A China vem conquistando cada vez mais notoriedade no mundo do futebol. A cada ano que passa, atletas de nome e com possibilidade de atuar em equipes importantes da Europa acabam escolhendo o país para trabalhar. Mas isso não acontece apenas com jogadores. O treinador Fábio Lefundes é um exemplo disso.
Após trabalhos como preparador físico em clubes do Rio de Janeiro, como Bangu, Macaé e Madureira, Catar, Arábia Saudita e Jeobunk Hyundai, um dos principais times da Coréia do Sul, além de ter sido auxiliar-técnico na equipe sul-coreana, o brasileiro foi para a China, onde trabalhou no Shandong Luneng, de 2018 a 2019.
Como auxiliar-técnico, Fábio Lefundes trabalhou com jogadores muito conhecidos do público brasileiro, como o zagueiro Gil, o meia Moisés e os atacantes Diego Tardelli e Róger Guedes. Em entrevista exclusiva ao Esporte News Mundo, Fábio contou quais são os principais atrativos da China, que tira cada vez mais atletas do Brasil e começa a agitar o mercado europeu.
“O que mais atrai na China, com certeza, é o aspecto financeiro. O jogador ganha em um ano de contrato, o que ele ganharia em três aqui no Brasil. Antigamente, os chineses atraíam mais os jogadores que estavam em final de carreira na Europa. Hoje eles já conseguem alguns atletas mais jovens. O Oscar, ex-Chelsea, é um exemplo. Outro ponto importante, é que a quantidade de jogos é muito menor, mesmo que você avance até as fases decisivas nas competições. Então você tem um risco de lesão menor e o tempo de convívio com sua família acaba aumentando”, disse Fábio.
E Fábio Lefundes também contou com alguns europeus durante a passagem pelo Shandong Luneng. Um deles foi o belga Marouane Fellaini, ex-Manchester United. O volante chegou ao clube no início de 2019, alguns meses após a seleção da Bélgica vencer o Brasil nas quartas-de-final da Copa do Mundo de 2018. O treinador relembrou um momento de descontração, no qual conversou com o jogador sobre aquela partida, e revelou que Fellaini ficou decepcionado com uma estrela brasileira.
“Eu cheguei para o Fellaini e perguntei: ‘Sua responsabilidade era marcar o Neymar mesmo?’. Aí ele respondeu: ‘Mais ou menos. Quando ele chegasse no meu setor do campo, aí eu apertava. Mas professor, eu fui preocupado para aquele jogo, e eu confesso pra você que foi mais fácil do que eu imaginava’. Ou seja, ele pensou que teria uma dificuldade, mas não foi tão difícil pra ele. E de fato, o Neymar não foi tão bem naquele jogo”, revelou.
No fim de 2019, Fábio acabou deixando o Shandong Luneng por conta de questões contratuais. Agora, aos 47 anos, ele segue estudando e se capacitando aqui no Brasil, enquanto aguarda novas oportunidades para voltar ao futebol.
“Eu até tive uma possibilidade de voltar para o futebol na Ásia, mas por conta da pandemia do coronavírus e as fronteiras estarem fechadas, as conversas não foram pra frente. A idéia é buscar algo como treinador mesmo. Aqui no Brasil eu tenho dois problemas. Eu não fui atleta. Apesar de outros profissionais de renome terem feito esse mesmo caminho e terem a mesma formação que eu (Educação Física), ainda existe essa avaliação. O outro é que eu saí daqui como preparador físico. A vontade de me tornar treinador surgiu fora do país. Eu estava me preparando para isso, até que teve a questão de sair do Shandong Luneng e a pandemia. A idéia é dar prosseguimento a isso. Eu até pensaria em aceitar uma proposta no Brasil para ser auxiliar, mas depende muito com quem e em qual time. Se for uma oportunidade para seguir crescendo e evoluindo na carreira, eu aceitaria”, concluiu.
