Flamengo

‘O Flamengo não se porta como quem dá valor à vida de seus atletas’, critica advogado sobre tratamento do Flamengo às famílias das vítimas do incêndio no Ninho

Incêndio no Ninho completa dois anos e meio
Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

Na última sexta-feira (27/08), o MP e a Defensoria comunicaram que irão ao STJ por uma pensão maior às famílias das vítimas do incêndio no Ninho do Urubu. Em dezembro, foi decidida a redução da pensão para R$5 mil para os familiares que ainda não fecharam acordo com o clube. O advogado de família, Daniel Blanck, foi ouvido pela reportagem e fez críticas ao tratamento do Flamengo às famílias dos meninos que perderam suas vidas na trágica manhã de fevereiro de 2019.

Mais de dois anos se passaram desde o incêndio no Ninho, que tirou a vida de dez jovens meninos das categorias de base do Flamengo. Desde então, uma briga judicial é travada entre o clube e as famílias das vítimas, em busca de um valor consensual para a indenização. Até o momento, oito famílias e um pai já fecharam acordo. No entanto, para o restante dos envolvidos, a dor segue no peito e um fim ainda parece longe de ser alcançado.

Em dezembro de 2020, o Tribunal de Justiça do Rio decidiu pela redução dos valores pagos aos familiares a cinco salários mínimos. Porém, este valor não está sendo pago, pois uma decisão do TJ-Rio retirou a obrigatoriedade do clube de pagar as famílias que ainda não fecharam acordo. 

Para o advogado Daniel Blanck, especialista em Direito Civil e Direito de Família, esta decisão não atendeu a melhor técnica do direito, pois a autora dos pedidos foi a Defensoria Pública, e não o MP, como argumentou o Flamengo:

“O julgamento não atendeu a melhor técnica do direito, ao extinguir parte da ação por ilegitimidade do Ministério Público, porque os julgadores não se atentaram para o fato de que a Defensoria Pública era autora dos pedidos e não o MP, razão pela qual o processo deve prosseguir. É certo que as famílias e os atletas lesados poderiam e deveriam ser defendidos pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público. Além disso, há outros pedidos em questão, inclusive de danos morais coletivos pela tragédia que aconteceu no Ninho do Urubu. Assim, o caso deve esgotar todas as instâncias possíveis até que se consiga um quantum indenizatório minimamente justo às famílias vitimadas.”

Antes da decisão que reduziu o valor da pensão para R$5 mil, o valor pago pelo Flamengo era o dobro, enquanto durassem as negociações. Para Daniel Blanck, o montante de 10 mil reais é o mínimo a ser buscado pelo recurso do MP e Defensoria.

“Como o julgamento do recurso interposto só ocorreu essa semana, ainda é cedo para dizer os exatos passos que serão percorridos pela Defensoria Pública, mas é possível inferir, minimamente, que, se não for pleiteada a majoração, será perseguida, ao menos, a manutenção do valor de R$10 mil a título de pensão, sem falar nos valores indenizatórios coletivos.”

Algo que vem sendo bastante noticiado, desde o acontecimento da tragédia, é um suposto descaso do Flamengo com os familiares das vítimas do incêndio no Ninho. O clube é acusado por algumas famílias de aproveitar o seu momento de vulnerabilidade para impor acordos que não retratam a realidade ou gravidade do ocorrido, como forma de dar um ponto final ao assunto. Quando perguntado se existe de fato essa pressão por parte do Rubro-Negro, Daniel respondeu:

“Sim, infelizmente. Até o momento, oito famílias e o pai de um dos meninos já chegaram a um consenso com o clube em relação às pensões e indenizações, que, certamente, estão abaixo de R$10.000,00, caso contrário, o clube não teria fechado tais acordos. Considerando que este quantum provisório já é baixo, o valor pago pelo time é mais irrisório ainda. Como, em regra, são famílias de origem mais humilde, não se pode dizer, categoricamente, que o Flamengo as está pressionando, mas, considerando o cenário apontado, pode-se dizer que as famílias estão em situação de vulnerabilidade e, até, de certo desamparo com a triste sensação de impunidade ante a demora na solução do caso.”

Os valores pagos às famílias que já fecharam acordo estão sob segredo de justiça.

Para Daniel Blanck, portanto, há sim um canal de comunicação aberto entre o clube e as famílias das vítimas do incêndio no Ninho. Porém, neste canal criado pelo Flamengo, somente ele dá as cartas e dita as regras, visto que os familiares, em sua grande maioria, são pessoas de origens mais humildes e que não dispõem dos recursos que o Rubro-Negro goza.

