Hoje, quem se conecta em qualquer plataforma para uma partida online nem pensa na dificuldade que tínhamos nesse tipo de acesso até pouco tempo. Talvez não se lembrem dela ou simplesmente não a viveram. Mas há pouquíssimo tempo as partidas online eram restritas a um público muito específico, e foi só com o tempo e com a popularização da internet banda larga que as circunstâncias ideais para o florescimento dos e-Sports puderam existir. Confira nesse especial do Esporte News Mundo, como aconteceu a implementação da internet no ecossistema gamer, bem como as novas formas de jogar que surgiram na era da Cibercultura.
O termo Cibercultura é geralmente empregado pelos comunicadores como uma forma de se referir à sociedade que vive em meio às novas tecnologias de informação como a internet. Existem muitos estudos no campo da Comunicação em torno dos impactos gerados por essas novas tecnologias na sociedade. E assim como tantas, a indústria dos games foi intensamente impactada pelo surgimento da internet e seu crescente acesso pela população. Esses impactos moldaram completamente o cenário que vivemos hoje gerando novas formas de jogar que hoje são modelos sob os quais as desenvolvedoras pensam seus novos títulos.
A partir da fusão dos games à conectividade proporcionada pelo advento e popularização da internet, os jogos passaram a ser cada vez menos locais e cada vez mais virtuais. Com exceção dos primeiros jogos, que eram limitados pela tecnologia da época, sempre existiram jogos multijogadores, ou seja, que admitiam mais de um player. Havia, porém, uma restrição: a localidade. A conectividade possibilitou o compartilhamento das emoções dos games com um companheiro que não necessariamente estivesse utilizando a mesma interface. E, com isso, novos modelos de jogos foram surgindo, e em alguns casos, esses modelos foram responsáveis por toda uma realidade alternativa criada no ambiente digital. Como veremos a seguir, com a integração da internet aos sistemas operacionais de jogos, emergiram novos tipos de relação tanto entre o jogo e o jogador, como dos jogadores entre si.
Momento de ruptura
A partir do final da década de 80, a internet discada já estava sendo implementada nos computadores domésticos, rompendo barreiras de espaço entre as pessoas. Conforme a conectividade foi se fundindo aos sistemas computacionais e consoles, os jogos foram se adaptando à nova tecnologia de rede, possibilitando que as ideias de muitos visionários da indústria tomassem forma. A primeira dessas ideias se manifestou através da criação do jogo Doom, título responsável por causar um impacto marcante na indústria dos games, tanto no aspecto técnico como na conectividade, e representa um momento de ruptura na história que nos trouxe até o presente momento.
Antes do Doom, o primeiro a introduzir a jogabilidade online foi o Netrek, um jogo de estratégia que rodava em navegador, numa época onde a internet era de acesso altamente restrito. E, mesmo assim, Netrek e os subsequentes jogos de navegador tinham um tipo de conexão diferente. Se tratavam de jogos onde a interação entre os dois jogadores se dava em turnos, cada um por vez. O Doom, por outro lado, criado por Romero e Carmack, em 9 de dezembro de 1993, para computador, foi capaz de introduzir aspectos da jogabilidade online de maneira mais dinâmica, de maneira que pela primeira vez fosse possível que um jogador, jogando em seu computador, atirasse, e outro jogador, no mesmo mapa, também jogando de seu próprio computador, recebesse o dano.
Segundo o documentário GDLK, as inovações trazidas pelo Doom não se resumem apenas à conectividade. O título também foi responsável por popularizar a linguagem de programação de tiro em primeira pessoa. Antes de Doom, o único jogo lançado em 3D havia sido do próprio John Romero, chamado Wolfeinstein 3D. Ao aprimorar os aspectos da conectividade e a fluidez da linguagem de programação, Doom tornou possível que dois jogadores jogassem contra si em tempo real, sem necessitar de um movimento por vez. Esse jogo foi o precursor dos jogos online, e se coloca como um marco na indústria dos games tanto por ter revolucionado os aspectos gráficos através da linguagem de programação em 3D que John Romero e Carmack aprenderam a aplicar nos games (já testado em Wolfeinstein 3D), quanto por se tratar do primeiro jogo de videogame a apresentar a jogabilidade online.
O jogo foi um marco de sua geração e ao final do pico de vendas John Romero, como uma forma de impulsionar as vendas e manter as pessoas comprando o jogo, abriu o código da programação do jogo para o público, permitindo que a comunidade fizesse modificações, mas seria preciso comprar o jogo para ter acesso a essas informações. Esse código compartilhado pela Id Software, empresa criada por Romero e Carmack, foi responsável pela criação de títulos futuros do mesmo segmento de tiros em primeira pessoa.
