus, com muito sucesso. Estou na minha melhor fase, conquistando muitas coisas que talvez no Brasil não conquistaria. Quero ficar pela Ásia. Se pintar uma proposta na Europa é um sonho poder ir. Devido a minha idade, só estou pensando em ficar por aqui, onde já tenho um nome bem visto.
Por tudo o que ele representa, é difícil encontrar pessoa que faça mais sucesso em Daegu do que o brasileiro. Parado em shoppings, restaurantes, sempre que anda na rua, mesmo acompanhado de sua família, a própria torcida diz: Cesinha é o maior ídolo da história do Daegu. Mas, vamos ouvir dele: “Cesinha é o maior ídolo da história do Daegu, Cesinha?”
– Risos. Essa pergunta é muito ruim pra eu responder. Soa um pouco de soberba. Mas eu me coloco sim. Por tudo o que eu conquistei no clube, eu me considero o maior jogador que passou por aqui. Título inédito, acesso, Champions League, fiz dois gols nos dois jogos das finais. Sem soberba. Quando eu pintei o cabelo de loiro, eu virei o “Agüero do Daegu”. Esse ano até pensei em pintar de novo devido ao sucesso, mas se eu fizer isso de novo o cabelo cai (risos).
Não tem problema se considerar o maior ídolo do clube. Cristiano Ronaldo não sente-se o maior do Real Madrid? Então… Daegu é o Real Madrid dos torcedores do Daegu.