Confira outros trechos da entrevista com Fábio Lefundes:
Deixar o Rio de Janeiro e ir para o futebol do Oriente Médio
“Eu fiz bons trabalhos como preparador físico em equipes como Bangu, Macaé e depois no Madureira, até 2007. Eu achei que surgiria uma oportunidade de dar um salto maior na carreira, mas não aconteceu. Na epóca, eu dava aula em uma universidade, e um aluno meu me chamou para falar que conhecia um treinador que estava com uma possível oportunidade de sair do país e precisava de um profissional. Esse aluno me indicou ao treinador, que era o Luiz Antônio Zaluar, e eu fui conversar com ele. A proposta era do Catar, mas financeiramente, era muito ruim. Eu conversei com minha esposa e resolvi aceitar a oportunidade, resolvi arriscar. Acabou dando certo”.
Impacto cultural e social de sair do Brasil e chegar no mundo árabe
“Quando surgiu a proposta de ir para o Catar, em 2007, eu fiz uma pesquisa e conversei com a esposa de um profissional que já estava lá há muito tempo. A nossa comissão técnica no Al-Mesaimeer era inteira de brasileiros, o que facilitou tecnicamente. Apenas o treinador, Luiz Antônio Zaluar, tinha trabalhado no continente. Todos os outros membros nunca tinham saído do Brasil, então muita coisa nós descobrimos em conjunto. No Catar, não tive tantos problemas culturalmente. O povo tem seus costumes, o momento religioso e a questão das vestimentas, mas há muitas pessoas com o estilo parecido com o nosso. Não foi tão impactante, mas me preparou para o que viria a seguir, na Arábia Saudita, em 2009”.
Saída do Catar para a Arábia Saudita
“O contexto na Arábia Saudita foi completamente diferente. Eu fui para uma cidade muito pequena no interior, para trabalhar no Al-Raed, conhecida por ser muito religiosa. Consequentemente, tinha uma fiscalização muito grande, então eu não tinha muita liberdade. Eu conseguia fazer as coisas, mas não tinha tanta liberdade, como para ir a um shopping, por exemplo. Às vezes eu estava sem minha família e eles não gostavam de ver alguém sozinho. Não podia ir para a rua de bermuda, porque se houvesse alguma família no local, eles não achavam recomendável”.
“O que me dificultou muito também é que, por ser uma cidade mais de interior, o inglês não era um idioma de fácil acesso. O início de trabalho na equipe também foi complicado, já que não tinha um intérprete. No primeiro treino, eu comecei a dar instruções para os jogadores e percebi que eles não entendiam o que eu falava. Apenas um jogador falava inglês, em um elenco com 30 atletas. Ele foi me ajudando nessa adaptação”.
Mudança de patamar: de um time que brigava contra o rebaixamento para uma das maiores equipes da Ásia
“Eu cheguei na Coréia do Sul no início de 2011 para trabalhar como preparador físico do Jeonbuk Hyundai, após a indicação do agente de um jogador brasileiro que já conhecia meu trabalho. Eu ia receber menos, mas era um passo importante na minha carreira, já que eu estava indo para um dos melhores times da Ásia. Na primeira reunião que eu tive com o treinador, ele me falou que eu tinha sido contratado sem a vontade dele. O início de trabalho foi complicado, eu me sentia desprestigiado, apesar dos bons resultados em campo, e cheguei até a pedir rescisão de contrato. Eles não permitiram, me deram um tempo para relaxar e depois me ofereceram uma renovação. O trabalho seguiu e chegamos nas finais do campeonato nacional e da Liga dos Campeões Asiática, um feito inédito. O treinador, inclusive, elogiou o meu trabalho em uma entrevista em uma das maiores emissoras locais. Nós acabamos vencendo a liga e perdendo a final da Champions”.
“Eu fiquei no clube até 2017, chegando a assumir o comando do time por um período em 2013, quando o treinador passou um período comandando a seleção da Coréia do Sul. Em 2014, eu passei de preparador físico para auxiliar-técnico. Conquistamos o Sul-Coreano em mais três oportunidade e a Champions League da Ásia uma vez”.
Respeito dos chineses pelos profissionais brasileiros
“Eles respeitam demais os brasileiros. Falam sempre bem do Hulk, do Oscar. A gente sempre tinha também uma preocupação muito grande quando jogava contra o Renato Augusto. Ele é fantástico, é um jogador muito diferente. Não é na ação, mas no pensamento. É bonito de vê-lo jogar. Tem também o Paulinho no Guangzhou Evergrande. O que ele joga é brincadeira, um fenômeno”.