Podemos considerar o Wolfeinstein e o seu sucessor Doom como os pais dos FPS (First Person Shooters) por terem sido eles os responsáveis por abrir as portas para aclamadas franquias atuais como Call of Duty, Battlefield, Raibow Six Siege e CS:GO. Essas portas abertas pelo Doom, transformaram a relação que o jogador carrega com o jogo. Antes, os jogos se tratavam ou de narrativas onde o jogador era levado a um fim, ou de desafios entre o jogador e a IA. Agora, a relação de troca entre a plataforma e jogador, se subverte numa relação de ferramenta para os jogadores. Veremos mais sobre outros tipos de transformações de sentido com o surgimento de novas formas de jogar proporcionadas pelo Online Gaming.
Novas formas de jogar na era da Cibercultura
Podemos observar que os FPS foram o primeiro modo de jogar que surgiu com a integração da internet aos games, sejam em consoles ou em computadores. Junto com esse modo, outros foram surgindo, cada um com uma nova relação entre o jogo e os jogadores. Falaremos nesse momento, sobre algumas novas formas de jogar que surgiram com o Online Gaming.
RTS (Real Time Strategy – Estratégia em tempo real) – São jogos que tratam da geração e manutenção de recursos e de unidades sem que haja turnos, ou seja, tudo acontecendo em tempo real. Os jogos de RTS geralmente se passam em cenários de disputas por território, onde duas ou mais potências disputam pelos recursos do mapa. Aqui, o jogo trata de estratégias e manobras de guerra, enquanto se administra uma economia de captação de recursos, numa escala relativamente muito maior às dos MOBA’s, como veremos mais à frente. Diferente dos MOBA’s, no RTS, personagens específicos não possuem grande importância, e as estratégias precisam ser pensadas em termos de número de unidades militares e manobras de defesa e ataque para a tomada do território inimigo. Como exemplo de títulos famosos desse modo, podemos citar StarCraft , Warcraft e Age of Empires.
MOBA (Multiplayer Online Battle Arena – Estratégia de ação em tempo real) – Se trata de um desdobramento do RTS, com mais jogadores, trabalhando na mesma equipe a fim de concluir um mesmo objetivo. Enquanto nos RTS temos apenas um jogador por equipe, nos MOBA, vários jogadores jogam juntos, cada um controlando um avatar na equipe. O objetivo, quase sempre, é destruir a base inimiga, através da sua estrutura principal, com a ajuda da IA gerada pelo computador, que avança conforme os caminhos pré-definidos. Cada personagem tem sua própria habilidade e vantagem para a equipe, que pode ser melhorada ao longo da partida, com cada melhoria sendo mais eficaz para determinado tipo de jogada e estratégia. Esse gênero se trata de uma fusão do RTS com o RPG, que como veremos a seguir, também se mesclou a outros modos online criando sua própria subcultura. No caso do MOBA, é correto falar que é uma mistura do RTS e RPG pois ao passo que se tomam decisões e se adotam estratégias em tempo real, premissa básica dos RTS, também vemos a progressão do personagem de acordo com sua experiência (XP) e itens adquiridos ao longo da partida. Entre os títulos mais famosos do gênero, estão o League of Legends (LoL), que se caracterizou como uma plataforma poderosa para os e-Sports, o Heroes of the Storm (HotS), Defense of the Ancients (Dota e Dota 2) e Smite.
MMO (Massively Multiplayer Online – Multijogador Massivo Online) – Os jogos desse gênero, geralmente possuem vastos mundos abertos, com milhares de usuários logados num mesmo servidor. Por isso, esses jogos demandam das plataformas uma grande capacidade de rede, que só foi possível depois do advento da banda larga. Existem MMO’s voltados apenas para a interação de usuários como uma nova interface social. É o exemplo de títulos como Second Life, que literalmente simula uma segunda realidade, onde as pessoas supostamente podem ser aquilo que quiserem, e se apresentar ao mundo da forma que se sentem. Existem também os MMO’s de cooperação como Minecraft, onde jogadores podem escolher o modo de sobrevivência para enfrentar o mundo e seus perigos coletivamente, ou o modo criativo, onde podem juntos moldar o mundo à sua maneira.
