Seleção Brasileira

‘Velho Lobo’ Zagallo e o melhor de dois mundos; estratégia e emoção

Lucas Figueiredo/CBF
Zagallo. Lucas Figueiredo/CBF

A Seleção Brasileira vive seus preparativos para a Copa do Mundo do Catar onde Tite e seus comandados buscarão o hexacampeonato aguardado há 20 anos. Na rica história centenária da amarelinha, Mario Jorge Lobo Zagallo ensinou que é possível ganhar não apenas um, mas quatro Mundiais unindo o lado racional e emocional em um só.

Mas nem sempre foi assim, para Zagallo, a fome em ganhar mundiais nasceu da decepção de estar presente no Maracanã na final traumática de 1950. Não como jogador, na época, o ‘velho lobo’ usava botinas e trabalhava como soldado na segurança do estádio. “O silêncio era tão grande que, se uma mosca voasse por lá, ouviríamos seu zumbido”, afirmava Gigghia (1926-2015), autor do gol de desempate uruguaio.

Zagallo já era jogador de futebol na final de 1950, tinha acabado de entrar para o Flamengo quando precisou prestar o serviço militar obrigatório. Vindo de Atalaia, a 48 quilômetros de Maceió, nas Alagoas, quis realizar o seu sonho e se imortalizar como um atleta profissional. Na Gávea, viveria os próximos 8 anos e se tornaria um dos maiores nomes da era pré-Zico da história rubro-negra.

Sempre associado ao Botafogo, foi no Flamengo que Zagallo encontrou seu grande amor; Alcina, sua futura esposa, com quem se casaria em 1955 e lhe daria 5 filhos. Sua amada o deixaria em 2012, aos 80 anos, vítima de uma doença respiratória. A relação de ambos foi abençoada por Santo Antônio, conhecido como ‘santo casamenteiro’ no qual o número 13 é associado, desde então se tornou o número de Zagallo.

O futebol dentro do Flamengo convenceu o treinador da Seleção Brasileira, Vicente Feola (1909-1975) a convocá-lo para a Copa do Mundo de 1958. “Poucos no futebol defenderam e atacaram com a mesma eficiência”, afirmou o jornalista Roberto Assaf (1914-2004), Zagallo já demonstrava que não era apenas mais um jogador de futebol.

Ao retornar para o Brasil, a troca pelo Botafogo, onde viveria seu auge técnico e físico como atleta,“Zagallo entendeu que deixar o Flamengo e se transferir para o Botafogo significava alcançar o topo de sua carreira pela oportunidade de estar no meio de ‘monstros sagrados”, afirmou Júlio Gracco, autor da Bíblia do Botafogo (2016). Campeão Mundial novamente em 1962, decidiu se aposentar em 1965.

E ai que encontramos a nossa história.

Zagallo, comunismo e xadrez

Zagallo. Inauguraçao da estatua do Zagallo na ala oeste do Engenhao, 06 de Agosto de 2013, Rio de Janeiro, Brasil. Foto: Vitor Silva / SSPress

O ano é 1970 e o mês é março, conhecido por suas chuvas na qual ‘encerram’ o verão brasileiro. O país tropical vivia os chamados ‘anos de chumbo’ onde um golpe militar dado em 1964 colocou os militares no poder. A política se esgueirava na imagem do futebol para ganhar um pouco de simpatia dos adeptos que estavam aliviados pela ameaça comunista ter sido afastada.

O presidente do Brasil, Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) havia feito um pedido ao treinador da Seleção Brasileira, João Saldanha, abertamente esquerdista, de escalar Dadá Maravilha, do Atlético Mineiro, ao que o comandante da amarelinha respondeu “Ele escala o ministério e eu, a seleção”. O ponto de ruptura estava desenhado e João Havelange, presidente da CBD (antiga CBF), querendo estar fora da mira dos militares, demitiu o treinador.

Aos 39 anos, Zagallo se tornou o mais jovem técnico da Seleção Brasileira e assumiu o comando de uma equipe há apenas alguns meses do Mundial. Já no comando, o ‘velho lobo’ mudou a forma de jogar do time, de um 4-2-4 com Félix; Rildo, Camargo, Dias e C.A. Torres; Piaza e Gerson; Edu, Jairzinho, Pelé e Tostão; fez a alteração para um 4-3-3.

O treinador do Tri colocou Piaza na linha de defesa, e trocou Rildo por Everaldo. No miolo do campo, apostou na entrada de Clodoaldo como um volante de saída e em Pelé como um meia-atacante, e não um quarto atacante. Rivelino passou a assumir a ponta-esquerda no lugar de Edu.

“Um dos méritos do Zagallo foi montar um time com cinco ‘camisas 10′”, afirmou Jair Ventura Filho, o Jairzinho, de 76 anos, se referindo a Pelé, do Santos; Gérson, do São Paulo; Rivellino, do Corinthians; Tostão, do Cruzeiro; e ele, do Botafogo. Sem a bola, o 4-3-3 se tornava em duas linhas compactas de alta velocidade com Rivelino e Jaizinho pelas pontas, além do ‘Capita‘ fazendo o corredor até a linha de fundo.

