A Anistia Internacional revelou um relatório nesta quinta-feira (7) após ouvir 34 funcionários de oito empresas diferentes que trabalham com serviços de segurança no país, sobre a condição desumana dos trabalhadores de atuarem nas obras para a Copa do Mundo do Catar. Suportando um calor de 50º e não tendo direito a abrigo ou água potável.
O órgão ouviu reclamações sobre os funcionários trabalharem 12 horas diárias, sete dias por semana, sem qualquer direito a folga. Todos os trabalhadores ouvidos são estrangeiros, mas com experiência por atuarem em estruturas de grandes eventos, principalmente a Copa do Mundo.
“Os abusos que descobrimos podem ser atribuídos ao grande desequilíbrio de poder existente entre empregadores e trabalhadores imigrantes no Catar” disse Stephen Cockburn, chefe da área de Justiça Econômica e Social da Anistia Internacional.
No relatório de 74 páginas batizado de “Eles pensam que somos máquinas” mostra a relação entre os organizadores do mundial, a FIFA, e os governantes do pequeno país árabe que são acusados de estarem “diretamente ligados” com os abusos dos direitos humanos.
A FIFA ainda estaria utilizando uma das diversas empresas que fornecessem os serviços de segurança para a entidade mesmo depois do aviso da ONG que “é muito provável que esse (abuso) continue durante o torneio da Copa do Mundo, a menos que ‘algo urgente’ seja tomado”, alertou.
Desde 2010, quando foi escolhido para sediar o mundial, cerca de dois milhões de trabalhadores estrangeiros de diversas partes da Ásia e da África desembarcaram no Catar em busca de trabalho.
Um homem, cujo a identidade foi protegida, chamado ‘Abdul’ de Bangladesh, disse “não tive um dia de folga por três anos”, outro trabalhador do Quênia afirmou que era comum ficar meses trabalhando rotineiramente sem ter nenhuma folga.
Além disso, o relatório denúncia práticas abusivas dos empregadores como multas por ‘supostos’ erros no trabalho, o não pagamento mínimo das horas extras trabalhadas e para aqueles que conseguiam um abrigo fornecido pelas empresas, eram obrigados a conviver com outros 10 trabalhadores em um quarto minúsculo com pouca ventilação. Também foram denunciadas situações de discriminação salarial com base na nacionalidade, raça e idioma.
Um trabalhador afirmou que foi multado em 500 Riyals (105 libras, 644 reais na conversão atual), metade do salário mínimo mensal, por não dobrar sua camisa corretamente depois de usar o banheiro. A legislação no país garante um salário mínimo mensal de 1.000 Riyals (210 libras, 1.289 reais) para até seis dias de trabalho.
“Com a Copa do Mundo a poucos meses, a FIFA deveria se concentrar em fazer mais para evitar abusos no setor da segurança privada” criticou Clockburn, “O tempo está se esgotando rapidamente, se práticas melhores não forem estabelecidas agora, os abusos continuarão por muito tempo depois que os fãs forem para casa” completou.
Citada, a FIFA respondeu a BBC em um comunicado dizendo que “não aceita nenhum abuso de trabalhadores por parte de empresas contratadas na preparação e na entrega da Copa do Mundo”, ainda afirmou que após diversas investigações durante o Mundial de Clubes e a Copa Árabe “os responsáveis que não cumpriram os padrões exigidos foram identificados e os problemas encontrados resolvidos no local”, afirmou.
Copa do Mundo do Catar afogada em polêmicas
A Copa do Mundo do Catar 2022 é sem dúvidas o mundial mais complexo já organizado pela FIFA, desde a sua concepção em 2010 o torneio vem colecionando momentos constrangedores para a entidade máxima do futebol. A existência de denúncias no Fifagate de que o torneio teria sido comprado pelos árabes, se tornou uma avalanche para o ex-presidente Joseph Blatter em 2015, um dos motivos pelo qual desistiu de uma reeleição e renunciou ao cargo.
Tal situação rendeu um documentário feio pela Discovery+ e divulgado em janeiro de 2022, em “Os homens que venderam a Copa do Mundo” os diretores investigaram a corrupção que cercou a eleição do país-sede e o envolvimento de nomes como os ex-jogadores Jurgen Klinsmann e London Donovan, e do próprio Blatter.
Após a polêmica escolha, seguiu se para a hora de levantar os estádios nesse pequeno país cercado de países que criticam sua aproximação com o ocidente, desde então mais de 6.500 trabalhadores morreram, principalmente nas obras das grandes arenas, bem perto da estimativa inicial feita por Sarhane Saadi, coordenador geral do sindicato, de que “7.000 vão morrer até o início do evento”.
A vida de nenhuma pessoa está acima do mundial, e com isso as leis islâmicas devem ser respeitadas. Em dezembro de 2021, uma polêmica entrevista com o presidente do comitê organizador da Copa do Mundo de 2022 foi levada ao ar, “a homossexualidade não é permitida” respondeu Nasser Al-Khater.
Mas, garantiu que os LGBT+ terão o direito de viajar para o país, claro, respeitando essa lei, “demonstrações públicas de afeto são desaprovadas e isso se aplica a todos” e lembrou que o “Catar e os países vizinhos são muito mais conservadores, pedimos aos torcedores que respeitem” declarou.
Mundial coleciona desafetos
Despertando o descontentamento de diversas partes do mundo da bola, o Mundial é o principal alvo de críticas direcionadas a FIFA, na última semana a presidente da Federação Norueguesa de Futebol, Lise Klaveness, fez duras críticas ao país nas questões dos direitos humanos.
“Não podemos ignorar os pedidos por mudança e como a FIFA dirige o jogo tem muito a dizer em como o jogo é percebido. A FIFA tem que agir como modelo” disse a presidente.
Harry Kane e Jordan Henderson capitães e líderes da Seleção Inglesa foram outros que criticaram a realização do mundial em um país que não respeita os Direitos Humanos.
Após o relatório da Anistia Internacional ser entregue, o volante do Liverpool disse “É horrendo quando você vê alguns dos problemas que acontecem e aconteceram no Catar”. Kane já havia respondido a repórteres na semana passada que pretende se reunir com os capitães de outras seleções que disputarão o torneio para discutir sobre a realização do mundial.
O campeão mundial alemão, Toni Kroos, já havia criticado em entrevista a escolha do país do Oriente-Médio como sede da Copa do Mundo “Foi um erro […] Lá os trabalhadores fazem tudo sem parar em um calor de 50º, sem uma boa alimentação, sem água potável. É um lugar onde a homossexualidade é crime. Está tudo errado”.
Até mesmo Zico, que havia tentado ser candidato a presidência da FIFA em 2015 já criticou a escolha do país, “O problema é que o Catar não pensa em futebol. É impensável, absurdo”. afirmou.