RPG e MMORPG – Os Role-playing games são jogos que têm a premissa de levar o jogador para dentro de um mundo de fantasia, onde criam seu próprio avatar que irá desbravar esse mundo. Nos RPG’s, o personagem do jogador geralmente apresenta características que podem evoluir conforme se adquire experiência. Os pontos de experiência podem ser distribuídos em árvores de habilidades que irão especificar que tipo de jogabilidade melhor se encaixa no estilo do jogador. Esse estilo de jogo, não se trata de um estilo de gameplay que surgiu com a integração da internet, na verdade, os RPG existiam antes mesmo dos videogames. Até hoje, podemos encontrar RPG’s de tabuleiro onde imergimos numa narrativa criada por um dos jogadores e que é vivida pelos outros. Essa essência do RPG, conforme a evolução da técnica e o acesso a internet aconteceram, migrou para os games e também foi responsável por ressignificar o jogo. RPG então, se trata do gênero narrativo de um jogo onde um personagem é criado e vive aventuras, independente de conectividade. Um MMORPG, por outro lado, se trata também de um mundo vasto e aberto onde cada jogador cria um personagem e interage nesse mundo. É um RPG com milhares de jogadores no mesmo servidor, e alguns se tornaram tão populares, como World of Warcraft, que criaram até mesmo subculturas dentro de seus mundos, contando até com mídia própria com coberturas em tempo real do que acontece no servidor.
Battle Royale – Uma tendência relativamente nova no mercado surgida em meados da década de 2010, os Battle Royales se tratam de grandes e vastos mapas onde caem entre 100 e 150 jogadores online com o único objetivo de ser o último sobrevivente. Essa modalidade surgiu em 2016 com o jogo PlayerUnknown’s Battlegrounds (PUBG) com enorme popularidade em seus anos de lançamento. O jogo, porém, sempre pecou em diversos recursos gráficos e de jogabilidade, com isso, outras empresas viram a oportunidade e se lançaram ao mercado de Battle Royales e hoje, se trata de uma forma de jogar bem popular. Nesse modo, os jogadores caem completamente desarmados no mapa, e com os recursos e armas que encontram ao longo do próprio mapa, devem eliminar todos os outros jogadores que encontrarem em seu caminho. Os jogos Battle Royale geralmente oferecem a possibilidade de jogar sozinho contra todos os outros jogadores, mas também oferecem o modo em equipe, onde equipes de dois até quatro jogadores podem lutar para sobreviver até o final da partida. Como mecanismo de manutenção da narrativa da partida, o mapa ainda vai afunilando com o passar do tempo, eliminando todos os jogadores que não estejam na chamada “zona de jogo”. Os destaques dessa modalidade, hoje em dia, são o Call of Duty: Warzone, Fortinite, PUBG, e nos dispositivos mobile, o Free Fire.
PvP (Player vs Player – Jogador vs Jogador) – Esse gênero de jogo já existia desde antes da integração da internet aos jogos, mas é preciso falar dessa modalidade de online gaming. O PvP se trata de um modo de jogo em que um jogador enfrenta diretamente outro jogador em um embate, seja esportivo, seja de combate. Apesar de não ter nascido dessa integração, a fusão da internet com o modo PvP ajudou muitas pessoas a encontrarem parceiros para esses jogos. Jogos como Street Fighter, Mortal Kombat, FIFA, e Madden, apesar de contarem com a IA que permite a jogabilidade de um só jogador contra a máquina, foram pensados para servirem de plataforma para o embate entre dois jogadores. A internet, por sua vez, carregou consigo o trabalho de fornecer esse segundo jogador para aqueles players que muitas vezes, não tinham com quem jogar.
Híbridos – Além desses gêneros que falamos até aqui, também existe uma categoria que podemos chamar nesse artigo de “híbridos”, por se tratarem de jogos que mesclaram pioneiramente elementos desses gêneros. Um deles é o Destiny, que se trata de um FPS (atirador em primeira pessoa) mesclado com um RPG, onde seu personagem evolui conforme avança nas histórias, enquanto tudo acontece da perspectiva em primeira pessoa.
Com o surgimento e aplicação da internet na indústria dos jogos, novos gêneros narrativos surgiram e evoluíram dentro de suas respectivas categorias resultando em grandes títulos da atualidade. A internet, inegavelmente, trouxe novas possibilidades de jogabilidade que sequer eram imagináveis antes da integração dessa tecnologia aos consoles e aos computadores. Com cada vez mais avanços nas tecnologias de transmissão de dados, só nos resta imaginar que outros modelos surgirão com as inovações por vir.
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