Foram 6 jogos, 6 vitórias. 1970 veio de maneira invicta. O jogo de xadrez de Zagallo passou a ser copiado pela Holanda em 1974, no pouco conhecido ‘carrossel holandês’ e no final dos anos 1970, o 4-3-3 já era a formação tática mais usada no futebol brasileiro. Influenciou bastante Claudio Coutinho na montagem do Flamengo ‘vencedor de tudo’ no início da década seguinte. Não bastou mudar os nomes, precisou mudar a forma de jogo e o mental dos jogadores para alcançarem o Tricampeonato Mundial.

1994; O mestre e o aprendiz

Zagallo deixou o Brasil e rumou ao mundo nos anos seguintes, passando pelo Oriente Médio nas seleções do Kuwait (1976-1978), Arábia Saudita (1981-1984) e Emirados Árabes (1989-1990). Mas retornou a ‘amarelinha’ quando seu pupilo, Carlos Alberto Parreira, assumiu o comando do Brasil em 1994 com o objetivo nada grato de classificar os tupiniquins para o Mundial.

“O Zagallo era o apoio que o Parreira precisava”, afirmou Galvão Bueno, em um documentário para FIFA sobre o ‘velho lobo’. O então treinador do Tetra tinha o objetivo de consertar a defesa pulverizada do Brasil e criar um time aguerrido.

“O Brasil vai ganhar o Tetra, queiram ou não” declarou Zagallo na televisão, como um profeta, em mais uma das atribuições que o veterano teve em sua vitoriosa carreira, a cada jogo ele grifava em suas falas “faltam apenas 4 (jogos)”, “faltam três” e a contagem regressiva era a motivação que o elenco desacreditado de Parreira precisou para chegar a final contra a Itália.

O lado emocional de Zagallo viria a tona, era o lado que faltava ser mostrado após o estratégista nato ter sido eternizado duas décadas atrás. A reunião entre o emotivo e o racional foi a combinação exata de uma campanha que começou desacreditada e que levou a emoção de uma ou várias gerações à frente. Até hoje, a Copa do Mundo de 1994 é considerada a mais marcante para muitos brasileiros.

Quis o destino que o Brasil chegasse a final contra a tão resiliente Itália, que assim como a amarelinha, chegou desacreditada no Mundial. A partida em 0 a 0, no tempo normal, traduziu bem o futebol mais de raça do que técnica, mas era a cara do Zagallo fazer parte de um time campeão que gritava mais do que suava.

“Vocês vão ter que me engolir”

Photo by GABRIEL BOUYS/AFP via Getty Images

Dificilmente será possível identificar uma frase mais emblemática da Seleção Brasileira do que “Vocês vão ter que me engolir” dita por Zagallo direcionada a alguns membros da imprensa esportiva paulista que o criticavam. Ali era 1997, onde a ‘amarelinha’ herdou a raça de 1994 mas deixou a desejar na disciplina.

A Copa América de 1997 marcou uma geração que viu o desabafo do ‘velho lobo’ na televisão após ser constantemente chamado de ‘velho’ e ‘antiquado’ para a Seleção Brasileira. A campanha invicta na competição não amenizou as críticas feitas a ele e sua forma de jogar. A pressão para que a CBF colocasse Vanderlei Luxemburgo no lugar de Zagallo era enorme e nem mesmo os jogadores entendiam o por que.

Se aquele momento foi uma catarse para o treinador e todos os torcedores, no ano seguinte, Zagallo seria o principal responsável pela fama de ser um líder ‘a flor da pele’ e por não se intimidar diante da pressão por um lado mais racional. A motivação que precisava dar aos atletas se via mais importante do que os pitacos técnicos da partida.

Contra a Holanda, o Brasil quase sucumbiu a falta de discplina tática, conhecido ‘calcanhar de Aquiles’ de toda seleção estrelada. Se os holandeses conseguiram se concentrar no que precisavam fazer, do outro lado havia Zagallo, segurando o rosto de Taffarel e gritando “Vocês vão ganhar!”. Em dado momento, Ronaldo ouve o recado que o ‘velho lobo’ diz “Eu preciso de você”.

O ciclo da Copa de 1998 marcou história pelas polêmicas extracampo do que propriamente pelo futebol. A não convocação de Romário e sua briga com Zico, a convulsão de Ronaldo no dia da final, a briga de Zagallo e a imprensa esportiva, até mesmo a CPI do futebol, realizada após a derrota na final do Parc des Princes por 3 a 0. “Embora tenha chegado à final, a seleção de 1998 nunca convenceu. Jogou um futebol pobre”, afirmou o jornalista e narrador esportivo Milton Leite, autor de As Melhores Seleções Brasileiras de Todos os Tempos (2010).

Zagallo ainda teria um último momento de glória como treinador antes de aposentar oficialmente a prancheta. Em 2001, comandou o Flamengo no tricampeonato carioca em cima do Vasco onde presenciou o histórico gol de Petkovic no minuto 43 dentro do Maracanã. Tempos depois, foi novamente coordenador técnico da Seleção no retorno de Parreira até o fracasso do Mundial de 2006. Hoje é apenas o ‘guru’ de todo treinador da amarelinha.

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