“Como já dito, o Flamengo conseguiu acordo com a maioria das famílias das vítimas. Ou seja, há comunicação sim, mas não se pode afirmar, indubitavelmente, que se trata de uma interação equânime, considerando o tamanho do clube de regatas e a situação socioeconômica da maioria das famílias. Além disso, o time paga cerca de R$5.000, 00 para as famílias que não aderiram às tratativas intentadas, que é um valor irrisório ante a tragédia como um todo. Considerando a gravidade do acidente e as vidas ceifadas junto com sonhos de famílias inteiras, pode se dizer que o Flamengo não está se portando como um ente que dá valor a vida de seus atletas.”

Confira outros trechos da entrevista com o advogado Daniel Blanck, advogado especialista em Direito Civil e Direito de Família:

A decisão que reduziu os valores pagos aos familiares foi feita em dezembro de 2020. Por que somente agora foi pedida pelo MP uma reanálise desta decisão?

“Este caso é polêmico e tem várias frentes que se faz necessário esclarecer ao leitor.  Existem: (1) ação penal que visa julgar a culpa na forma de crime do Flamengo e dos seus dirigentes pelo ocorrido; (2) ação trabalhista que foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho que não foi aceita pelo Juiz; (3) ações indenizatórias individuais propostas pelas vítimas sobreviventes e familiares dos que vieram a óbito e por fim; (4) ação coletiva proposta pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública.  O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor (GAEDEST/MPRJ), e a Defensoria Pública do Estado acrescentaram na ação coletiva ajuizada pelas instituições, contra o Clube de Regatas do Flamengo, novos pedidos de indenização aos familiares das vítimas do incêndio no Ninho do Urubu. O  que ocorreu em fevereiro foi um aditamento (adição) onde,  o MPRJ e a DPE-RJ requerem a condenação do clube a reparar integralmente e a indenizar da maneira mais ampla possível todos os danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados pelo ocorrido, assim como seus desdobramentos e os danos físicos e psicológicos diretos (incluindo os familiares), com direito a correção monetária e juros moratórios. A ação requer ainda danos morais coletivos. Ressaltaram o MPRJ e a Defensoria que a petição inicial da ação, ajuizada em 20 de fevereiro de 2019, se referiu ao incêndio no CT como acidente coletivo, atribuindo a responsabilidade ao Flamengo sem o detalhamento da culpa. Com as alterações realizadas nos autos da Ação Civil Pública, as instituições apresentaram exposição mais detalhada da responsabilização subjetiva do Flamengo, expondo sua culpa consciente e grave de maneira detalhada, o que é essencial para desconstruir o discurso repetido pelos dirigentes do clube de que ele seria apenas responsável pela condição de guardião dos jovens adolescentes, sem culpa pelo incêndio.”

Em caso de vitória ou derrota no recurso, quais os próximos passos para solucionar esse impasse que já dura tanto tempo e que causa tanta dor para as famílias das vítimas?

“Como já dito anteriormente, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro e o Ministério Público do estado vão recorrer no Superior Tribunal de Justiça (STJ) requerendo a reanálise da decisão sobre o pagamento de pensão às famílias das vítimas do incêndio no Ninho do Urubu. Assim, o caso deve esgotar todas as instâncias possíveis até que se consiga um quantum indenizatório minimamente justo às famílias vitimadas. Infelizmente, o Judiciário está assoberbado de processos e poucos Juízes e servidores para que os julgamentos ocorram em tempo razoável.”

O Incêndio no Ninho

A tragédia aconteceu na manhã do dia 8 de fevereiro de 2019, quando um incêndio no alojamento do CT Ninho do Urubu, do Flamengo, deixou 10 mortos e 3 feridos. No momento em que as chamas começaram, os meninos estavam dormindo.

As vítimas fatais do incêndio no Ninho foram: Athila Paixão, de 14 anos; Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, 14 anos; Bernardo Pisetta, 14 anos; Christian Esmério, 15 anos; Gedson Santos, 14 anos; Jorge Eduardo Santos, 15 anos; Pablo Henrique da Silva Matos, 14 anos; Rykelmo de Souza Vianna, 16 anos; Samuel Thomas Rosa, 15 anos e Vitor Isaías, 15 anos.

Para saber tudo do Campeonato Brasileiro, siga o Esporte News Mundo no TwitterInstagram e Facebook. E se inscreva no nosso YouTube!

Clique para comentar

Comente esta reportagem

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

As últimas

Para o Topo