Hoje temos grande facilidade em assistir qualquer gameplay em plataformas como Twitch, YouTube ou Nimo TV, mas há relativamente pouco tempo era bem difícil se manter antenado nas tendências do universo gamer. O streaming, tipo de transmissão popularizada com a disseminação do acesso à internet de banda larga, foi responsável por democratizar o acesso à essa indústria e revolucionar todo o ecossistema em torno dos jogos. Acompanhe nesse artigo especial do Esporte News Mundo, a história, os impactos e os novos ramos de carreira trazidos pela ferramenta mais popular de consumo de conteúdo: o Live Streaming.
É correto dizer que a cibercultura causou alguns impactos à indústria, a ponto de transformar algumas relações entre os agentes dessa equação comunicativa. Muitos desses impactos nasceram do surgimento do Live Streaming através da interatividade trazida por essa ferramenta que se mostrou fundamental tanto para a popularização de novos nichos da indústria dos games, como veremos a seguir, quanto para a legitimação social daquilo que chamamos atualmente de E-Sports. Essa ferramenta foi responsável por criar novos ramos de carreira dentro do universo dos jogos digitais e proporcionou um meio de difusão das competições ocorridas nas plataformas de jogos digitais.
O que é Streaming?
Streaming é uma forma de transmissão instantânea de dados de áudio e vídeo através da internet ou de uma rede local. A tecnologia permite assistir a filmes ou escutar música e acompanhar eventos ao vivo sem a necessidade de fazer download, o que torna mais rápido o acesso ao conteúdo. Trata-se de uma transmissão contínua de dados baixados diretamente da internet e que não são armazenados, apenas reproduzidos.
Essa tecnologia foi primeiramente idealizada por volta de 1920, por George O. Squier, que patenteou um sistema de transmissão e distribuição de sinais através de linha elétricas. Esta seria a base estrutural para a transmissão contínua como conhecemos hoje. Nos anos 90, os computadores pessoais começaram a ficar relativamente poderosos, conseguindo reproduzir mais tipos de mídia, porém a memória disponível e a largura de banda da internet da época ainda limitavam essa forma de difusão de conteúdo. Foi apenas a partir de meados dos anos 2000, e da popularização do acesso à internet banda larga, que plataformas como o YouTube (2005), Spotify (2006), Netflix (2007) e Twitch TV (2011) foram criadas e amplamente acessadas.
No entanto, analisar todo o surgimento do Streaming não constituiria uma prática válida para análise dos fenômenos sociais da indústria dos jogos, por isso nos ateremos somente à ambientação das circunstâncias propícias para a valorização da cultura gamer, na qual o Streaming se consolida como fator importante. Como veremos a seguir, as plataformas de Streaming tiveram papel fundamental na mudança como nos comunicamos, permitindo que novos públicos fossem alcançados, e novos mercados, explorados.
Com o seu rápido crescimento, e principalmente com a evolução da internet banda larga no Brasil, o Streaming conseguiu se consolidar como um serviço democrático de conteúdo. Do entretenimento ao ensino a distância, a solução permite transmissão de áudio e vídeo a um custo de produção planejado conforme público e necessidades de cada projeto. Nesse momento do artigo, iremos observar mais sobre o surgimento e as transformações que essa ferramenta trouxe para o mundo (incluindo o dos games).
YouTube, Twitch e a ascensão das primeiras plataformas de Streaming
Um dos primeiros serviços de Streaming popularizados no Brasil foi o YouTube, por isso a análise de sua introdução e ascensão no mercado de produção de conteúdo ilustra com clareza a forma como os serviços de transmissão contínua por demanda se consolidaram como ferramenta de democratização da informação. Criado em 2005 por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, na época ex-funcionários da PayPal, o YouTube começou a atrair a atenção de todos que o acessavam. Na época em que foi criado, o YouTube disponibilizava um sistema de avaliação de cinco estrelas dos vídeos postados e o limite de upload era de 100 megabytes.
Um ano depois de sua criação, o YouTube já estava nos braços do público internauta da época, e, por isso, o Google fez a oferta irrecusável de 1,65 bilhões de dólares pela plataforma, que tomou o lugar da inferior Google Videos. A revista norte-americana Time (edição de 13 de novembro de 2006) elegeu o YouTube a melhor invenção do ano por, entre outros motivos, “criar uma nova forma para milhões de pessoas se entreterem, se educarem e se chocarem de uma maneira nunca vista”. Nesse ano, a revista também elegeu “You” (você) como a pessoa do ano, em função da grande produção de conteúdo amador veiculada na plataforma.
