Não é preciso bater mais na tecla de que vivemos tempos conturbados. Pandemia. Polarização política. Indefinição dos caminhos econômicos.
O Brasil (e o mundo) de hoje surpreende diariamente qualquer sociólogo que se imagine conhecedor de todas as dinâmicas sociais. Agora, por exemplo, não usar máscara em público pode ser um ato político relevante, ou ter um apreço por se vestir com um certo tom de vermelho também pode ser determinante. Mas e quanto a política e o esporte se misturam? É preciso refletir.
A título de curiosidade, a legislação máxima do país – a Constituição Federal – cita em exatos 17 momentos o termo “liberdade”, e também coloca a palavra “livre” em outras 27 oportunidades. Entretanto, dentre as mais de 70 mil palavras, é nítido que essas duas em especial têm causado certa confusão no – já confuso – tecido social.
É preciso entender que Carol Solberg é uma cidadã em plenos poderes de suas faculdades mentais e com total liberdade para exercer seus constitucionais direitos de se manifestar, criticar ou elogiar qualquer um dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Isso não a torna diferente de todos nós. Eu e você, caro leitor, e os outros 209,5 milhões de brasileiros temos a mesma prerrogativa e temos o dever cívico de lutar pela sua perpetuidade.
Mas por outro lado, também estamos no mesmo “balaio” na questão dos limites impostos à liberdade de manifestação: a própria lei que dá com uma mão, tira com a outra. Não temos, por exemplo, o direito irrestrito de adentrar na intimidade alheia e caluniar, injuriar ou difamar o próximo.
Até aí estamos na mesma página com a atleta. Mas é justamente o que nos diferencia que elucida a questão.
Suponhamos que o caro leitor fosse em rede nacional, assim como a atleta fez, e manifestasse um crítica ao governo, sua conduta haveria de ser punida? É claro que não, e isso não tem relação alguma com os direitos constitucionais de livre manifestação, e sim com o fato de que o atleta, ao assinar e concorda com todos os termos do Regulamento da Competição criou uma lei entre a sua pessoa e a entidade, e, via de regra, ela precisa ser cumprida.
O anexo do regulamento do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia 2020/2021 é claro quando compromete seus atletas “a não divulgar, através dos meios de comunicações, sua opinião pessoal ou informação que reflita críticas ou possa, direta ou indiretamente, prejudicar ou denegrir a imagem da CBV e/ou os patrocinadores e parceiros comerciais das competições”.
O Procurador de Justiça Desportiva – segundo a mídia, um também crítico ao governo – pleiteou a punição máxima da atleta, podendo ser suspensa por um período e ter de pagar uma multa de até R$ 100 mil.
É claro que não podemos desconsiderar a responsabilidade dos atos da jogadora. Se sabia que não poderia, e assim o fez, também estava ciente das eventuais consequências. E segue o baile.
Tampouco devemos desconsiderar o papel político do esporte, tanto em momentos históricos, como o fato de que hoje, por muitas vezes, um atleta possui uma fama e um poder de engajamento muito maior que muitos políticos. E diversos esportistas fazem questão de se posicionar em sua vida pessoal, o que pode ser extremamente benéfico. Mas, no momento, a discussão é outra.
O que não podemos é confundir o direito à livre manifestação com uma suposta prerrogativa irrestrita de uma espécie de “liberdade de contravenção” de normas livremente pactuadas para um ambiente de competição, e não o particular.
Por ora, esse sim é o cerne da questão.