Ex-diretor de futebol profissional do Cruzeiro, Ricardo Drubscky se descreve como um homem do futebol. Trabalhando atualmente no Boston City FC, equipe de Manhuaçu-MG que se prepara para a disputa da segunda divisão do Campeonato Mineiro, o treinador e manager concedeu entrevista exclusiva em duas partes ao Esporte News Mundo.
Nesta segunda metade da matéria, você confere relatos do período em que Drubscky passou na Toca da Raposa, em 2020, e suas visões quanto às novas tendências que prometem mudar o futebol brasileiro nos próximos anos.
Passagem pelo Cruzeiro em 2020
Esporte News Mundo: Ricardo, você estava no Cruzeiro quando ocorreu o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, em março de 2020. Naquele momento, quando houve o estouro do vírus, quais os impactos que vocês sentiram dentro do trabalho no clube?
Ricardo Drubscky: Normal, dentro das dificuldades que a pandemia representou pra todo mundo. Paramos de trabalhar durante um mês, depois afastamos alguns profissionais, ocorreu a limitação de de receitas e, consequentemente, veio a ajuda do governo. Mas, ao mesmo tempo, tivemos que lidar com restrições de pagamentos, relações via internet, videoconferências, essas coisas todas. Então, foi normal, foi normal o que aconteceu, normal. Como uma grande empresa, clube que é, o Cruzeiro sofreu todas as consequências que todo mundo sofreu na pandemia. Uma coisa que veio em conjunto, mas que não era fruto da pandemia, foi a situação financeira que se deflagrou no clube. O Cruzeiro sofreu com a infeliz coincidência de ter que lidar dois episódios trágicos juntos, o que realmente atrapalhou, mas essa situação não é diferente da de muitos clubes brasileiros, só que na Toca gerou um impacto maior porque houve estampa de muita coisa que aconteceu.
ENM: Você chegou ao Cruzeiro inicialmente para a função de diretor da base. Posteriormente, acabou sendo promovido para o cargo de diretor de futebol do time profissional. Na época, como foi para você essa mudança?
RD: Foi natural, já aconteceu comigo algumas vezes. Fui contratado verbalmente em dezembro de 2019, mas comecei a trabalhar em janeiro de 2020. Trabalhei como gestor da base até março, quando subi para o profissional, onde fiquei até outubro. Nesse tempo teve a mudança de política no clube, o que afetou minha permanência, pois a nova diretoria veio com todo um elenco de profissionais. Acabei ficando sem função. Com isso, eu mesmo tomei a iniciativa de buscar uma saída melhor, ou seja, buscar espaço em outro clube. Já trabalhei na base e no profissional de vários clubes como treinador, diretor, coordenador… Graças a Deus, sou um polivalente do futebol! Me sinto muito à vontade trabalhando em vários segmentos. Fiquei triste de ter saído do Cruzeiro porque achava que poderia ser muito útil lá; mas, infelizmente, assim como acontece no futebol e na vida, temos que reconhecer quando em um espaço já não há lugar para nós. Se não tem mais lugar pra gente, temos que andar mesmo.
ENM: Quando você se pediu para sair, houve algum tipo de oposição diretoria? Eles tentaram fazer com que você ficasse ou foram coniventes com o pedido?
RD: Não. Quando conversei sobre a minha situação, chegamos a um consenso do que eu tinha que sair mesmo. Não tinha o que eu fazer ali, tinha pessoas para fazer o que eu poderia fazer. Foi uma questão muito normal. Acho até que fiquei muito tempo. Fiquei lá uns quatro ou cinco meses com a diretoria nova, coisa que não precisava ter acontecido, já que não havia planos pra o meu trabalho. O Cruzeiro é um clube que tenho muito carinho, muito respeito, porque já passei por lá algumas vezes, assim como passei pelo Atlético-MG também, pelo América-MG. Então, vida que segue. Foi super tranquila essa transição.
Implementação de clubes-empresa no Brasil
ENM: Agora que você trabalha no Boston, um clube jovem, que tem dono, equipe por trás, como tem enxergado essa questão da implementação de clubes-empresa no futebol brasileiro?
RD: Acho que é um bom caminho que o futebol brasileiro pode encontrar. Lógico, para que haja essa transformação, vão ter que haver cortes na pele de todos os segmentos, porque o Brasil está se arrastando já há muitas décadas nesse modelo político administrativo de clubes (atual). Para montar o regime de clubes-empresa, concessões terão que ser feitas de várias partes, então, toda a comunidade do futebol tem que estar preparada para isso. Torcedores, dirigentes, jogadores, treinadores, empresários, mídia, federações e CBF. Todos os todos os intervenientes do futebol, todos os investidores do futebol, vão ter que adequar à essa nova realidade, porque o que era uma instituição sem fins lucrativos, vai passar a ser uma empresa com todas as obrigações que uma empresa tem: prestação de contas, pagamento de impostos, cumprimento de regras comerciais… Para que isso vire realmente uma solução para o futebol brasileiro, todos vão ter que se adequar.
ENM: Hoje, você acredita que essa questão de clubes-empresa é realidade iminente ou tem suas reticências, e acha que as coisas ainda podem não ir para frente?
RD: Eu acho que no que diz respeito ao Brasil, você tem que ver toda ideia de modernidade com otimismo, mas também com o nosso jeitinho mineiro de ser, né? De ver como é que vai acontecer para opinar com mais segurança. Sem dúvida nenhuma, a ideia do regime de clubes-empresa para o Brasil é uma saída muito interessante, mas acho que é prudente esperar o passo a passo para ver o que que vai acontecer. Que vão haver forças contrárias (tentando impedir o projeto de ir para frente), isso não tenho dúvidas. Qualquer mudança gera incômodo, contrapartida. Que vai haver rejeição e resistência de alguns segmentos, eu não tenho dúvidas. Tem segmentos que se acomodaram nessa situação e estão bem, mas os clubes estão muito capengas, fazem coisas que não deveriam fazer e precisam se adequar para que tenhamos competições melhores, calendários melhores, negócios melhores… Para o jogo seja melhor e mais atrativo, para que tenhamos um entretenimento mais convidativo a todos que gostam de futebol.
ENM: Na sua visão, o avanço dessa pauta poderá afetar a organização do Campeonato Brasileiro? Resultando, por exemplo, na formação de uma nova liga nacional administrada pelos clubes.
RD: Eu não acho que precisaria afetar, mas vai, porque existe todo um status quo, toda uma maneira de se fazer o futebol brasileiro, algo que está se arrastando há muitos anos. A partir do momento que ocorre uma mudança, passa a regência de um segmento para outro, os clubes passam a ser geridos de nova uma forma, a liga aparece como como coordenadora de muitas coisas para o para os clubes. Então, vai mudar muita coisa. É uma questão mesmo de adaptar e dar um tempo para que essas coisas aconteçam plenamente e deem respostas. É uma coisa natural. Se os clubes passarem a ser geridos por um organismo próprio, a tendência é que os clubes sejam beneficiados. Isso se não houver rivalidade entre eles. Mas é pagar pra ver, tem que ver como isso vai se instaurar no futebol brasileiro.