Em 2007, o Google decidiu expandir a área de atuação do YouTube para outros países. Uma versão na língua brasileira foi implementada em junho desse ano, também foram criadas versões para o Japão e para alguns países da Europa. No mesmo ano, a plataforma começou a ganhar um papel de destaque na sociedade, pois passou ser utilizada por alguns canais, pela primeira vez, como lugar de fala e de manifestação política e social. A CNN utilizou, pela primeira vez, as opiniões postadas no YouTube por eleitores, no debate presidencial que veiculou na TV. Também em 2007, a plataforma promoveu o primeiro YouTube Awards, que premia os melhores vídeos postados no ano.
No ano de 2008, a empresa começou sua escalada em termos de reprodução de mídia, e além de criar uma versão mobile da plataforma, disponibilizou o Upload de arquivos que pudessem ser reproduzidos em resoluções maiores, primeiro em 480p, e depois em 720p, em 2009. Nesse ano a plataforma também alcançou a incrível marca de 1 bilhão de visualizações por dia. Em 2010, implementou o sistema de Likes e o aluguel de filmes completos, a plataforma nesse ano alcançou a marca de terceiro site mais acessado, ficando atrás somente do Google e do Facebook.
O ano de 2011 trouxe consigo uma das maiores inovações comunicacionais proporcionadas pela internet: O Live Streaming (transmissões em tempo real). Nesse período, tanto o YouTube, como a Twitch Tv (ramificação da Justin.TV) surgiram com a tecnologia de transmissão ao vivo, o que permite ao usuário fazer sessões em tempo real, nas quais todos os espectadores podem interagir através de uma interface em forma de chat. A popularização e disponibilização do Live Streaming, como ferramenta, trouxe ainda mais imediatismo para a interação dos novos produtores de conteúdo com seu público, e carregou, para os meios digitais, a relação com o receptor que vigorava nos programas ao vivo da TV e do rádio.
Os usos atribuídos ao YouTube depois da implementação do Live Streaming passaram a ser limitados somente pela imaginação dos usuários. Após o surgimento dessa ferramenta, o YouTube ainda fez algumas alterações em sua interface, adicionou novos recursos (Vídeo em 360º e Realidade Virtual) e alterou a forma de monetização dos vídeos, mas o Live Streaming foi a última das reais inovações no sentido de mudar a forma de se comunicar. A partir desse ponto, a ferramenta já havia aglomerado funções sociais de educação, acesso à cultura e entretenimento e também de meio de expressão individual e coletiva. Durante a Primavera Árabe, grupos manifestantes utilizaram a rede como forma de dar visibilidade aos seus protestos, dado ao fato de que a mídia na região estava tomada pelas raízes ditatoriais dos seus governos.
Democratização da comunicação e representação social nas mídias digitais
Desde o surgimento das primeiras mídias até a popularização da internet, a comunicação entre os grupos sociais tem adotado um modelo mais verticalizado. As mídias digitais, no geral, permitiram que as mensagens difundidas no meio não partissem apenas de elites, intelectuais ou financeiras. Nesse aspecto, plataformas como o YouTube, Twitch e mais recentemente Nimo TV, carregam a mesma função democratizadora da comunicação no sentido de permitir a produção de conteúdo de uma forma mais horizontalizada. Antes dessas plataformas, os únicos com acesso à difusão de ideias em tempo real eram os grandes veículos de mídia que detinham meios técnicos avançados e de alto custo.
Com o advento do Streaming e da banda larga, qualquer um pode obter um amplo alcance em tempo real com relativa pouca dificuldade técnica. Isso possibilitou que muitas vozes que foram desprestigiadas ou pouco visibilizadas, por muito tempo, passassem a poder ser ouvidas no ambiente digital. Assim, mercados inexplorados de novos nichos puderam ser aproveitados ao passo que essas ferramentas possibilitaram que grupos pouco abordados definissem seus próprios termos de popularidade
Muitas empresas com lojas digitais especializadas surgiram com o advento dessas tecnologias, atingindo um público mais seleto, ao utilizar as plataformas de Streaming como meio de diálogo mais interativo com seu público. Um exemplo é a empresa Jovem Nerd, criada em 2002 por Alexandre Ottoni e Deive Passos, inicialmente como blog. A partir do YouTube, a Jovem Nerd fazia análises e debates sobre produtos da indústria pop e geek, com a cultura gamer inclusa. A empresa se diversificou e hoje já produz conteúdo multimídia em diversas plataformas de Streaming, através de vídeos e podcasts semanais, inclusive já ganhou diversos prêmios como maior canal produtor de conteúdo geek do Brasil, tendo atualmente 40 milhões de page views por mês.
Essa multilateralidade comunicacional proporcionada pelas novas mídias e impulsionada pelo Streaming foi aproveitada também por movimentos sociais, sendo um dos mais famosos internacionalmente a Primavera Árabe (2010), série de manifestações em diversos países do oriente médio, que frente à forte opressão ditatorial e censura dos grupos detentores do poder, utilizaram os meios digitais para veicular os protestos.
