Futebol Internacional

Presidente da Federação Francesa, Noël Le Graët é acusado de assédio sexual por empresária

Noël Le Graët, presidente da Federação Francesa de Futebol (FFF)
Franck Fife/AFP via Getty Images

A semana não começou boa para o presidente da Federação Francesa de Futebol (FFF), Noël Le Graët. No último domingo (8), o mandatário se envolveu em polêmica após declarar que, se não renovasse o contrato do técnico Didier Deschamps, não atenderia a qualquer ligação de Zinédine Zidane, com a ironia de que as outras equipes ou seleções montassem de forma piedosa um projeto para sua contratação. Tais falas repercutiram mal, inclusive com Kylian Mbappé, que pediu mais respeito por considerar Zidane “uma lenda”. Dois dias depois, nova polêmica e ainda mais grave. Le Graët foi acusado pela agente de jogadores Sonia Souid de assédio sexual.

Souid concedeu entrevista ao jornal L’Équipe e ao BFMTV, ambos veículos de comunicação franceses. De acordo com a agente, tudo começou no ano de 2013, após um e-mail enviado por ela a Le Graët sobre suas opiniões a respeito do futebol feminino. Ambos se encontraram em um restaurante localizado em Paris, capital da França, e conversou sobre o assunto e outros temas de importância pessoal. Meses depois, Sonia foi chamada por Noël para um novo encontro em sua casa para apresentá-la a Brigitte Henriques, presidente do Comitê Olímpico e Esportivo Nacional da França (CNOSF). Porém, tal encontro nunca ocorreu. A agente deu mais detalhes sobre o ocorrido. Na época, ela tinha 28 anos. Ele, 72.

“Eu fui ao apartamento dele e quando eu chego tem champagne. Fico surpresa, mas sigo bem e espero. Começamos a conversar e falamos sobre futebol feminino. Só que Brigitte Henriques não vem, e, além disso, ela nunca vem. Não sei se ele a avisou desse encontro. Eu acho que não. Durante esta reunião, ele me disse claramente que, se estivéssemos mais próximos, minhas ideias se materializariam. De qualquer forma, ele estaria muito mais motivado a me ajudar nesse sentido. Nesse momento, despertei: ‘Por que o presidente da Federação Francesa quer me ver?’ Embora eu me sinta competente e legítima porque consegui fazer as coisas mesmo em dificuldade, mas, desculpe-me pelos termos, o presidente me vê apenas com dois peitos e uma bunda. Fiquei decepcionada com ele. Para mim, o presidente deve ser exemplar. E ele não foi.”

Sonia Souid, ex-jogadora e empresária que acusa Noël Le Graët de assédio sexual
Sonia Souid em 2014, época das importunações de Noël Le Graët (Thierry Zoccolan/AFP via Getty Images)

Sonia Souid afirma que a situação se estendeu até 2017. Depois da reunião, a agente, responsável pelas contratações das técnicas Helena Costa e Corinne Diacre ao Clermont, vários convites foram feitos. Sonia considera Noël Le Graët como uma pessoa sutil, que deixa suas intenções nas entrelinhas, e que usa seu poder como mandatário da FFF para ter o que deseja.

“Todas as vezes que me ligava, ia à caixa postal, mas é uma pessoa que deixa pouquíssimas mensagens. Nos quatro anos que me conhecemos e onde ele me convidou para jantar com ele, não sei quantas vezes, ele me deixou poucas mensagens de voz. É evidente que ele aproveita a sua posição para poder me convidar para jantar, para me receber em sua casa e se permitir deixar várias mensagens. Tento administrar a situação como posso. Eu entendo que ele não liga para o futebol feminino. Não adianta falar com ele. Ele não tem medo de nada nem de ninguém. Ele pensa que é intocável. Provavelmente é.”

Por fim, Souid acredita que sua entrevista pode levar outras mulheres a se manifestarem, por não acreditar que tenha sido apenas um caso isolado diante do presidente da federação. Tal depoimento aumenta a gravidade das informações trazidas pela revista francesa So Foot no último mês de setembro. O veículo citou vários problemas na FFF, inclusive de assédio sexual.

“Espero que outras mulheres encontrem coragem para falar. Não acho que sou a única: acho que são várias dezenas. Se eu pudesse encorajar outras mulheres a falar, seria uma grande vitória.”

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Repercussão

A entrevista repercutiu na França, sobretudo nas autoridades relacionadas com o esporte no país. O presidente do Conselho Nacional de Ética (CNE) da FFF, Patrick Anton, disse ao L’Équipe, que considera a saída de Le Graët do cargo como única opção no momento por considerá-lo desacreditado a ocupar o cargo.

“Apelo ao presidente da Federação para que se retire de suas funções e, consequentemente, se demita. Precisamos de um poder forte e sereno, que infelizmente não é mais o caso. Ao longo da temporada, temos de aplicar aos dirigentes – em particular aos presidentes de distrito ou de liga – as regras deontológicas e transmitir os processos às comissões disciplinares porque passaram dos limites. Relativo ao presidente da FFF, se obviamente não pretendemos fazê-lo passar por comissão disciplinar, resta-nos pedir que ele se retire, para o bem do futebol. Não vamos estragar os bons resultados financeiros e desportivos da FFF com uma novela que é mais assunto de jornal do que de futebol.”

Patrick Anton, presidente do Conselho Nacional de Ética da Federação Francesa de Futebol
Patrick Anton, presidente do Conselho Nacional de Ética da Federação Francesa de Futebol (Jacques Demarthon/AFP via Getty Images)

Ex-advogado e ex-árbitro, Patrick Anton fala que a renúncia do mandatário deve ocorrer pelos princípios éticos descritos no próprio regimento da entidade. O CNE depende da comissão executiva da FFF para nomear seus membros e, com alguém incondizente em sua função, não teria como levar a sério tudo o que envolve o órgão.

“É pela aplicação dos princípios éticos da Federação que são bem lembrados pela carta ética. É preciso serenidade para seguir em frente. A descompactação deve ser evitada. Quando começa, não sabemos onde termina. Assim que uma língua se solta, todas as outras a seguem. O presidente Le Graët fez comentários que mostram que ele perdeu um pouco de sua lucidez. É um homem que está cansado e deveria seguir em frente. Governar uma federação que conta com 2 milhões de licenciados pressupões que não se perca a calma e a serenidade. Precisamos encontrar um curso forte.”

Uma evidência de que o clima é o pior possível é a relação quase inexistente entre Noël Le Graët e a diretora-geral da Federação Francesa de Futebol, Florence Hardouin. Na última segunda-feira (9), um Comitê Diretivo (Codir) foi implantado ainda antes das falas de Noël sobre Zidane e as consequentes reações. Hardouin ocupa a função desde 2013 e criticou firmemente na Assembleia Federal que resultou na renovação contratual de Didier Deschamps como comandante dos Bleus, o comunicado divulgado à imprensa por parte do mandatário. A ideia é que um Codir seja implantado para que um grupo intervenha na presidência, o que resultaria na saída do presidente. De qualquer forma, uma reunião emergencial será realizada nesta quarta-feira (11) para debater as ações seguintes em meio a tal denúncia.

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