Dessa mesma forma, o jornalismo também se aproveita, a cada dia mais, dessas plataformas para se desvencilhar ou (em alguns casos) até reforçar valores e interesses privados. Uma enorme gama de canais jornalísticos surgiu com a possibilidade de alcançar o público amplo e também algum específico (exemplos de empresas de jornalistas digitais), por meio de diversas estratégias e plataformas.
O crescente acesso social a essas plataformas também fizeram se sobressair pessoas que, através de carisma ou qualidade de conteúdo, cativam atenção de outros e aumentam seu número de seguidores. Esses indivíduos que se destacam nessas plataformas são chamados de Influenciadores Digitais, e seu alcance nas mídias passou a chamar a atenção de diversas empresas que buscam promover seus produtos ou serviços.
O Streaming, tanto On Demand como Live, diz respeito especificamente a um recurso que impulsiona diversos processos de mudança das relações na comunicação, ao criar em torno de si, uma cultura que respeita a diversidade do público, levando em conta mais ainda a heterogeneidade dos gostos de cada um e ainda bebendo do mesmo imediatismo das outras mídias.
Comparando os novos processos da Cibercultura, que se afastam dessa perspectiva impositora, em certa medida, a forma como os conteúdos são produzidos pelo público e diretamente buscados pelo seu público nos diz que o processo comunicacional promovido pelas novas mídias e pelo Streaming se caracteriza como mais democrático do que o das mídias predecessoras. Nichos se formaram, novos mercados passaram a ser explorados, novos debates surgiram, e, em meio a tudo isso, foi possível a consolidação dos jogos digitais como esportes, primeiramente frente ao seu público nas plataformas de Streaming, e mais recentemente através do seu crescente espaço nas grandes mídias jornalísticas.
O Streamer: transformações nos ramos de carreira, forma de jogar e o surgimento de um novo público
Com o surgimento de plataformas como a Twitch TV, foi possível que os jogadores transmitissem seus jogos a um custo nulo e ainda podendo receber por isso. O modelo funciona da seguinte forma: o jogador compartilha sua tela numa transmissão, e recebe doações pontuais do público fã e um valor fixo por mês da plataforma relativa à quantidade de inscrições no canal. Esse modelo trouxe uma nova possibilidade de carreira dentro do universo dos games: o jogador streamer.
Apesar de o Streaming também ter alavancado a carreira de alguns pro-players, sua condição de jogador profissional não está condicionada ao surgimento dessa plataforma. Sem dúvidas essa ferramenta auxiliou bastante em termos de representatividade e contato com o público, mas se não existisse esse canal, o pro-player ainda seria um pro-player.
O Streamer, por outro lado, depende da existência dessa plataforma para existir. Ele nasce de uma nova possibilidade técnico-social que transforma a relação do jogo e do jogador. Enquanto antes dessas plataformas, o jogo era jogado para fins recreativos e voltados para o entretenimento do usuário, agora esses jogos são subvertidos em empregos e o entretenimento não se encontra mais destinado ao usuário do jogo, mas a quem assiste o usuário jogar.
Dentro dessa prática, podemos observar o nascimento de dois grupos distintos: produtores de conteúdo (streamers) e os consumidores desse conteúdo. É importante ressaltar, que se por um lado o Streaming trouxe a possibilidade de produzir esse conteúdo com uma facilidade maior, por outro lado a facilidade de consumir esse conteúdo aumenta a competitividade entre os produtores. Afinal, qualquer um pode começar hoje mesmo o seu canal na Twitch ou em qualquer outra plataforma.
Outra questão importante das lives de games gira em torno do quanto a ferramenta impulsiona a indústria. Se pensarmos em termos práticos, antes do Streaming, se alguém quisesse acompanhar alguém assistindo um jogo aguardado, seria preciso ou que se tivesse uma plataforma de reprodução de jogos, ou conhecer alguém que tenha. Se pegarmos o exemplo da Twitch TV, por exemplo, que possui aplicativo disponível tanto na Play Store (Android) quanto na Apple Store, veremos que o acesso a uma gameplay de qualquer jogo é exponencialmente ampliado. Se olharmos também pelo fato de que muitas pessoas gostam de jogos digitais, porém não possuem as condições financeiras adequadas para comprar uma plataforma, veremos que a Twitch TV, Nimo TV, o Facebook Gaming, e todas as empresas que se ocupam do setor de Lives de jogos, acabam por alavancar a disseminação da indústria dos games.
Esses públicos criados pela simbiose da indústria dos games e do Streaming, que consomem essa cultura, são todos filhos da mesma tradição. Tratam-se das gerações que foram moldadas, cada uma à sua forma, por essa forma de arte que desde o seu surgimento tem encantado os corações de todos aqueles que desejam levar suas mentes além. Assim, o Streaming aproximou todos esses públicos diversos, consolidou os jogos como e-Sports com o apoio desse mesmo público e até mudou a vida de muitas pessoas através de um simples jogo na tela.
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